terça-feira, 31 de março de 2015

Esmeraldo, o garçom - Texto de Laé de Souza


Esmeraldo, o garçom
 
Texto de Laé de Souza

http://www.lerebomexperimente.com.br/blog/lae-de-souza/

Esmeraldo servia um bife acebolado, enquanto outro cliente fazia insistentes sinais chamando-o. Ele, fingindo não perceber para não interferir no seu trabalho, atendeu com presteza e só então deslocou a sua visão à outra mesa. (Aí que descobri que quando chamamos um garção e parece que ele não vê, às vezes está vendo e finge que não vê). Acostumado com os tipos e pela cara sentiu que era reclamação, e era mesmo. O sujeito, irritado, sentia-se indignado com a refeição. O macarrão estava grudado e o molho salgado.

Esmeraldo, educadamente, perguntou:

- Como é o seu nome, senhor?

O cliente mais irritado ainda respondeu:

- Jonas.

- Pois é senhor Jonas, vou lhe explicar como funcionam as coisas -, disse-lhe Esmeraldo. - A minha função aqui, é a logística. Ou seja, coleto os pedidos do cliente, passo para a copa, que manda para a cozinha. Daí para a frente não interfiro em nada, até que eu ouça dois toques da sineta, o sinal de que o meu pedido está à disposição. Então apanho a mercadoria, vejo se está bem separada, cada qual em sua bandeja e faço a distribuição para os clientes. Quanto a verificar se os produtos estão perfeitos, se a qualidade é boa, foge ao meu alcance e se o fizesse, estaria me intrometendo no trabalho de outro setor, com o que o senhor há de concordar, seria antiético.

Agora, é responsabilidade minha e o senhor pode me chamar a atenção que eu vou abaixar a cabeça, se ocorreu alguma coisa que me diz respeito como: Seu pedido veio trocado? Sua cerveja chegou quente? O refrigerante diet da sua esposa e as cocas normais dos seus filhos não vieram certinhos, como pedidos? Sua comida veio misturada, decorrente do transporte da copa até a sua mesa? Deixei cair um copo ou derramei molho na mesa ou em algum dos senhores?

O senhor pode não ter percebido, senhor Jonas, mas a sineta tocou e eu já corri para trazer sua refeição. Se houve demora, foi lá para dentro, mas não no serviço de distribuição. Agora, se o senhor quer fazer reclamação do serviço da produção, posso chamar o cozinheiro ou então o senhor Manoel, que é o dono, portanto, é quem tem que ouvir essas reclamações, não eu. Aliás, aqui pra nós, acho que o senhor tem que reclamar com ele sim, porque esse cozinheiro é muito folgado e anda fazendo as coisas de qualquer jeito. É a segunda reclamação injusta que recebo hoje. 

Que culpa tenho eu, senhor Jonas, que estou aqui do lado de fora, nem sabendo do que está acontecendo lá por dentro e alguns clientes sem atentar para isto, me chacoalham? O senhor, sinceramente, não acha que é injusto seu Jonas? Vou chamar o seu Manoel, o senhor reclama do macarrão, do molho e, não diga que falei nada, mas pode reclamar que a carne está dura, porque sei que está, pois, uns dois clientes já reclamaram. Lá está o seu Manoel. Seu Manoel! Seu Manoel , faz o favor!

Enquanto o Sr. Manoel se aproximava, Esmeraldo cochichou para o cliente:

- O senhor pode reclamar do que quiser seu Jonas, mas não da comida fria, porque se esfriou, foi por culpa sua que iniciou a conversa, deixando-a esfriar.

Jonas, mulher e filhos boquiabertos olhavam para o Esmeraldo e o Sr. Manoel, que todo solícito dizia um "pois não", bem macio.



João e Marquinha - Conto de João Furtado


João e Marquinha

Conto de João Furtado


Sentado a porta da casa, o João olha para o nada. O seu olhar é vago e a solidão que o atinge faz-lhe estar distante de tudo. A electricidade não chegou ainda à sua casa. Não tem televisão nem rádio.

Descalço e com roupa retalhada, as pernas não são as mesmas de há 60 anos atrás. Nem a memória é a mesma, mas uma coisa é certa, o amor que sente pela Marquinha é o mesmo de sempre.

O rosto enrugado e a boca desdentada, mal consegue suportar o peso do cachimbo fumegante, seu companheiro de sempre. Muita vida vivida foi para esquecimento, mas a Marquinha continua viva nele. A única que não morreu numa memória cada vez mais morta que viva.

Marquinha era diferente de todas. Teve muitas mulheres durante os seus longos 80 anos de vida, mas nenhuma foi como a Marquinha, o seu primeiro amor. Nunca teve uma foto da Marquinha, mas sempre a teve na memória. A imagem da Marquinha jamais saiu da sua memória. Hoje, que nem dos filhos se recorda bem, continua a viver a sua Marquinha.

A casa da Marquinha era no alto da colina, nos Órgãos, Ilha de Santiago. Era um sobrado lindo e via-se de longe, entretanto não era fácil lá chegar. Para se ir a casa da Marquinha tinha-se que andar quase dois quilómetros sempre a subir. Num serpentear de curvas e contra-curvas entre argilas e pedras, que qualquer descuido seria razões de acidente gravíssimo. O caminho íngreme e quase perpendicular obrigava a uma perícia incalculável.

O João, hoje velho e cansado, continua a ter a imagem da Marquinha, dengosa, com pano amarrado à cintura bamboleando quando transportava a lata de água, ladeira acima. Negra, esguia e bela, subindo ao compasso do batuque. Luxuriosamente bela, a Marquinha era a única lembrança da juventude do João.

Desde muito cedo, João enrabichou-se pela Marquinha, ele tinha 18 anos e ela 14. Ele de enxada no punho e ela de balaio e pano à cintura. Ele a cavar o chão para ela semear.

Eram muitos, quase 30 pessoas, entre homens, mulheres, rapazes e raparigas, mas ele só via ela, a Marquinha. E ela, dengosa, fingindo-se alheia a tudo, mas atirando o feitiço de mulher, que bem cedo sabe da força que esconde nos seios firmes e libidinosos, escondidos por fino e sensual pano de cetim.

Um pouco acima da fina cintura de cobra, fazia salientar a bela e carnuda anca de mulher badia. Ele a cavar para ela. Era um djunta-mon, onde não estava apenas o trabalho, mas mostrar do que era capaz. Que era melhor que todos os outros rapazes! Ela era o troféu em disputa.

Ela, a Marquinha sabia disto, se mostrava e se sentia orgulhosa a ser razão do frenesim que à sua volta desenrolava. Mas não falava com ninguém, se mostrava e se escondia, no jogo do amor e do pudor. Os adultos, os pais, viam tudo e fingiam nada ver.

Todos sabiam do jogo. Todos participavam no jogo. Ela tinha que se resguardar e se mostrar difícil. Ele queria que ela fosse difícil e ficava orgulhoso disso. À tardinha ia esperá-la na ribeira. Sabia que ela ia e ela sabia que o ia encontrar lá. Continuavam os rituais.

Ele insistindo na conversa e ela esquiva jogando com as palavras:
 -Marquinha, sou louco por ti!
 -João devias era ir para o hospital então para te tratares!
 -Marquinha, deixa de brincadeiras, estou a falar a sério. Quero-te! Quero casar contigo!
 -João, não vês que ainda sou criança?

O João pegava-lhe nas mãos e ela lutava e fingia-se ofendida. Afirmava que a mãe estava a vir atrás dela. Dizia que ontem tomou uma carga de porrada, porque a madrinha dela teria dito à mãe que a viu com o João. O João todo fanfarrão prometeu que ia falar com a tagarela da madrinha da Marquinha! O que tinha ela a ver com a vida dos dois?

A Marquinha ameaçou-o:
 -Se disseres alguma coisa, sou eu que nunca mais falo contigo!

Ela tenta fugir dele e ele tenta fazer-lhe ficar mais uns minutos. Ela corre e ele vai atrás. Tenta prende-la, a lata de vinte litros de água que leva à cabeça cai. A lata fica informe, ele tenta dar um jeito. Está a ficar escuro. Ela tem mesmo que ir. Não seria desta vez que receberia um sim. Ele sabe que ela esta a gostar, mais fica orgulhoso com o não. Assim o sim será mais valioso. O não é uma pré-garantia de que a mulher vai ser fiel. Amanhã dirá sim, tinha a certeza!

-Quando te verei de novo? – Quase gritou, porque ela já ia longe!
-Não sei, amanhã irei à Praia vender umas galinhas e ovos! – Respondeu a Marquinha antes de se perder no escuro. - Era uma resposta que ele queria. Ela, tentando desconversar, está a convidá-lo a ir com ela à Praia. Era isto que iria fazer!

O cérebro humano é mesmo uma caixa de surpresas. O João que já nem se lembrava do seu próprio nome, não conseguia esquecer nenhum pormenor do seu romance com a Marquinha.

No dia seguinte levantou-se muito cedo. Às quatro já estava na estrada à espera da Marquinha. Ela vinha com as amigas. Quando o viu foi-se disfarçando, como se estivesse com carga a mais ou tivesse alguma pulguinha nos pés que a impedia de andar.

As amigas entenderam, sorriram e avançaram a passos largos, para depois continuarem mais devagar. Não queriam atrapalhar os namorados, mas também não queria deixa-los sozinhos. A viajem era longa, porque teriam de fazer quase dezanove quilómetros. A Marquinha ia à Praia, mas o João não, o João a acompanhava apenas uma parte do caminho, talvez um ou dois quilómetros.

A Marquinha chamou as amigas, elas não responderam. Sabiam que ela estava a fazer fita, fazia parte do jogo. Ele a pegou. A disse que havia chegado o momento.
- …Ou me dizes sim ou não te largo!
- … Não, não e não… - Disse a Marquinha.

Ele não foi na cantiga, não a largou. Pegou-lhe na mão. O João lembra-se como se fosse hoje. A Marquinha abaixou-se à procura de algumas pedrinhas. O Coração de João alegrou-se. Imaginou o que ia acontecer. Sabia o ritual. A Marquinha endireitou-se com três pedrinhas na mão e atirou uma a uma contra o peito do João dizendo:
-Te quero…….., te quero…………, te quero !

Estava cumprida a tradição para o primeiro acto. Haveriam mais cenas no futuro, mas o primeiro acto terminava ali com te quero, te quero, te quero…Sabia que nem um beijo iria conseguir se não roubasse. Rapidamente abraçou-a e beijou-a. Ela, a Marquinha ruborizada e envergonhada fugiu apresada. Ele disse, já enquanto ela se afastava:
-Venho te esperar aqui, logo a tarde!
-Sim! – Respondeu ela já longe.

Satisfeito e alegre, ele regressara para ir trabalhar. Ela a Marquinha juntara-se às colegas e caminharam rumo a Praia. Ambos ignoravam que estavam a ser espiados desde início pelo Joaquim.

Joaquim gostava da Marquinha, mas sabia que Marquinha tinha um fraco por João. Ele morava noutra ribeira, mas a algum tempo que vinha a espiar a Marquinha, na esperança de poder ter algum favor por parte dela. Com o sim que ouviu não restavam muito mais esperanças, senão fazer o que devia ser feito.

