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sábado, 15 de agosto de 2015

EXERCICIOS MENTAIS E SENILIDADE - Por Manuel Fragata de Morais


EXERCICIOS MENTAIS E SENILIDADE

in Memórias da Ilha

Por Manuel Fragata de Morais

Ao chegarmos à média idade, notamos que começamos a esquecermo-nos de pequenas coisas, pequenos acontecimentos e situações e entramos em parafuso, preocupados com a nossa memória que já não mais responde aos comandos tradicionais.
E uma reacção primária e normal, todavia se pararmos para pensar um pouco, cedo chegaremos a uma conclusão óbvia; a de que a memória, tal como o corpo, sem exercício, não funciona de maneira adequada e começa a mirrar, a tornar-se esparsa e espaçada.

O tema de hoje ocorreu-me ao pensar nos 86 anos que minha mãe em breve celebrará, e nos 81 anos que o meu querido amigo e confrade no esgrimir de palavras e ideias, o nosso Uanhenga Xitu, aliás de Agostinho Mendes de Carvalho ou, melhor dito, seu nome de kimbundu, celebrou há dias, com muito carinho de todos nós.

Ambos são pessoas activas e envolvidas, a minha mãe não tanto quanto o ti Mendes nas mesmas lavras, claro. Mas nas dela, é um prazer ver, desde que a memória não lhe seja muito solicitada. Se não, o caso vira prazeroso para todos nós, por ela não se dar por achada,

Li um programa, elaborado por uma americana, a senhora Kimberly McClain, que é uma espécie de guia prático, uma receita, para ajuda do refrescamento da memória, que consiste em exercícios práticos e simples, para que não passemos horas a indagarmo-nos onde é que o raio da chave da casa ficou, para onde é que fugiu o telemóvel, se desligámos ou não o gás da cozinha, culparmo-nos por não termos recordado o aniversário da Maricota, etc.

Esses exercícios são um pouco o que seria a aeróbica para o corpo ou, já que estou a falar de mais velhos, a ginástica sueca, ou a musculação soft do John Weismuller (vejam que já nem me recordo como se escreve), lembram-se?

E não há, hoje, qualquer sombra de dúvida que, para aqueles que se mantêm permanente e mentalmente activos, a senilidade é uma praga ainda bem longe. Perguntem aos mais velhos(as) que passam a vida a fazer palavras cruzadas, passatempos, a jogar xadrez ou damas, quebra-cabeças, a escrever, a desenhar e ou a pintar, a dançar kuduro ou a tarrachinha, a inventar engenhocas com os restos das latas e artefactos velhos e usados, ou a atazanar a vida de colegas quer no Parlamento quer no Governo com picuinhices que fazem muito bem à saúde mental.

E é claro que, numa sociedade como a norte-americana, crescentemente mais envelhecida e «engordecida» (a minha palavra preferida), com o mal de Alzheimer respandido, assim como com outros tipos de doenças mentais, esta preocupação com a memória, atirou a comunidade científica para pesquisas múltiplas, sobretudo no que refere ao scanning e mapeamento do cérebro, onde, com ajuda de alta tecnologia, já o esquadrinharam quase todo para aprenderem e entenderem o seu funcionamento, a fim de que o envelhecimento não signifique necessária e imediatamente uma questão de senilidade.

Aliando-se os exercícios mentais aos antioxidantes, como o selénio, a vitamina C e E, ou às ervas tradicionais, poder-se-á contribuir para um retardamento do processo da perda de memória e a proteger-se o cérebro.

Já é evidente que os processos para evitar-se o «engordecimento» (que me perdoem o bisar do termo, mas trata-se de amor à primeira vista) que leva às paragens cardíacas, como alimentação correcta, manutenção de um colesterol e pressão arterial baixos, exercícios físicos regulares, são os mesmos que protegem o cérebro, daí procurar-se saber se as mesmas drogas para o colesterol serão eficazes para a nossa matéria pensante.

A receita para a memória, que a senhora McClain utiliza, numa possível relação causa - efeito, inclui, entre outras coisas, uma dieta alimentar saudável correndo paralela a exercícios físicos diários, técnicas de relaxamento e exercícios de memória diversos.

Mesmo sabendo que os mais velhos(as), por tendência natural, são avessos a tudo isto que referi, aqui deixo o recado. Toca de exercitar, de comer bem, não em quantidade mas em qualidade se possível, e fazer exercícios mentais, como memorizar o que o vosso guarda-roupa tem lá dentro, por exemplo, ou quando é que viram o vosso neto tomar banho pela última vez.


