sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Ivone Boechat - A filosofia popular sobre a morte



Ivone Boechat - A filosofia popular sobre a morte

Quando eu era criança, o velório era um acontecimento.
A cidade era pequenina, então tudo se divulgava rápido. Em pouco tempo, o alto falante da igreja onde o falecido frequentava comunicava, em alto e bom som, o passamento desta para uma vida melhor, ou se usava um carro anunciando detalhes: quem morreu, onde, idade, motivo do óbito.

A morte pairava nas piadas! Antes de acontecer o pior, até o doente bem humorado brincava: fiquei tão mal que por mais um pouco comia capim pela raiz; pensei que ia vestir um pijama de madeira, etc...Depois, se porventura o sujeito morresse, aí, sim, a coisa era levada a sério e o sepultamento era um fato social marcante.

Naquele tempo, não se fechava uma tampa de caixão sem jogar perfume e pétalas de flores sobre o defunto. Já fui encarregada de comprar muito perfume ruth para pulverizar por cima do morto. Nunca me esqueci do cheiro. O perfume, claro, perdia a personalidade, por causa do odor muito forte de cravo, cravina, brinco de princesa, de rosas miúdas de cores variadas.

Não havia casa de venda de flores, as crianças saiam pedindo nas portas da casa. Já ouvi muita coisa.
 - Esse defunto morava em cima da pedra?
 - Vou dar, mas não sei nem se merece.
 - Vá em paz.
 Houve negação:
 - Pra aquele cara ? Bata em outra porta.
 A caravana de crianças saía em mutirão solidário e não respondia a nenhuma provocação, nada. Quem deu, tudo bem.



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