O João, hoje velho e desdentado, sentado a porta, com o cachimbo apagado na boca, engolindo o indigesto ar fedorento de tabaco que ele mesmo ainda cultiva ao redor da casa, revê como num filme, mais uma vez, aquele dia que marcou profundamente a sua monótona vida de jovem agricultor.

Lembra-se, como se tivesse sido ontem, a felicidade que sentiu quando deixou a Marquinha e foi tomar o pequeno-almoço reforçado antes de ir trabalhar. Lembra-se que ia a imaginar o dia em que mandaria seus pais pedir a Marquinha em casamento. Imaginava tudo, titim por titim.

A Marquinha haveria de lhe dizer que no próximo sábado era boa data. Ele informaria aos pais. Os seus pais falariam com os pais da Marquinha. Informariam que iriam pedir oficialmente as mãos da Marquinha. O teatro estaria encenado e sem possibilidades de falha alguma. Chegaria o sábado escolhido.

No sábado escolhido, os seus pais iriam. A Marquinha que já havia cochido e pilado o milho. Feito xeren, cuscus, massa e mais iguarias. Tudo para uma grande festa. Mal visse a delegação a subir a difícil ladeira que dava acesso a sua casa, iria afastar. A Marquinha ficaria longe e acompanharia tudo à distância.

Os pais da Marquinha iriam fingir que nada sabiam. Surpresos com a visita, que muito os honrava, mas não viam como a sua criança pudesse estar a pensar no casamento, ela a Marquinha que ainda ontem usava fraldas. Devia ser engano.

Bem,… por via de duvidas, seria melhor que fosse a desavergonhada a confirmar. Iriam chamá-la. Chamariam várias vezes para depois ela aparecer cabisbaixa. A Marquinha iria confirmar que ele o João andava há muito atrás dela, mas ela nunca lhe havia dado alguma esperança.

-Se não tivesses dado, eles não estariam cá! – Diria a mãe toda imperiosa e triste com tamanha ingratidão por parte da filha.
Ela baixaria mais a cabeça, pareceria que quereria beijar o chão. Não responderia nada!
-Diga lá, queres ou não casar com ele? - Tornaria a mãe da Marquinha, a Marquinha continuaria em silêncio. - Falas ou não falas? Posso dizer que não queres?

-Sim mãe, fui eu que mandei! – Diria a Marquinha tão baixo, tão baixo, que só se perceberia, porque todos já sabiam a resposta e a Marquinha também já sabia que quanto mais baixo, mais respeitada pareceria aos olhos da futura família que estava a arranjar! Seguiria o momento de choro por parte da mãe da Marquinha pela ingratidão da filha e por parte da Marquinha pela incompreensão da mãe.

Os homens assistiriam impávidos e serenos à espera da cena seguinte. A nova mãe, ou seja a mãe do João iria acariciar e acolher nos braços a nova filha ou seja a Marquinha. Seguiria a fase dos sermões e regras de namoro, com mais e menos restrições. Por fim o almoço e a recepção digna do momento.

Recorda com nostalgia o dia que foi o mais pequeno de trabalho e o mais longo de ansiedade. Trabalhou e não sentiu o peso da enxada. Não sentiu o peso da enxada mas sentiu que estavam quase parados os ponteiros do relógio.

Por fim chegou a hora. À tardinha saiu e foi ao ponto combinado esperar a sua amada. Esperou e desesperou. Ela não apareceu.

O Joaquim teve a certeza que havia perdido a batalha. Sabia que se não agisse rapidamente podia ser pior. Chamou os amigos e ficaram à coita. A Marquinha chegou antes da hora prevista. Normalmente chegavam da Praia ao escurecer. Mas desta vez as meninas chegaram antes das quatro. Sabia que ela ia a casa e arranjaria alguma desculpa para ir ao encontro do João. Escondeu-se e esperou.

A Marquinha estava alegre. Falou com as meninas até chegarem à Praia. Estava alegre, irradiava felicidade, as amigas ficaram contagiadas. Riam e falavam sem parar. O negócio correu bem, muito melhor do que o esperado. Uma hora depois já tinham tudo vendido. Regressaram muito mais cedo também. Antes das quatro já estavam nos Órgãos. Cada uma na sua casa. Estava ansiosa. Queria ver o João. Gostava muito dele. Já deviam estar a namorar se não fosse a tradição que exigia que a mulher fosse difícil.

Imaginou como seria o casamento. Iria entrar na igreja toda vestida de branco. As amigas cheias de ciúmes iriam vê-la. Os olhos estariam salientes e inchados de ter passado a noite toda a chorar. Mas iria chorar de verdade. Queria ser feliz, muito feliz. A felicidade e o choro são sentimentos directamente proporcionais. Era assim.

Estaria sentada e rodeada de mulheres mais velhas e vividas, ela já tinha assistido algumas vezes. As mulheres iriam descrever a vida difícil que iria ter. O calvário que seria o casamento. Quanto pior for descrito e pintado o quadro da sua vida futura mais profícua e feliz seria. Ela estaria preparada para o pior e contentava-se com o que a providência lhe proporcionasse.

Mal começara a escurecer pegou na lata e disse que ia apanhar água. A mãe quis faze-la desistir. Estava cansada, acabara de chegar da Praia. Ela não desistiu, disse que o pote estava vazio. Que ia num pé e voltaria noutro. Foi e só voltou meses depois.

O Joaquim e os amigos esperavam-na na estrada. Mal ela ia a passar saíram e pegaram-na. Colocaram-na no ombro e levaram-na. Prenderam-na dentro de casa durante meses. Ela nunca se conformou e cada dia que passava odiava mais o Joaquim. A saudade do João. O amor não vivido do João a fazia odiar cada vez mais o Joaquim.

O amor forçado, amarrado e unilateral do Joaquim só piorava mais a situação. Foi na dor e na tristeza que a Marquinha se engravidou. Presa no pé da cama, feita de quatro estacas de madeira enterradas ao chão. Ia ser mãe no cativeiro. Não tinha outro remédio senão ser mãe. O Joaquim ao vê-la grávida, soltou-a.

Dias depois deixou de a ver, bastou um descuido que ela regressou aos Órgãos, grávida, infeliz e sem honra.

O João estava noivo da Bianina, uma das suas amigas. Não amava Bianina, amava Marquinha, mas ia casar com a Bianina. Não queria casar-se de burro e com uma das pernas da calça rolada. A Mariquinha jamais casaria, teve um filho, o filho do Joaquim. Não casou nem com o João nem com mais ninguém!

Mas o amor de João por Marquinha e de Marquinha por João foi eterno, hoje ele não se recorda de mais ninguém, mas de Marquinha continua a ter a mesma saudade!



 

Irene - Conto de Daniel Teixeira


Irene 

Conto de Daniel Teixeira
 
A Irene não era bonita, nunca tinha sido bonita e nunca seria bonita, pensava eu no tempo em que a conheci mais de perto, então era ela jovem, isto pelos idos dos anos oitenta.

Lamentava-a porque, reflectindo, depressa tinha de chegar à conclusão que há pessoas que nascem, crescem e morrem sem nunca serem bonitas e eu não sou grande adepto da ideia do destino como guia do passado, do presente e do futuro.

Não acredito nas condenações eternas, acho que as coisas e o mundo estão em constante movimento, enfim acho que aquilo que é pode deixar de ser e que aquilo que não é pode vir a ser.

No caso dos homens o problema de ser feio não parece ser tão grave porque existe uma tradição implantada, penso eu. Corre por aí que as mulheres não se importam muito com essas coisas, ou que conseguem descobrir a beleza em traços quase imperceptíveis ao imparcial olhar comum.

Enfim, não vou fazer, neste espaço que é uma história, uma dissertação sobre a influência do patriarcalismo nestas coisas mas parece-me claro que, numa lógica do homem mandante este terá sempre defeitos que são socialmente mais toleráveis em si do que nas inferiorizadas e comandadas mulheres.

Claro que nos anos oitenta havia já um esbatimento da ferocidade patriarcal mas como sabe quem essa época viveu uma parte substancial das concepções de inovação nesse campo eram para uso crítico do comportamento dos outros e muito raramente para consumo próprio. 

Mas tratava-se ainda, nesta altura que refiro, quando ela tinha cerca de vinte anos mais ou menos, de ter de pensar num percurso de feiúra ainda a percorrer, por isso, e contra minha vontade, voltava à ideia de destino e este parecia-me alicerçado nessa então recente certeza científica que era a genética.

Qualquer mente, mesmo sem ser muito dotada para a imaginação sentia-se quase na obrigação de projectar para ela um percurso crescente de feiúra: era fatal, penso eu, que alguém não visse, desde a primeira vez que via a Irene que o que lhe restava a ela pela frente era ser precisamente igual à sua mãe, boa senhora, por sinal, conformada com a sua fatalidade.

Quando se olhava para a Irene via-se logo o realce em amplificação e profundidade das rugas à volta dos olhos, via-se-lhe o crescimento dos chamados papos, o encarquilhar lento mas irremediavelmente progressivo dos lábios - agora ainda relativamente carnudos - empurrados para dentro dela pela perca de alguns dentes (primeiro os sobressaídos da frente) e imaginava-se aligeirado o afundamento pela colocação de uma daquelas placas em prótese branquérrima, denunciando desde logo a sua artificialidade, tal como na sua mãe.

Via-se, imaginava-se, calculava-se também perfeitamente a possibilidade que deixava de ser cada vez menos remota à medida que nisso se pensava que a placa descolaria do céu da boca, tal como na sua mãe, quando ela se risse muito, coisa que fazia agora. E ria sem complexos a Irene.

Sabia-se desta mesma forma também que o queixo dela se afundaria cada vez mais, misturando-se com as rugas do pescoço (se engordasse talvez se misturasse com o papo) tal como a sua mãe.

Mas o que interessava era que por mais voltas que a sua fisionomia desse nunca ela ou outros veriam decrescer aquele nariz enorme, um autêntico triângulo bermudiano apontando para uma distância incalculada nos ares à sua frente, um apêndice desproporcionado, uma verdadeira intrusão de um corpo num espaço roubado, um geométrico lançado de arestas afiadas no perfil, uma agressiva e quase cortante intrusão no espaço vital de quem a visse de frente.

Pois...a Irene não tinha passado de beleza, não tinha presente de beleza e o futuro era ainda mais ameaçador para ela.

Mas, e há sempre um mas que merece ser metido em altura oportuna, consta que constava que a Irene confidenciava repetidasmente às suas amigas, já nesta altura que descrevo, um segredo que era simultaneamente sentido como um chamamento: "Tenho de casar rapidamente!"- dizia - como que a constatar aquilo que eu tenho descrito atrás e acima. "Tenho de casar rapidamente, antes que a minha feiúra progrida ainda mais!"- era o qe a Irene queria dizer, digo eu.

Possibilidade de fazer plásticas não havia: a Irene era apenas e só economicamente remediada; tinham, ela e a mãe - o pai falecera oportunamente - algumas rendas de pequenas propriedades, de casas antigas, algum dinheirito a render, pouco, seguramente e trabalhar por conta de outrem não era tradição na família nem sequer sei que actividade poderia exercer a Irene porque nunca a essa ideia se dedicara e o tempo normal de começar estas coisas já ia passando.