IN MEMORIAS DA ILHA - CRONICAS

Publicada por FRAGATA DE MORAIS

http://www.literaturafragatademorais.blogspot.com/  



 

terça-feira, 14 de abril de 2015

O POLITICAMENTE (IN)CORRECTO - Por Manuel Fragata de Morais


O POLITICAMENTE (IN)CORRECTO

Por Manuel Fragata de Morais



Se alguém te enganar uma vez, a culpa é dele;
 Se te enganar duas vezes, a culpa é dos dois;
 Se te enganar três vezes, és o único culpado.
 (Ditado popular alemão)

O conceito do politicamente correcto ainda é relativamente novo entre nós, para não dizer quase desconhecido. Já corrigimos algumas posições, chegamos aos deficientes físicos em vez de aleijados, já dizemos com deficiência visual e invisuais, em vez dos cegos. E um passo que abre o caminho a novas reflexões, que poderão levar à alteração no nosso uso da linguagem, e não só, em relação ao próximo.

A medida que as sociedades evoluem, assim evoluem os conceitos, as tradições e a visão que fazemos do mundo e do nosso lugar nele. O que em outra hora levou cientistas à fogueira ou à renúncia pública das suas convicções, são hoje leis reconhecidas da física, da astrofísica, da física quântica, da matemática, etc. Todavia hoje, no terceiro milénio e no século XXI, ainda encontramos conceitos, frases soltas, palavras que, de tão banalizadas, não ferem a nossa sensibilidade de humanos, de cristãos, ou puramente de pessoas de fé e da fé, seja ela qual for.

Quero hoje falar-vos de uma dessas aberrações, ligada à cor da maioria das pessoas do nosso continente, ou seja, a negra, e que nos passa despercebida, nestes dias do politicamente correcto. O dicionário que consultei, traz 26 palavras com o radical negro, e delas, uma ou duas únicas não contêm a conotação negativa, o conteúdo pejorativo. Não vou aqui mencionar todas, mas sim algumas daquelas que nos são mais conhecidas e aceitáveis e que, por esse facto, nos tornaram cegos face a nós mesmos, independentemente da coloração da nossa epiderme.

Para começar, quem não tem na família uma ovelha negra? Para nós, aqui em Africa, pela razão epidermicamente inversa, faria muito mais sentido termos uma ovelha branca na família quando o parente não encaixasse, não é?

Quem de nós nunca esteve, ou está, numa lista negra, por aquilo que pensou, que disse, fez ou que escreveu? Acho que, neste caso, a lista deveria ser da cor do papel em que foi elaborada ou, para os mais artísticos, às bolinhas azuis com riscas castanhas.

Quem nunca ouviu falar das famosas caixas pretas dos aviões, mesmo sendo elas de facto amarelas?
 Quando necessitamos de trocar o dinheiro em situações que nos são mais avantajadas, não vamos fazê-lo no mercado negro, quer seja na Mongólia quer na Patagónia?

E quando a vida nos cria situações que só são o resultado da iniquidade ou da falta de sorte, não corremos lestos para o mestre kimbanda as eliminar recorrendo à magia negra? E se o técnico mestre falha, não ficamos frustrados numa danada de maré negra?

Por fim, o diabo, o demo, o belzebu, o satanás, embora a tradição cristã o apresente como um chifrudinho vermelho vermelhinho até ao enroscado rabo, é geralmente tido como negro. E o pecado, sua mais vistosa arma, assim o sendo de igual modo.

Foram pois estas, a nível do pensar e da expressão, parte das mensagens subliminares que determinada civilização criou para impor durante largos séculos sobre outras mais beneficiadas com melanina, seus vários ditames.

Estamos na era do politicamente correcto, para além da própria tomada de consciência, para se começar na família, nas escolas, nas igrejas sobretudo, enfim, em todo o lugar, a irradiar esses conceitos e atitudes, sem receios.

As únicas situações que conheço, e não digo que não haja mais, em que radical negro é usado positivamente, são a negritude, como corrente ideológica e cultural surgida modernamente entre os povos negros africanos, de luta contra a opressão colonialista e de valorização da civilização africana, enfim, do mundo negro em geral.

Os que trabalham com números e contas sabem que contabilisticamente estar no preto é óptimo (to be on the black), já que quando há insolvência está-se no vermelho, pois esta é(ra) a cor da tinta que se usa(va) para o efeito.

E, finalmente, como estou a fazê-lo aqui, pôr o preto no branco sobre o que penso desta questão, negritando-a a fim de que sobressaia.



 Publicada por FRAGATA DE MORAIS


Do livro de Crónicas Memórias da Ilha