sábado, 15 de outubro de 2011

Momentos partilhados - Um Conto/Novela de VIRGINIA TEIXEIRA - Parte I



Momentos partilhados - Um Conto/Novela de VIRGINIA TEIXEIRA - Parte I

Ele é nosso há tanto tempo. Gostava de pensar que me pertence mais, mas não acredito nisso.
Sei que ele é teu tanto quanto meu. E já não te odeio, já não te invejo. Estamos juntas agora. Somos dele as duas, mais intensamente do que em qualquer um destes anos. Sofremos as duas com uma cumplicidade que me intriga. Sei que, logo no início, não saberia avaliar a tua coragem no silêncio.

Preferi esconder. Esconder algo que soubeste tão cedo. Quase desde sempre o soubeste. E eu fugia, não te olhava sequer, com medo que me visses no olhar a culpa.
Depois destes anos todos o que parecia um sórdido encontro tornou-se numa história que partilhamos com um desprendimento que nunca acreditei possível.
Estamos junto dele, as duas, desse homem que ambas soubemos partilhar com uma abnegação humilhante que já não magoa.
Vejo-te no olhar a sincera compreensão, a falta de raiva, a ausência de amargura, e agradeço-te por isso. Deixas-me estar aqui agora, queres-me aqui, a partilhar estes dias de horror contigo, irmãs mesmo, junto da cama dele.
Parece uma história repugnante para os outros, eu sei. Há muito me habituei à sensação de ser apontada como a má da fita. Tu, de toda essa gente, és a única que não me quer mal, a única que me vê de verdade. E deixas-me estar aqui. Com ele. Não imaginas o quanto te quero bem por isso.
O nosso homem vai morrer. Deixa-me chorar nos teus braços e chora nos meus. Partilha comigo o que não tive, e eu partilho o que pôde ser meu.
Foi há muito tempo, mais de dez anos, que o conheci. Era nova, quase miúda ainda. Ele seduziu-me com um sorriso ou com uma palavra, já nem me lembro bem. Sei que foi rápido e aquilo que, para a jovem que fui, devia ter sido só uma conquista brincalhona, tomou de assalto toda a minha vida e eu não soube fugir.
Ele era mais velho, sabia falar-me de uma forma que eu nem refutava, e tudo parecia lógico. Se era errado, esqueci isso rápido e entreguei-me mais. Sabiam bem as noites passadas com ele, todos os instantes em que pensava que ele me pertencia.
Depois, quando ele saia, sentia-o teu e odiava-te. Agora, tanto tempo depois, sei que ele sempre foi nosso, igualmente de uma e de outra, e já não sinto vergonha de te contar a magia do primeiro olhar.

Dizes que não te magoa, que te conforta conhecer esses momentos dele.
Queres sugar toda a vida dele e eu ajudo-te, dou-te os trechos da  história para que possas criar esse manto de recordações com que sei que vais viver toda a vida.
Amas esse homem de forma estranha, poucos entenderiam, nem eu mesma entendi antes de partilhar estas horas de angústia contigo. Ri-me de ti, achei que eras doente. Deste-mo tantas vezes… Sabias que ele ia fazer amor comigo, dizer-me as palavras que querias para ti e mesmo assim deixava-lo sair a meio da noite e encontrar-me.




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