Não sei exactamente como tudo se passou imediatamente antes, nem quais os preparativos que a Irene terá eventualmente feito e também não consta que tenha dado conta de alguns desses preparativos às amigas mais chegadas, mas o certo é que um dia a Irene desapareceu da cidade.

Falecida a sua mãe com quem convivera desde sempre, talvez não se sentisse em condições de reviver a memória dela no mesmo espaço durante todo o seu tempo e partiu.

Foi o que eu e as suas amigas e amigos pensaram, embora todos achassemos estranho ela não dizer nada a ninguém. Soubemos entretanto que tinha vendido as casas e os terrenos que lhe ficaram. Não terá amealhado muito, era a voz corrente. E foi assim como que um corte radical, o acabar de um livro que se fecha e  não se leva na bagagem aquilo que achámos que a Irene tinha feito.

Pois...todas as histórias têm um remate final senão não valeria a pena contá-las e esta não foge à regra. Estava eu então em Lisboa num intervalo de esplanada quando se aproximou de mim uma senhora, eu já ia nos quarenta e a tal senhora por aí andaria, quando ouço um «Olá, estás bom!?».

Virei-me na direcção daquilo que me pareceu ser um chamamento a mim dirigido e deparo-me com a Irene, sem tirar nem por, quer dizer, com mais vinte anos como eu, mas igual a ela mesma. Dei-lhe os tradicionais dois arremedos de beijo na face, convidei-a a sentar-se e ela então foi-me contando aquilo que era feito nela.

Primeiro vieram as razões porque não tinha dito nada a ninguém quando se viera embora. Ainda recordo, passados mais alguns anos, as suas palavras: aquele ambiente era para mim sufocante - foi o que ela me disse - alegre sim, confessou, tinha ainda algumas saudades dos amigos e amigas, mas chegara à conclusão que precisava de se diluir numa multidão e na nossa pequena cidade sentia-se encurralada.

Embora nunca se tivesse apercebido de ser alvo de chacota, cada vez que entrava num café ou saía com as amigas e os amigos ou mesmo só sentia-se alvo de todos os olhares. Por vezes sentia a piedade, aquela sensação estranha de ser motivo de pena. Aguentou tudo enquanto a mãe foi viva, não iria nunca abandonar a velhota e nem sequer podia sugerir-lhe fazer aquilo que ela tinha feito.

Viera para Lisboa, tirara um curso de secretariado e encontrara emprego num pequeno escritório na baixa onde se mantinha desde então, já lá iam quase vinte anos. Com o tempo foi-se adaptando à nova realidade e hoje, naquela altura, sentia-se bem. Vivia só num apartamento depois de algumas bolandas por quartos alugados e disse-me: era feliz.

Acredito que sim, acreditei nela, na sua sinceridade, embora o peso da solidão estivesse presente nela. Gostou de me ver - disse. Eu também e nunca mais vi a Irene.

Por vezes, como agora, lembro-me dela e por estranho que me pareça sempre, embora ela fosse naquela altura em Lisboa quase igual à Irene que eu tinha conhecido muitos anos antes pareceu-me ter uma face e uma figura como qualquer outra pessoa. 





 

segunda-feira, 30 de março de 2015

O DUELO - UMA HISTÓRIA DE TÍTULOS E INVEJA - Por Miriam de Sales Oliveira


O DUELO

UMA HISTÓRIA DE TÍTULOS E INVEJA - Por Miriam de Sales Oliveira 

O filme que está em cartaz nos cinemas de Salvador,talvez passe desapercebido ,diante de tantos títulos  mais chamativos a ao gosto popular.Mas”,O Duelo” é um bom filme e  nos proporciona momentos de diversão  ,mas,também,nos faz pensar.

Baseado no romance de Jorge Amado,”Os Velhos Marinheiros” conta a história de um homem,Vasco Moscozo de Aragão,que nasceu como se diz na Bahia “,com a bunda pro fogo”,ou seja,com mil motivos para ser feliz,mas,vivia mergulhado numa indisfarçável  melancolia.

Isso chateava seu grande amigo,o Capitão dos Portos,que ,um dia,resolveu tirar isto a limpo.E o Vasco desembuchou,vomitou a mágoa.Bon vivant e neto de avó rico ,com futuro garantido sem precisar dar um prego numa barra de sabão,Vasco mal frequentou  o segundo grau,a duras penas e reprimendas do avô.Na idade adulta  ,o fato de ser Seu Vasco começou a pesar na sua vaidade;seus amigos eram doutores -médicos,advogados,comandantes,capitães – só ele era “seu”,um qualquer,um ninguém apesar dos contos de reis na sua conta bancária e de servir de banco muitas vezes emprestando dinheiro aos titulados.

O Comandante jurou resolver o problema.

-Deixa comigo.

-Mas,como?

Bem,o como vocês leem o livro ou assistem o filme.

O fato é que Vasco dormiu “seu” e acordou Capitão de Longo Curso,um título dado aos comandantes de navios da Marinha Mercante brasileira que os torna aptos  de comandar qualquer navio mundo afora.

Bom,o caso do título está resolvido.Agora,vamos falar da inveja.

Muitos anos depois ,Vasco,já cansado da esbórnia,remediado e solitário resolveu mudar-se para um subúrbio de Salvador, instalando –se de mala,cuia e instrumentos náuticos, numa casinha gostosa junto ao mar.

Brilhante e carismático logo conquistou amigos e era o ídolo do lugar.

E é ai que entra a inveja na pessoa de um morador que se sentiu desprestigiado e jogado pras traças  e,por causa disto,criou um ódio mortal pelo comandante.

Jurava que era mentira tudo o que ele contava,aliás ,causos muito engraçados que prendia as pessoas e aumentava o ódio do cidadão.

Quem nunca enfrentou uma situação destas ?  Qualquer um que se destaque e seja brilhante num mundo de foscos.

A inveja destrói,pisoteia ,fere;ela é amarga,revoltada,feroz.

Assim,o sujeitinho pegou o trem e foi á capital vasculhar a vida do Vasco.

Chegou radiante,sorridente,vencedor.Trazia notícias muito acintosas de como o Seu Vasco virou capitão.

Mas,para os foscos a vitória dura pouco.E a decepção foi grande.

Pensa que ele se rendeu?Continuou vociferando contra o rival e virou a chacota da cidade.

E mais não contarei,pois, leiam o livro –para mim um dos melhores de Jorge – e vejam o filme.Um duelo de monstros  entre Joaquim de Almeida  ,o Capitão e José Wilker,o invejoso.

E está feito o convite e contada a história.Entrou por uma porta ,saiu pela outra,o Rei Meu Senhor que te conte outra.



 

Poesia de Maria Álvaro


Poesia de Maria Álvaro

O MAR...

Veleiro ligeiro beija embevecido,
excitado,
de Tétis o seio cheio, acobreado
e cúpido;
E o Adamastor ora adormecido,
prostrado,
esquece seu furor e vira pr'o lado,
estendido.

Nas ondas eu sigo o seu lençol dourado
e persigo
estrelinhas piscando p'ra mim, deslumbrado,
rendido...
...são olhos espreitando por um véu rendilhado
e antigo
de ninfas pintando e bordando comigo
o meu fado...

Maria Álvaro


NOS AÇORES

Sou uma lagoa, lânguida, estirada,
de expressões mutantes, matizes do céu;
intensa neblina dá-me a imprecisão
de uma realidade p'lo sonho ofuscada.

Inala as hortênses do ventre que é meu,
escuta os silêncios que grito dopada,
e afunda os teus olhos em minha amplidão...
Não ouses, porém, descobrir o meu véu,

Nem insinuar-te em minha morada,
que o colo tranquilo que embala Orfeu
cobre incandescente lava perturbada.

Ganhoa nas asas da minha Emoção
Voa no que é teu...
mergulha calada.

Maria Álvaro



Crónicas de Santarém - Por Arlete Piedade


Crónicas de Santarém

Por Arlete Piedade

O Peregrino

Sempre que entrava naquele velho palácio, onde funcionam vários serviços úteis á cidade e ainda a escola de danças de salão que o meu filho frequentou por três anos, uma sensação estranha de irrealidade me envolvia, de velhas memórias do passado trágico de pessoas apanhadas nas malhas de um destino que enlutou toda uma nação.

Pois que é voz corrente e aceite, conforme lápide de pedra afixada na frontaria do mesmo, que naquele local se erguia no século XVI o solar dos Sousa Coutinho, sob as ruínas do qual foi construído o actual Palácio Landal no século XVIII o qual tem sido objecto de restauro e usos diversos desde então.

Corria o século XVII, algures num daqueles anos seguintes á tragédia da batalha de Alcácer-Quibir, em que o rei português D. Sebastião foi dado como morto ou desaparecido em combate e com ele vários dos seus companheiros, numa batalha sangrenta no Norte de ??frica e por tal facto condenou a liberdade da sua nação, ao morrer solteiro e sem herdeiros directos.

Ocasião que foi utilizada pelos reis espanhóis que se aproveitaram de factos sem contestação possível e se apoderaram da coroa portuguesa, perante a revolta impotente de vários fidalgos patriotas mas que não sentiam legitimidade para se rebelarem abertamente. Entre esses, destacava-se D. Manuel de Sousa Coutinho, casado em segundas núpcias com D. Madalena, viúva de D. João, falecido na batalha fatídica.

Era um fidalgo da velha estirpe, leal á sua nação e ao sangue dos seus reis, que vivia no seu palácio de Santarém, mas que na altura por ordem real fora mandado ocupar pelo rei estrangeiro, para servir de acomodação aos seus nobres.

Então D. Manuel num assomo de coragem e patriotismo, preferiu mandar incendiar o velho palácio dos seus antepassados a ter que o entregar ao odiado governo usurpador.

Deu assim ordem á sua esposa e filha amadas, e ao seu servo, para preparem a mudança urgente para o velho palácio pertença do primeiro marido de sua esposa, facto que esta repudiou, por lembrar tempos antigos e infelizes, e por temores próprios de mulher, como seu marido classificou, mas que foi forçada a acatar, pela forte determinação e patriotismo de seu marido.

Consumado o facto, perante a admiração velada e aplauso dos outros fidalgos, não tardou contudo mais uma tragédia a abater-se perante aquela família tão unida e admirada.

Pois que estando D. Madalena um dia atarefada com a reorganização da sua rotina doméstica, o seu fiel servo Telmo, lhe veio anunciar que um peregrino lhe pretendia falar.

Assustada com o que a razão lhe apontava com vagos pressentimentos, mas resoluta, concordou em receber o estranho homem que dizia voltar da Terra Santa, o que teve lugar na sala de entrada, onde um retrato do seu antigo marido, D, João era peça principal.

Ao primeiro olhar, e porque aquele trazia a face velada por longo capuz, não soube porque o coração lhe deu um sobressalto tão forte no seu peito fraco de mulher.

Depois de algumas palavras trocadas, contudo e porque o que o romeiro lhe dizia a inquietava fortemente, ousou perguntar:

- Mas, quem sois, senhor?

Ao que este respondeu apontando com o seu cajado de peregrino, para o austero retrato: - Ninguém senhora, ninguém!

A partir deste facto desenrola-se a tragédia anunciada e descrita pelo grande escritor do romantismo, poeta, dramaturgo, político e embaixador português do século XIX, Almeida Garrett, na sua obra-prima adaptada ao teatro, Frei Luís de Sousa, nome adoptado por D. Manuel de Sousa Coutinho, ao recolher-se ao convento depois do desenlace trágico do seu casamento com a viúva de um fidalgo que afinal reaparece das sombras do passado, para provocar a desonra de uma família e a morte de desgosto de sua inocente filha Maria.

Almeida Garrett, grande viajante e estudioso ao visitar Santarém no século XIX, que descreveu como «Um grande livro de pedra recortado», visitou o local e escreveu esta aplaudida peça de teatro, baseada nessa tragédia do homem que contudo depois como frade dominicano, foi também reconhecido como um grandioso vulto das letras lusas.

Arlete Piedade



O Flautista - Conto por Marcelo Torca


O Flautista


Conto por Marcelo Torca

Lá estava ele de novo, o músico, o flautista tocando o seu instrumento, portátil, assim poderia levar a qualquer lugar, onde estivesse poderia executar melodias, quase como um passarinho.

As vezes era um estorvo, outras, era o animador, o comandante da dança, da euforia, da alegria de estar mais um dia vivo, num dos bairros mais violentos daquela cidade. Nem sempre fora assim, devido à desestruturação das famílias, a perda do poder aquisitivo, o estímulo do pensamento fútil, foram responsáveis por gerar gerações perdidas, onde os valores básicos quase não existiam, e para discordar de tudo isso, o flautista Zé da Roda tocava o seu instrumento.

Tinha este apelido, pois quando criança brincava com pequenos pneus conduzidos por um pedaço de pau, tendo a ponta um arame. Mas não era só nas brincadeiras, ia para a escola com este brinquedo, para onde fosse a pé, levava. Um dia este menino cresceu, tornou-se músico, com uma família para cuidar, trabalhava em qualquer situação de músico, tinha coragem para enfrentar qualquer problema, desde que estivesse tocando o seu instrumento, a flauta.

Como tocava onde fosse convidado, um grupo de forró o chamou, esta parceria durou por uns dois anos e meio aproximadamente, era um conjunto em início de carreira, tinham apenas sete meses de experiência, sendo a infra-estrutura, de certa forma precária, o transporte era um caminhão, daqueles antigos, e os quatro músicos tiveram de ir na cabine, dois foram sentados, e dois de pé, de costas e encurvados ao pára brisa, o motorista não fazia parte do grupo.

A viagem demorou cerca de uma hora e meia, e quando chegaram ao seu destino, mesmo sentindo dores, foram arrumar o som, descarregando as caixas do caminhão e montando em cima do palco, depois de terem colocado todos os cabos, testado a energia, fizeram a passagem de som do conjunto.

Tinham saído de casa às treze horas, e eram quase nove horas da noite, quando veio a notícia de que o jantar não iria chegar, alguém da organização do evento tinha esquecido de encomendar, e faltando uma hora para dar início ao baile, não seria mais possível ir há algum lugar, mas tentaram negociar para levarem uns salgadinhos no decorrer do baile. Quando o relógio marcou dez horas da noite, teve início o forró, o salão já estava com metade do recinto ocupado, tinha tudo para faturarem bastante.

Passavam das duas horas da madrugada, ainda não havia chegado nenhum salgadinho, mas o salão estava cheio, e a pista de dança era contínua, nunca ficava vazia e assim foi até às quatro horas da manhã, onde se deu o desfecho, e também apareceram três coxinhas de frango miúdas, como eram em quatro músicos, tiveram de dividir.

O pior ainda estava por vir, quando estavam carregando o caminhão, o tecladista e cantor da banda foi procurar o promotor do evento, não encontra, conversa com vários da equipe, eles alegam que logo estaria ali presente, pois fora resolver alguns problemas pessoais.

Já passavam das cinco horas da manhã, e nada, mais meia hora se passou, e veio a notícia, só daria para acertar o baile no meio da semana, como não havia como dizer não, aceitaram e foram embora.

Até hoje não viram nem sombra deste dinheiro, para pagar o frete foi outro grande problema, o flautista negociou a sua bicicleta, o tecladista a única televisão que tinha, era de catorze polegadas e o baixista ainda teve de entregar o aparelho de som. Era vida difícil, porém, fazia parte da profissão, nem sempre conseguiam receber pelo serviço, e às vezes ainda eram considerados vagabundos.

O Zé da Roda desfez a parceria, pois fora convidado a participar de um programa de rádio, onde apresentava um programa e fazia gravações para as propagandas, o tempo era curto e era difícil conciliar as duas atividades. Era uma rádio comunitária, a legalização estava em andamento, portanto era considerada pirata, a documentação para deixar em ordem era difícil, mas como uma cidade poderia ficar sem rádio, e ouvir os programas locais, de interesses da comunidade onde estava inserida? Pergunta quase impossível de ser respondida.

O flautista não desanimava, tinha sempre o pensamento positivo, e cada dia, era um outro dia, onde novas oportunidades poderiam vir, surgir espaços novos, um músico precisava lutar, mas se não tiver um pequeno apoio, é quase impossível a sobrevivência deste, e com este pensamento, o Zé da Roda tocava todas as tardes no programa da Rádio Praça Central. 


 

Poesia de Arlete Deretti Fernandes


Poesia de Arlete Deretti Fernandes


Amigos virtuais


Arlete D. Fernandes


Nossas almas tem preocupações semelhantes.
 Mesmo sendo amigos virtuais.
 São pensamentos de amizade e de bem
 Que nos unem em anelos fraternais.

Angustia-nos a desordem da humanidade.
 Queremos ver o respeito, a paz e a unidade.
 Em contrapartida vemos a cada ano,
 incompreensões, guerras e desenganos.

Os dardos do mal se fortaleceram,
 Dos valores e princípios o que foi feito?
 Com o passar do tempo esqueceram.
 Já existe em nosso meio quem pratique
a volta aos conceitos verdadeiros.

As leis universais são justas e eternas
 e já se fazem sentir suas causas e efeitos.
 E muitos seres unindo-se praticam conscientes
 O amor e os princípios que ensinam pacientes.


Meu amigo virtual


Arlete Deretti Fernandes


Veio-me à lembrança de tempos passados
 Quando encontrei dentro de um antigo livro,
 Algumas fotos já amareladas
 que me fizeram recordar um grande amigo.

 Interessantes aspectos dos dias atuais,
 Com os avanços criados pela tecnologia,
 Permitem-me ver e fazer amizades,
 Um amigo virtual encontrei na Bahia.

 Amigos virtuais? Quem diria?
 Em outras épocas que isto possível seria?
 E felicidade encontrar amigos sinceros.

 Desejo-lhe muita paz e harmonia,
 Verdadeiro irmão, que com belas poesias
 Envia-me as mensagens fraternais que eu espero.


Poema da vida


Arlete Deretti Fernandes 


Dia e noite, noite e dia,
Assim segue o ritmo da vida.
Buscas, delírios,
Dores, martírios.

Nesta curva da estrada
 A felicidade me esperou.
 O sonho virou realidade,
 Meu lar aqui se formou.

Família, esposo e filhos,
Emoções tantas encontrei.
 Sucedem-se os dias,
 O sol, o verde, a chuva e as estações.

Ali, as folhas que caem,
 Aqui, as folhas que brotam.
 O poema da vida
Escrito em um grande cartão.

A infância, a adolescência,
 A juventude, a vida adulta.
 «Nossos filhos não são nossos filhos,»
 Como disse um dia Gibran .

Como a árvore que plantei,
As sementes que vi brotar,
 Cresceram e seus caminhos
 Um dia foram procurar.

Hoje espero ouvir o telefone,
 O skipe, o Messenger, um email.
 Como não sentir saudades
 Do barulho das crianças?

Este ninho ficou vazio,
 Procuro-os por todos os cantos.
 Enquanto em meu jardim vejo
 Pássaros voando constantes.

Passam dias, meses e anos.
 Os rios correm para o mar,
 Lá fora o poema da vida
 Continua a se renovar.




sábado, 28 de março de 2015

Das Memórias do Cárcere de Camilo


Das Memórias do Cárcere de Camilo

Recolhido em Livres Pensantes


Em 1862, Camilo Castelo Branco publicou as suas Memórias do Cárcere,  obra em dois volumes, em que relata a sua passagem pela Cadeia da Relação do Porto.  Nessa cadeia conheceu José do Telhado, com o qual conviveu , pelo que lhe  dedica   todo o  Capítulo XVI, do volume II, acrescido posteriormente de algumas referências.

Camilo Castelo Branco esteve preso mais de um ano na cadeia da Relação do Porto, aguardando julgamento por causa do seu relacionamento amoroso com uma mulher casada, Ana Plácido, ela própria também levada para o cárcere.

"Dizem os registos que ninguém queria julgar Camilo por dormir com mulher alheia e a "espinhosa missão" acabou por ser confiada ao pai do escritor Eça de Queirós que despachou uma absolvição por falta de provas, "deixando o povo feliz e contente".

Quanto a José  do Telhado o registo  diz  diferentemente : "Condeno o réu José Teixeira da Silva da freguesia de Caíde de Rei, comarca de Lousada, na pena de trabalhos públicos por toda a vida na Costa Ocidental de África e no pagamento de custas", assim determinou o tribunal."

Resgatou-se  uma passagem das  Memórias do Cárcere de Camilo Castelo Branco no início da estadia na prisão que se transcreve, seguida de um excerto da Síntese Histórica da Cadeia da Relação do Porto onde são referidas as passagens deste nosso grande escritor e do salteador José do Telhado.


 Estátua de  Camilo Castelo Branco e  de Ana Plácido

I

 Memórias do Cárcere

"Antes de contar como passei a primeira noite de cárcere, perdi-me logo, como, em divagações, que o leitor, já afeito com o meu génio, aceita com benevolência. Às nove horas da noite, os guardas correram os ferrolhos, e rodaram a chave da pesada porta do meu cubículo, a qual rangia estrondosamente nos gonzos.

Estava sozinho. Sentei-me a esta mesma banca, e nesta mesma cadeira. Estavam aqui defronte de mim alguns livros. Recordo-me de Shakespeare, Plutarco, Sénancour, Bartolomeu dos Mártires, e uma Tentativa sobre a Arte de Ser Feliz por J. Droz. Folheei-os todos, e de todos me fugia o espírito para entrar no coração, e sair de lá em ânsias do inferno que lá ia.

À força de contenção de alma consegui ler e meditar algumas páginas da Arte de Ser Feliz. Em que local eu buscava a árvore dos bons frutos! É este um livro de filosofia racional que preparou o ânimo de seu autor para mais seguras e levantadas crenças na filosofia de Jesus Cristo.

Fez-me bem esta leitura. Principiei logo a pôr em português as vinte páginas que lera, com o intento de fazer publicar o livro inteiro em folhetins.

Fui às três horas da manhã procurar no sono a restauração das forças corporais, que as do espírito, até esta hora, nunca as senti indignas da ousadia com que ele se arremessou a perigosas batalhas com o mundo."

Camilo Castelo Branco, in Memórias do Cárcere, volume I, 2.ª edição, Casa da Viúva Moré – Editora, Porto, 1864,

II

A Cadeia da Relação do Porto

"Do lado Nascente do Jardim da Cordoaria, deparamos com a monumentalidade granítica do pesado colosso que é o edifício da Cadeia da Relação. Foi mandado construir por João de Almeida e Melo, iniciando-se as obras em 1765, no reinado de D. José. A conclusão ocorreu em 1796, já quando havia tomado conta do governo D. João VI, como regente, por força da irremediável psicose que havia atingido sua mãe, D. Maria I, em 1791.

(...) A Cadeia da Relação, justificando o nome, serviu de cárcere até à inauguração da actual cadeia de Custóias, em 1974, após a Revolução de Abril. Os presos eram distribuídos pelos diversos pisos, conforme a sua posição social, um pouco à guisa do inferno de Dante. Nos andares de cima, os mais categorizados, ali se situando os catorze "quartos de malta" (celas individuais).

Nos "quintos dos infernos", no rés-do-chão, os mais pobres, a ralé, onde os detidos se amontoavam em amplos salões com piso de pedra, as enxovias, com catres imundos em redor, os quais, durante o dia, eram levantados por meio de dobradiças, ficando empinados junto às paredes.
 
Essas celas comuns eram conhecidas pelos nomes de Santo António e de Santa Ana, as destinadas a homens, de Santa Teresa para mulheres, de Santa Rita para menores, de S. Victor e o Segredo para castigos.

Havia uma oficina denominada Senhor de Matosinhos. A imundice das enxovias tinha o cimento dos anos e das sucessivas gerações de presos. O cheiro das latrinas era nauseabundo. O ambiente soturno e triste, o que levou D. Pedro V a exclamar, após uma visita, em 1861: "É preciso arrasar tudo isto!".

Nos seus soturnos ergástulos albergou muitos presos, alguns célebres: José do Telhado, Camilo Castelo Branco (cela n.º 12). Nesta mesma cela esteve preso o desembargador Gravito, antes de ser enforcado, juntamente com mais nove liberais, em forca instalada na actual Praça da Liberdade, por decisão dos miguelistas.

Mais tarde, esteve ali também detido o banqueiro Roriz. Obras recentes preservaram-na. Ana Plácido, então amante de Camilo, esteve instalada num corredor porque não havia celas para senhoras de sociedade. O Duque de Terceira permaneceu, durante algum tempo, na cela n.º 8. O médico que envenenou familiares, Urbino de Freitas, ocupou a n.º 13. João Chagas, por via do seu republicanismo, estava detido nesta cadeia quando eclodiu a abortada revolta de 31 de Janeiro.

Os processos relativos a Camilo, Urbino de Feitas e Zé do Telhado, encontram-se no pequeno museu judiciário instalado no Palácio da Justiça do Porto, onde também funciona, actualmente, o Tribunal da Relação, que já tinha saído da Cadeia para se albergar na Rua Formosa, onde, depois, funcionou o Arquivo de Identificação e, agora, está a sede da Liga os Combatentes.

É interessante supor Camilo Castelo Branco, de imaginação flamejante, a resmungar na sua cela n.º 12, como leão enjaulado, por ter cometido crime que, agora, já nem o é: relações sexuais com mulher casada. Só o adultério da mulher era punido. O homem casado podia impunemente relacionar-se com mulher que não fosse casada. Sendo-o, como era Ana Plácido, então poderia ser punido, com pena grave, extensível a ambos.
 
Aguardaram, durante mais de um ano, presos o julgamento em que o júri não considerou provados os factos e, por isso, foi proferida sentença absolutória.

No cárcere, Camilo continuou a escrever e, no silêncio do último piso, onde se situava a cela com janela para nascente - é a que se situa mesmo por baixo do ângulo esquerdo, de quem está virado para ele, do frontão -, o que mais o irritava era o barulhar ritmado e invariável dos passos do carcereiro sobre as tábuas rangentes do sobrado.

De noite, nas longas lucubrações, convenceu-se de que o marido enganado, Pinheiro Alves, teria subornado um outro preso para o matar. Confidenciou esse temor a outro preso que também ali se mantinha, José do Telhado. Este sossegou-o, dizendo-lhe: "- Esteja descansado. Se aqui alguém tentasse contra a sua vida, três dias e três noites não chegariam para enterrar os mortos".

Talvez a aura romântica que se havia de formar à volta do célebre salteador, emergisse também do reconhecimento do escritor pela protecção dispensada. Camilo encerrou o seu livro "Memórias do Cárcere", desabafando: "Fecham-se as memórias. Eu devia ter dito porque estive preso um ano e dezasseis dias. Não disse, nem digo, porque verdadeiramente ainda não sei por que foi."

Claro que sabia. O que poderia não entender era o rigor dos preconceitos vitorianos da época, aos quais, afinal, surpreendentemente, o Tribunal se não vergou.

José Teixeira da Silva (Zé do Telhado) nasceu em 1816, provavelmente no lugar do Telhado, do concelho de Penafiel. Alistou-se nos Lanceiros da Rainha D. Maria II, tomando parte em vários combates, ascendendo distintamente ao posto de sargento.

Obedeceu às ordens de Saldanha na Revolta dos Marechais, em 12 de Julho de 1837, que colocou no poder o marquês Sá da Bandeira. Na Revolução de 1846, acompanhou o então Visconde Sá da Bandeira a Valpaços, e em boa hora para aquele, pois lhe salvou a vida.

Recebeu a Torre-e-Espada, ordem honorífica criada por D. Afonso V destinada a distinguir elementos das forças armadas, tendo os seus possuidores honras militares e precedência a todas as outras ordens daquelas forças, em igualdade de grau.

Terminada a guerra após a Convenção de Gramido, tentou obter um modesto emprego no Depósito do Tabaco, instituição economicamente importante para o norte, nomeadamente para o Porto e que o grande jurista e liberal, membro do Sinédrio, Ferreira Borges salvara da gula dos franceses comandados por Junot. Não lhe deram o emprego.

Desiludido, voltou para casa onde o esperavam a mulher e cinco filhos à beira da miséria. Acabou numa falperra à semelhança de um irmão, do pai e do avô Sodiano, distribuindo generosamente o produto dos roubos.

Foi julgado por isso e por assassínio de três pessoas, cometidos pelos seus capangas: um padre, um criado da Casa do Carrapatelo e um correligionário que, num assalto fôra ferido, ficando incapaz de fugir.
 
Foi deportado para Angola onde morreu cheio de prestígio entre os indígenas, no Malongo ou em Xissa, em 1875.

Nas tranquibérnias políticas do tempo de D. Maria II, após a sangrenta guerra civil que opôs liberais e miguelistas, as várias tendências políticas hostilizavam-se permanentemente e os governos caíam como fruta madura.

Bastava o Marechal Saldanha tomar a iniciativa de um golpe militar, e logo mais um governo devia constituir-se em substituição de outro que tombara. Foi a época da Setembrada, da Belenzada, da Revolta dos Marechais, da Maria da Fonte, da Patuleia.

Foi na sequência do este movimento, a influenciar o Porto, que o prestigiado duque de Terceira, de seu nome completo, António José de Sousa e Meneses Severim de Noronha, foi enviado para esta cidade, na esperança de que a força do seu enorme prestígio acalmasse os ânimos.

Em vez disso, foi preso, por pouco tempo, embora, quando exercia as funções de lugar-tenente da Rainha. A prisão foi ordenada e efectuada pelo patuleico José da Silva Passos que, com todo o respeito, teve a coragem de pedir que se considerasse preso, ao que ele obedeceu prontamente e deu entrada tranquilamente na Cadeia.

O velho edifício, depois de muito e ingloriamente se haver discutido acerca do seu destino, saiu do âmbito do Ministério da Justiça, de onde nunca deveria ter saído, por coerência histórica e lealdade à tradição.
 
É hoje a sede do Instituto Português da Fotografia e local de realização de actividades culturais. As enxovias têm espectaculares condições acústicas."

Porto, Novembro de 1998

(O texto de síntese histórica do Tribunal da Relação do Porto é da autoria do Sr. Conselheiro José Pereira da Graça),Tribunal da Relação do Porto.



 

Anedotas (Recolhidas na Net - sobretudo Facebook)


Anedotas (Recolhidas na Net - sobretudo Facebook)


Problemas familiares


Na catequese dizia o padre:
- Como vocês sabem, o nosso primeiro pai foi Adão e nossa primeira mãe foi Eva.

Nisto, uma das crianças interrompe:
- Não é verdade.
- Como não é verdade? - pergunta o padre um tanto aborrecido.
- O meu pai diz que nós descendemos do macaco!
- Olha meu filho, os teus problemas de família não me interessam…


Velhinha


A velhinha subia a rua transportando dois enormes sacos negros, desses que são usados para o lixo. Um deles, roto, deixava de quando em quando cair no chão parte do conteúdo, neste caso notas de 100 Euros. Há um polícia que a interpela:

- A senhora tem de ter mais cuidado. Está a deixar cair dinheiro desse enorme saco... - disse-lhe o guarda.

- Muito obrigada senhor guarda. Tenho de voltar atrás e apanhar o dinheiro que me caiu... - agradeceu ternamente a velhinha. - Muito obrigada!.

O polícia, curioso não a libertou de imediato:
- Esse saco enorme, cheio de dinheiro, de onde vem? Não é dinheiro roubado, não?

- Que ideia, senhor guarda! Não! - disse ela quase indignada. - Eu moro ali ao lado do estádio de futebol, ali em baixo, sabe?
O polícia assentiu que sim.

- Tenho ali uma casinha com um jardinzinho, umas roseiras, umas buganvílias..., e os espectadores, à entrada e à saída têm o hábito de se encostar aos arbustos e urinar mesmo em cima dos meus canteiros. De maneira que nos dias de jogo eu escondo-me atrás do muro com a minha tesoura de podar e quando eles estão com o membro de fora eu apareço e digo "Ou me dás cem euros ou corto!

O polícia riu-se em gargalhadas francas
- Não me parece nada má ideia..

Preparava-se para deixar a velhinha seguir o seu destino quando lhe perguntou:
- Mas e o outro saco, também tem dinheiro?
- Ah senhor guarda, sabe como é, nem toda a gente paga...


Puto inteligente


A professora estava com dificuldades com um dos alunos.
- Lucas, qual é o problema?
- Sou demasiado inteligente para estar no primeiro ano. A minha irmã está no terceiro ano e eu sou muito mais inteligente do que ela, quero ir para o terceiro ano também!

A professora vê que não vai conseguir resolver o problema e manda-o para o conselho directivo.

Enquanto Lucas está na sala de espera, a professora explica a situação ao director, este decide fazer um teste ao miúdo.

A professora então chama o Lucas e explica-lhe que lhe vão fazer um teste e caso ele responda correctamente a todas as perguntas passará automaticamente para o terceiro ano.

O Director começa:
- Lucas, quantos são 3 vezes 3?
- 9.
- E quantos são 6 vezes 6?
- 36.

E o director continua com as perguntas a que um aluno do terceiro ano deve saber responder e Lucas não erra nada. O director diz para a professora:
- Acho que vamos mesmo ter que passar o Lucas para o terceiro ano.

- Posso fazer algumas perguntas também, Sr.Director? Pergunta a professora.
O director concorda e a professora começa:
- A vaca tem quatro e eu só tenho duas o que é?
Lucas pensa um instante e responde:
- Pernas.

Ela faz-lhe outra pergunta:
- O que é que tu tens nas tuas calças que eu não tenho nas minhas?
O director arregala os olhos, mas não tem tempo de interromper...
- Bolsos. Responde Lucas.

- O que é que entra na frente da mulher e que só pode entrar atrás no homem?
Estupefacto com as questões, o director prende a respiração...
- A letra "M". Responde o miúdo.

A professora continua o questionário:
- Onde é que a mulher tem o cabelo mais encaracolado?
- Em África.

- O que é que é mole, mas na mão das mulheres fica duro?
- O verniz.

- O que é que as mulheres têm no meio das pernas?
- Os joelhos.

- O que é que a mulher casada tem mais larga que a solteira?
- A cama.

- Qual o monossílabo técnico que começa com a letra C e termina com a Letra U e ora está sujo ora está limpo?
- O céu.

- O que é que começa com C tem duas letras, um buraco no meio e eu já dei a várias pessoas?
- CD.

Não se contendo mais, o director interrompe, respira aliviado e diz à professora:
- Ponha o Lucas no quarto ano. Até agora EU errei todas!


No consultório


No consultório, o oculista fazia os exames de rotina:
O que está escrito aqui?
Não sei, não consigo ler...responde o paciente!

O médico aumenta a letra:
E agora?...o que está escrito aqui?

Ele esforça-se, mas não consegue ler nada!
Várias tentativas depois, o médico conclui:
Bom, só há uma solução, vamos ter de operar!

Depois da operação, o doente pergunta ao médico:
E agora doutor? o senhor acha que eu vou conseguir ler tudo?
Claro que sim!...a operação foi um sucesso!

Ainda bem, doutor, como a medicina está avançada!
O senhor acredita que antes da cirurgia......
EU ERA ANALFABETO?......


Dois padres


Dois padres no interior costumavam cruzar-se de bicicleta na estrada quando iam ao domingo rezar a missa em suas respetivas paróquias. Mas um dia um deles está a pé. Um para e pergunta:
- Então a sua bicicleta?

- Creio que a roubaram no pátio da igreja - responde o outro padre.
- Não brinque! Mas, olhe, tenho uma ideia: para saber quem foi, na hora do sermão, cite os 10 mandamentos. Quando chegar no "Não roubarás" basta olhar para os fiéis, que o culpado de certeza vai-se trair.

No domingo seguinte, os padres cruzam-se, os dois de bicicleta.

- Ah! Então o sermão correu bemo! - diz o padre que deu a ideia.
- Mais ou menos - responde o outro padre. - É que quando eu cheguei no "Não desejarás a mulher do próximo" lembrei-me onde tinha deixado a bicicleta!


O Carrossel


No Alentejo, um indivíduo vai ao médico:
— Sô doutor, olhe para isto — mostra a parte detrás do pescoço com um hematoma.

Foi um leão...
— Um leão? Onde é que isso aconteceu?
— Em Évora.
— Em Évora?!

— Olhe, sô doutor e esta foi um urso — diz o alentejano, mostrando as costas cortadas por escoriações horríveis.
— Um urso?! Onde aconteceu isso?
— Em Évora.

E olhe mais esta! — diz o alentejano, mostrando uma perna cheia de feridas e escalavrada. — Esta foi um tigre!
— Um tigre? Onde? Não me diga que também foi em Évora.

— Foi em Évora, sim, Sô doutor, e digo-lhe mais. Se não parassem o carrossel a tempo, matavam-me ali mesmo!...


Rir faz bem à Saúde


O Padre


O padre caminha, um pouco desorientado por uma vereda; encontra um garoto a guardar umas cabrinhas e pergunta-lhe:
— Menino, sabes-me dizer onde é a estrada que vai para Évora?
— O senhor prior quer ir para Évora?
— Quero, sim.
— Então o senhor prior é que vai. A estrada não vai. Fica.

— Ah, sim? Como é que te chamas?
— Eu não me chamo. Os outros é que me chamam.

— Olha lá — diz o padre já aborrecido —, há muitos atrasados mentais, lá na tua terra?
— Nã senhora, já não há. Os que havia foram todos pra padres.


O Primeiro Advogado no Céu


Há muitos, muitos anos, chegaram juntos ao Céu um advogado e um Papa.

São Pedro mandou o advogado instalar-se numa bela mansão de 800 m2, no alto de uma colina, com um fabuloso jardim, pomar, piscina, etc…

O Papa, que vinha logo atrás, pensou que seria contemplado com um palacete, mas ficou branco como a cal quando São Pedro lhe disse que ele deveria morar num apartamento T1 na periferia. Irritado e incrédulo, o Santo Padre observou:
- Não estou a entender! Esse sujeitinho medíocre, um simples advogado, recebe uma mansão daquelas e eu, Sumo Pontífice da Igreja do Senhor, vou morar nesta espelunca!

São Pedro, pacientemente, respondeu:
- Espero que Sua Santidade compreenda! De papas, está o Céu cheio, mas advogados, este é o primeiro que recebemos!


Os alentejanos são terríveis!!


O alentejano está a comer ao balcão de um restaurante na estrada, quando entram três motoqueiros de Lisboa, tipo "Abutres" (aqueles gajos que vestem roupas de couro preto, cheios de coisas cromadas e que gostam de mostrar a sua força quando estão em bando).

O primeiro, vai até ao alentejano, apaga o cigarro em cima do bife dele e vai sentar-se na ponta do balcão.

O segundo, vai até o alentejano, cospe-lhe no copo e vai sentar-se na outra ponta do balcão.

O terceiro, vira o prato do alentejano e também vai sentar-se ao balcão...

Sem uma palavra de protesto, o alentejano levanta-se, põe o boné, já gasto, na cabeça e vai-se embora.

Depois de algum tempo, um dos motoqueiros diz ao empregado do restaurante:
- Aquele gajo não era grande homem!
- Era mesmo um banana, remata o segundo motoqueiro.

E o empregado:
- Nem grande motorista ... Acabou de passar, com o camião TIR dele, por cima de três motas que estavam ali paradas!!!


Vinte anos fechados...


Para a realização de uma experiência, três homens são fechados numa casa cada um durante 20 anos, mas cada um pode escolher uma coisa para ter consigo na casa durante todo aquele tempo.

O primeiro, como gosta muito de beber, pede que lhe encham a casa de vinho.

O segundo, como gosta muito de doces, pede que lhe encham a casa de bolos.

O terceiro, como gosta muito de fumar, pede que lhe encham a casa de tabaco.

Ao fim de 20 anos, as casas são abertas.

Abre-se a primeira porta e sai de lá o sujeito completamente bêbedo, a cambalear.

Abre-se a segunda porta e sai de lá o sujeito, gordíssimo, a mal passar pela porta.

Abre-se a terceira porta e sai de lá o sujeito, com os olhos muito abertos e um cigarro na boca e a perguntar a toda a gente:
- Alguém tem lume? Alguém tem lume?


Desculpas com a polícia...


Um tipo do norte comprou um Mercedes e estava a dar uma volta numa estrada nacional à noite.
A capota estava recolhida, a brisa soprava levemente pelo seu cabelo e ele decidiu puxar um bocado pelo carro.

Assim que a agulha chegou aos 130 km, ele de repente reparou nas luzes azuis por trás dele.
"De maneira alguma conseguem acompanhar um Mercedes" pensou ele para consigo mesmo, e acelerou ainda mais.

A agulha bateu os 150, 170, 180 e, finalmente, os 200 km/h, sempre com as luzes atrás dele.
Entretanto teve um momento de lucidez e pensou:

"Mas que raio é que eu estou a fazer?!" e logo de seguida encostou.
O polícia chegou ao pé dele, pediu-lhe a carta de condução e sem dizer uma palavra e examinou o carro e disse:

- Eu tive um turno bastante longo e esta é a minha última paragem. Não estou com vontade de tratar de mais papeladas, por isso, se me der uma desculpa pela forma como conduziu que eu ainda não tenha ouvido, deixo-o ir!
- Na semana passada a minha mulher fugiu de casa com um polícia - disse o homem - e eu estava com medo que a quisesse devolver!

Diz o polícia: - Tenha uma boa noite!




sexta-feira, 27 de março de 2015

O Suicídio - Por Daniel Teixeira


O Suicídio

Por Daniel Teixeira

Há diversas formas de se morrer. Uma delas é o suicídio. Hoje em dia enquadramos o suicídio num contexto psicológico e vemos aqueles que o cometem como pessoas com problemas, passíveis de ser ajudadas por profissionais.

Mas o suicídio, a sua prática sempre existiu, desde os tempos mais remotos, e foi a forma de o encarar que mudou radicalmente ao longo dos tempos. As mentalidades evoluíram e o suicídio tomou outros contornos.

Só no século IV é que se começa a tomar o suicídio como algo negativo, graças a S. Agostinho que rejeita a prática. Mais tarde, a Igreja, órgão de suma importância nas sociedades do século XIII , sob a forma de S. Tomás Aquino, veio a trazer um conceito que mudou para sempre a visão dos que cometiam suicídio. Foi o conceito de «pecado» que até hoje ainda influencia a opinião de muitos neste assunto.

Foi então que, através de «castigos», como a ameaça do Inferno (ao cometer o pecado), e a exposição do corpo em praça pública, denegrindo a pessoa morta e família, o suicídio ganhou o seu cunho de «proibido» e mau.

Hoje o suicídio é visto essencialmente de uma forma psicológica (considerando-se as problemáticas psicológicas relacionadas), e entendido mais abertamente que sob a suma influencia da Igreja.

No entanto, não existe uma posição permissiva em quase nenhuma sociedade, mas sim uma preocupação crescente da saúde mental e não só de proporcionar uma existência em que o suicídio não seja contemplado como alternativa. Assim, desenvolvem-se esforços vários para promover condições de vida em que o suicídio não seja visto como uma hipótese viável.

Este é um assunto muito complexo, e podemos começar por comparar as diferentes noções que vários autores dão do conceito de suicídio.

Parece-nos óbvio o que é o suicídio, mas há diversas teorias que abrangem mais do que o simples acto de morrer voluntariamente, utilizando instrumentos que se sabem provocar esse fim (a morte).

Durkheim (1897) refere que uma conduta suicidária alcança tudo o que a «vitima» causa, tendo consciência do seu possível resultado. Assim, segundo este autor, usar drogas, álcool ou até conduzir perigosamente, são condutas suicidárias.

Já Halbwachs (1930) refere que o suicídio é o acto realizado com instrumentos ou meios que nos levem a crer que o sujeito realmente tinha como objectivo a morte.

A definição que, talvez, se aproxime mais da noção em senso comum que vigora actualmente, é a de Vaz Serra (1971) que concebe o suicídio como a autodestruição consequente num acto voluntariamente realizado com vista a esse fim (morte).

Baechler (1975) vê o suicídio como todo o comportamento que procura solução para um problema existencial através do atentar ao Eu.

Estes autores, referidos por Daniel Sampaio, também ele muito atento a esta questão, dão-nos uma noção breve da extensão desta problemática.

Talvez ninguém saiba explicar completamente o suicídio, o que leva uma pessoa a recorrer a ele, que sentimento acompanha o momento do suicídio, que objectivo se pretende alcançar com esse acto.

Talvez seja diferente para cada pessoa, as pressões exercidas sobre os indivíduos são diferentes, as razões nunca poderiam comparar-se de pessoa para pessoa.

Será para alguns como Paulo Coelho escreve no seu livro, Verónika decide morrer:

«(...) Verónika decidira morrer naquela tarde bonita de Lubljana, com músicos bolivianos a tocar na praça, com um jovem a passar diante da sua janela, e estava contente com o que os seus olhos viam e os seus ouvidos escutavam. Mais contente ainda estava por não ter que ver aquelas mesmas coisas por mais trinta, quarenta, ou cinquenta anos - pois iam perder toda a sua originalidade, e transformar-se na tragédia de uma vida onde tudo se repete, e o dia anterior é sempre igual ao seguinte(...) .»;

para outros esta calma, é substituída por um desespero avassalador, uma angústia silenciosa.

O suicídio nem sempre é um adeus, na maior parte dos casos é uma mensagem, um pedido aos que os rodeiam.

Daniel Sampaio refere quatro tipos fundamentais de suicídio (baseou as suas conclusões num estudo de tentativas de suicídio adolescente): 

fala-nos do suicídio por apelo, em que o indivíduo pretende a comunicação, enviar determinada mensagem que, de outra forma, não consegue expressar;

o suicídio por desafio, em que o sujeito desafia os seus superiores, colocando-se numa posição de igualdade;

do suicídio de renascimento, em que a pessoa quer modificar o sistema em que está inserido, a seu modo;

e, por fim, temos o suicídio de fuga, em que o sujeito quer excluir-se.

Nestes quatro tipos de suicido encontra-se uma noção em comum, a noção de mudança. Os sujeitos desejam a mudança. A forma como encaram as suas tentativas de suicídio difere, mas o objectivo central é o mesmo, a mudança. A situação em que se encontram não lhes serve mais.

Não será o equivalente a sofrer de uma doença terminal em que a morte não é uma escolha, mas uma certeza incontornável, mas os últimos passos de quem um dia «escolhe» a morte, seja por que razão for, são também minutos de despedida que talvez nunca entendamos completamente.





Lendas


Lendas

Lenda da Cova Encantada ou da Casa da Moura Zaida

Na serra de Sintra, perto do Castelo dos Mouros, existe uma rocha com um corte que a tradição diz marcar a entrada para uma cova que tem comunicação com o castelo. É conhecida pela Cova da Moura ou a Cova Encantada e está ligada a uma lenda do tempo em que os Mouros dominavam Sintra e os cristãos nela faziam frequentes incursões.

Num dos combates, foi feito prisioneiro um cavaleiro nobre por quem Zaida, a filha do alcaide, se apaixonou. Dia após dia, Zaida visitava o nobre cavaleiro até que chegou a hora da sua libertação, através do pagamento de um resgate.

O cavaleiro apaixonado pediu a Zaida para fugir com ele mas Zaida recusou, pedindo-lhe para nunca mais a esquecer. O nobre cavaleiro voltou para a sua família mas uma grande tristeza ensombrava os seus dias. Tentou esquecer Zaida nos campos de batalha, mas após muitas noites de insónia decidiu atacar de novo o castelo de Sintra.

Foi durante esse combate que os dois enamorados se abraçaram, mas a sorte ou o azar quis que o nobre cavaleiro tombasse ferido. Zaida arrastou o seu amado, através de uma passagem secreta, até uma sala escondida nas grutas e, enquanto enchia uma bilha de água numa nascente próxima para levar ao seu amado, foi atingida por uma seta e caiu ferida.

O cavaleiro cristão juntou-se ao corpo da sua amada e os dois sangues misturaram-se, sendo ambos encontrados mais tarde já sem vida.

Desde então, em certas noites de luar, aparece junto à cova uma formosa donzela vestida de branco com uma bilha que enche de água para depois desaparecer na noite após um doloroso gemido...


Lenda dos Sete Ais

Esta é uma lenda estranha que está na origem do nome de um local do concelho de Sintra e que remonta a 1147, data em que D. Afonso Henriques conquistou Lisboa aos Mouros.

Destacado para ocupar o castelo de Sintra, D. Mendo de Paiva surpreendeu a princesa moura Anasir, que fugia com a sua aia Zuleima. A jovem assustada gritou um "Ai!" e quando D. Mendo mostrou intenção de não a deixar sair, outro "Ai!" lhe saiu da garganta.

Zuleima, sem lhe explicar a razão, pediu-lhe para nunca mais soltar nenhum grito do género, mas ao ver aproximar-se o exército cristão a jovem soltou o terceiro "Ai!".

D. Mendo decidiu esconder a princesa e a sua aia numa casa que tinha na região e querendo levar a jovem no seu cavalo, ameaçou-a de a separar da sua aia se ela não acedesse e Anasir deixou escapar o quarto "Ai!".
Pouco depois de se instalar na casa, a princesa moura apaixonou-se por D. Mendo de Paiva, retribuindo o amor do cavaleiro cristão que em segredo a mantinha longe de todos.

Um dia, a casa começou a ser rondada por mouros e Zuleima receava que fosse o antigo noivo de Anasir, Aben-Abed, que apesar de na fuga se ter esquecido da sua noiva, voltava agora para castigar a sua traição. Zuleima contou a D. Mendo que uma feiticeira lhe tinha dito que a princesa morreria ao pronunciar o sétimo "Ai!".

Entretanto, Anasir curiosa pela preocupação da aia em relação aos seus "Ais", exprimiu o quinto e o sexto consecutivamente, desesperando a sua aia que continuou a não lhe revelar o segredo.

D. Mendo partiu para uma batalha e passados sete dias foi Aben-Abed que surpreendeu Anasir, que soltou o sétimo "Ai!", ao mesmo tempo que o punhal do mouro a feria no peito.

Enlouquecido pela dor, D. Mendo de Paiva tornou-se no mais feroz caçador de mouros do seu tempo.


O Cavaleiro Henrique

Nos primeiros tempos da Reconquista, cerca de treze mil cruzados vieram de toda a Europa para auxiliar D. Afonso Henriques na Reconquista aos Mouros.

Entre os muitos que pereceram e que foram considerados mártires, houve um cavaleiro chamado Henrique, originário de Bona, que morreu na conquista de Lisboa e que foi sepultado na Igreja de S. Vicente de Fora.
À memória do Cavaleiro Henrique estão associados muitos milagres, um dos quais deixou vestígios no nome de uma rua de Lisboa.

A lenda diz que logo que Henrique foi sepultado, dois dos seus companheiros, ambos cavaleiros surdos e mudos de nascença, vieram deitar-se sobre o seu túmulo de forma a que Henrique intercedesse junto de Deus pela sua cura.

Em sonhos, Henrique disse-lhes que Deus os tinha curado e quando acordaram verificaram o milagre.

Pouco tempo depois, morreu um escudeiro de Henrique dos ferimentos que tinha sofrido na conquista de Lisboa e foi sepultado na Igreja de S. Vicente, mas longe do túmulo do seu amo. O cavaleiro Henrique apareceu em sonhos ao sacristão da igreja e disse-lhe que queria o corpo do escudeiro junto de si. O sacristão não ligou importância ao sonho, nem quando este se repetiu no dia seguinte. Na terceira noite, Henrique, novamente em sonhos, falou-lhe tão irritado com a sua indiferença que o sacristão acordou imediatamente e passou todo o resto da noite a cumprir as suas indicações. Pela manhã e apesar de ter passado toda a noite naquele trabalho, encontrava-se descansado como se tivesse dormido toda a noite.

A novidade espalhou-se e os feitos do Cavaleiro Henrique continuaram: segundo a lenda, cresceu uma palma no seu túmulo cujas folhas curavam os males de todos os peregrinos que ali acorriam.

Um dia a palma foi roubada mas ficou para sempre na memória do povo através do nome de uma rua, a da Palma, na baixa de Lisboa.





Idiotas e zumbis - Por Tom Coelho


Idiotas e zumbis

Por Tom Coelho




"Os sábios aprendem com os erros dos outros,
os tolos com os próprios erros
e os idiotas não aprendem nunca."
 (Provérbio chinês)



Um estudante morre após sofrer coma alcoólico. Um juiz é afastado por usar um bem apreendido. Um motorista digita no celular enquanto dirige. O que estes episódios têm em comum?
 
 Em Bauru, o estudante de engenharia Humberto Moura Fonseca, de 23 anos, sofreu parada cardiorrespiratória após ingerir cerca de 30 doses de vodca, o equivalente a uma garrafa e meia. Ele participava de uma competição absurda para celebrar quem tinha capacidade de beber álcool em maior quantidade.
 
 A idiotice da situação não se restringe ao morto. Envolve os outros seis colegas que também passaram mal (três deles sendo internados em UTI) e todos os demais participantes, incluindo os que estavam no entorno, registrando com seus celulares e postando em mídias sociais a imbecilidade da disputa como se fosse um ato admirável. A competição havia sido anunciada publicamente e a festa não foi interrompida mesmo após o registro de óbito. Todos, sem exceção, são igualmente idiotas e cúmplices por omissão.
 
 Pergunto-me: o que acontece no meio estudantil nos tempos atuais? Não importa se a faculdade é pública ou privada, de alto ou baixo poder aquisitivo. Não importa a região geográfica ou o tipo de curso. Em lugar da preponderância do estudar, do aprender, o que vemos é a recorrência dos trotes e a ocorrência de festas regadas a atos de violência, com estupros e mortes.
 
 No Rio de Janeiro, o juiz federal Flávio Roberto de Souza foi afastado do cargo, e está sob investigação, após ser flagrado dirigindo um dos veículos apreendidos do réu Eike Batista, além de ter determinado que um piano do empresário ficasse sob a guarda de um vizinho seu. O magistrado feriu o princípio básico da imparcialidade e provocou a suspensão de todos os processos sob sua tutela. Detalhe: embora afastado, continuará a receber seus vencimentos.
 
 Em São Paulo, um motorista de ônibus foi filmado utilizando as duas mãos para se comunicar pelo WhatsApp com o veículo em movimento transportando dezenas de passageiros. Um ato de irresponsabilidade extrema, cada vez mais praticado por pessoas que vivem como zumbis conectados aos seus eletrônicos e desconectados da vida. Não são mortos-vivos, mas sim vivos-mortos.
 
 O que há em comum entre estes três episódios? A educação, ou melhor, a falta dela. Uma dose de vodca oferece prazer, 30 doses, a morte. O poder de um juiz deve ser canalizado para o bem, não para benefício próprio. A tecnologia facilita a vida, aproxima pessoas, compartilha conhecimento, mas a mesma vida não se restringe a bits e bytes.
 
 A palavra “idiota”, oriunda do latim, remete a “falta de instrução”. Certamente não falta a estudantes universitários acesso a informação, não falta a um juiz federal conhecimento dos fundamentos éticos, não falta a um motorista entendimento do risco ao qual está se submetendo. Falta a todos o mínimo de discernimento, bom senso e respeito.
 



Data de publicação: 13/03/2015



Tom Coelho é educador, palestrante em temas sobre gestão de pessoas e negócios, escritor com artigos publicados em 17 países e autor de oito livros. Contato: tomcoelho@tomcoelho.com.br. Visite: www.tomcoelho.com.br e www.setevidas.com.br.
 

quinta-feira, 26 de março de 2015

A imortalidade por correspondência


A imortalidade por correspondência

Por Daniel Teixeira

Debruçando-nos inicialmente sobre Camões que terá eventualmente sido o maior difusor português do conceito de que existe vida para além da morte, sabemos desde logo que este pequeno trabalho está direccionado para a interpretação de que ela, esta imortalidade, se manifesta de uma forma bem determinada: «aqueles que da Lei da Morte se libertam» ... e vivos memorialmente ficam.

Na verdade o autor Camões não pretendeu nem pretenderia lançar uma escada filosófica pitagórica ou outra que seria forçosamente anti-católica e severamente punida na altura em que o autor viveu.

Assim, a libertação da Lei da Morte faz-se, segundo este autor, da forma memorial, elegíaca ou não, ou seja, uma dada pessoa liberta-se desta inexorável lei através da memória que deixa de si e que as pessoas, a gente comum ou menos comum, guarda em si como património.

Montaigne, um dos meus pensadores favoritos, diz a dada altura das suas reflexões, que Deus nos deu, (na sua infinita sabedoria - será de crer que ele o tenha pensado embora não o tenha escrito) apenas uma forma de nascermos e milhares de formas de morrer.

Marco Aurélio, talvez o mais intelectual dos imperadores romanos (estóico) faz também ressaltar de uma outra forma a relatividade da importância da morte: apenas um grão de areia que cai do altar (da vida - deve entender-se).

Enquanto que em Montaigne se procura banalizar a morte - nesta nossa interpretação que não forçosamente na ideia do autor- apontando o imenso número de formas dela ter lugar, em Marco Aurélio faz-se ressaltar a relativamente pouca importância do viver humano, (no seu caso) no contexto da racionalidade estóica que neste autor se pode substituir à ideia de Universo ou de Natureza visto aqui de uma forma simplificada.

Um e outro, às suas duas maneiras, ao relativizarem o facto de se morrer e numa altura em que a memória dos povos tinha poucas possibilidades de se transmitir e permanecer, não deixaram de ficar na história em recuperação posterior às suas épocas de vida.

O mesmo Montaigne acima referido faz um longo elogio à memória e ao cavalo de Alexandre o Grande, interligando a construção do Império de Alexandre à posse e manuseio do seu cavalo (Bucéfalo).

Camões também se libertou da Lei da Morte e assim como aconteceu com Alexandre e o seu cavalo Bucéfalo agregou à sua memória o escravo Jau.
Não gostaria que fossem feitas comparações entre um cavalo por mais nobre e enobrecido que tenha sido (Alexandre construí-lhe um túmulo luxuoso) e um ser humano, embora a sociedade na altura não reconhecesse Jau como humano no sentido pleno por ser um escravo (logo uma coisa).

Ora, o que há de comum entre Bucéfalo, sobre cuja específica configuração existe uma relativamente extensa literatura e Jau?

Ninguém sabe ou ninguém se preocupou em descrever Jau, em criar uma imagem dele. Não se sabe como ele era realmente de forma ou caracterizado.

Nem sequer temos uma ideia da sua face e da sua constituição física. Diz-se dele ser da ilha de Java e, logo, um javanês será igual a todos os outros javaneses, assim sendo. Actualmente Java é a maior ilha do Arquipélago Indonésio onde se situa a capital Djacarta. Assim, Jau, seria, visto nos dias de hoje como sendo um indonésio, qualquer que seja a ideia que nós tenhamos da constituição física e facial de um indonésio.

Casimiro de Abreu, talvez dos poucos escritores que se debruçaram sobre Jau, na sua peça em um acto, desenvolve um pouco aquilo que foi Jau: um ser amante da sua terra (Java) e da sua família que teve um amor igualmente falecido tal como a bela Dinamene de Camões.

As referências de Camões atribuídas a Dinamene podem existir em diversos sonetos, dedicados a um amor perdido ou falecido, mas os estudiosos dividem-se entre Dinamene, Dona Catarina de Ataíde, Dama da Rainha, a qual é apontada como (pelo menos) musa do anagrama Natércia ao mesmo tempo que existem referências a um outro (ou ao mesmo) amor à Infanta D. Maria, irmão do Rei D. João III.

Para termos uma ideia de Jau em Casimiro de Abreu, cujo nome é aqui António, ele conta a Camões os seus amores.

ANTÓNIO (Jau)

Sim, sim; uma mulher eu amei muito.
Era tão bela! A mesma cor que tenho,
Ela tinha também; era de Java.
A infância ambos passamos sempre juntos
Brincando alegres pelos campos lindos.

Passaram-se os folguedos, e sozinhos
À fresca sombra dos gentis palmares
Que enfeitam a minha ilha tão formosa,
Mil falas de ternura lhe falava,
Mil esp'ranças risonhas eu nutria.

Era muito feliz o pobre escravo!

Depois… tão moça ela ainda finou-se!
O que eu chorei! E a dor pungente e amarga
Até à morte sentirei nesta alma
Que outro amor como aquele tão sincero…
Senhor, o pobre Jaú não terá nunca.

Mas o que fez Jau para merecer ser lembrado ainda hoje? De lembrar que Jau tem o seu nome numa rua em Lisboa, na zona de Alcântara / Stº Amaro assim como Luís Vaz de Camões.

Foi Jau um fiel servidor do vate, certo, esmolava para que este tivesse alimento e fosse vivendo aquela vida indigna para a qual foi votado no final da vida. Mas que seria da memória de Jau se antes ele, como tantos outros escravos, tivesse sido escravo de um ser normal e comum que da lei da morte se não tivesse libertado?

Camões sem Jau teria sempre escrito os Lusíadas, que foi afinal aquilo que da lei da morte o libertou e Jau sem Camões teria sido um desses inúmeros escravos dos quais não reza nem a história nem uma linha. Por outras palavras seria tão invisível à nossa memória de hoje como o foi enquanto mendigo.

De notar desde logo, no que se refere aos Lusíadas e a Camões e Jau que segundo a fabulação de Casimiro de Abreu o Javanês teria salvo os Lusíadas do fogo conforme veremos à frente.Portanto quando se diz atrás que Camões teria sempre escrito os Lusíadas, com Jau ou sem Jau, poderemos ainda aqui aceitar que sim, embora o autor brasileiro (C.A.) os tivesse colocado na eminência de se perderem não fora a acção de Jau.

Contudo, e voltando brevemente ao cavalo Bucéfalo, este está historicamente ligado, pelo menos lendariamente,(segundo Montaigne) à conquista do Império de Alexandre o Grande.

De Jau, não fora Casimiro de Abreu e mais algumas lendas que se recolhem, nada constaria de importante sobre a sua acção na escrita dos Lusíadas.

Assim e ainda Casimiro de Abreu:

CAMÕES

Eu à pátria sobreviver! Não quero.
Quem deste Portugal cantou as glórias
Não pode a Portugal na mesma lira
Desferir canto fúnebre saudoso.

Se a pátria é morta, hei-de morrer com ela.

Hei-de sim, hei-de sim, porque nesta alma
Era o afecto maior que ora existia.
Oh! que a mesma mortalha nos envolva;
E o canto d’alma apaixonado e terno,
Em que humilde exaltei a fama tua,
Que as chamas consumam; que hoje mesmo,
De Luís de Camões não tenha o mundo
Nem sequer uma prova de seus dias…
Bem poucos de prazer, de dor bastantes!

Queimem-se todos, queimem-se esses versos,
Desta alma parte, que escrevi mil vezes
Com pranto amargo deslizando em bagas.
Eia, coragem!

(Lança ao fogo alguns manuscritos e vai buscar os Lusíadas)

ANTÓNIO (Jau)

Os Lusíadas nunca!
Por quem sois, suspendei! sou que o peço:
Que não se queima assim num só momento
Dum poeta imortal a rica c’roa,
E o mais nobre brasão dum povo inteiro.

Oh!vou salvá-los.

Breve, Jau contribuiu para que fossem salvos os manuscritos de Camões, neste caso os Lusíadas, que noutros relatos constam como tendo sido igualmente salvos por Camões após um naufrágio no qual terá falecido Dinamene.

Camões pelo que escreveu teve e tem direito a estátuas, referências literárias e históricas constantes, enfim...Jau ganhou o direito a um nome de Rua em Lisboa, talvez mais, permito-me pensar, por uma questão de alicerçar materialmente a miséria do vate. Ainda aqui Jau se liberta da morte não se libertando de Camões. Tão escravo é memorialmente hoje como o foi durante a sua vida.

Sobre Dinamene existe referência escrita, aliás existem várias, mas dois sonetos referem expressamente o nome Dinamene:

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem não deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te,
Tão asinha esta vida desprezaste!

Como já pera sempre te apartaste
De quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que não visses quem tanto magoaste?

Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tão cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!

Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?

E este onde o nome aparece recortado por força da métrica:

Quando de minhas mágoas

Quando de minhas mágoas a comprida
Maginação os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece
Que pera mim foi sonho nesta vida.

Lá numa saudade, onde estendida
A vista pelo campo desfalece,
Corro pera ela; e ela então parece
Que mais de mim se alonga, compelida.

Brado: - Não me fujais, sombra benina!
Ela, os olhos em mim c'um brando pejo,
Como quem diz que já não pode ser,

Torna a fugir-me; e eu gritando: - Dina...
Antes que diga: - mene, acordo, e vejo
Que nem um breve engano posso ter.

E há ainda um outro que se diz referir-se a Dinamene, talvez o mais conhecido e repetido e estudado:

AlmA minha gentil, que te partiste

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Existem muito mais referências a amores idos em Camões mas alguns são de atribuição duvidosa a Dinamene, porque se podem muito bem referir aos seus alegados amores a Dona Catarina de Ataíde ou à Infanta D. Maria, irmã do Rei D. João III.

Como resumo temos neste pequeno esboço Camões, Jau, Dinamene, Dona Catarina de Ataíde e a Infanta D. Maria como entidades ligadas memorialmente à memória de Camões, sendo que Jau, Dona Catarina de Ataíde e D. Maria, irmã do Rei D. João III, por ele não são referidos de forma explícita e Jau, seguramente está ausente da poética de Camões.

E todos eles, com referência explícita ou sem ela, assim se libertaram da Lei da morte.