Do mundo olvidado de Alice - Conto de Maria Petronilho
Se Alice sofria, quem o saberia?
De há muito condenada, jamais se queixava.
Deixava que tomassem por si todas as decisões e providências.
Engolia, com a mesma silenciosa indiferença, tanto as pílulas da farmácia quanto as mezinhas caseiras de ervas, poções de todas as feiticeiras famosas na raia entre Portugal e Espanha.
Fizessem o que lhes aprouvesse e depois deixassem-na!
Se Alice sofria, quem o saberia?
De há muito condenada, jamais se queixava.
Deixava que tomassem por si todas as decisões e providências.
Engolia, com a mesma silenciosa indiferença, tanto as pílulas da farmácia quanto as mezinhas caseiras de ervas, poções de todas as feiticeiras famosas na raia entre Portugal e Espanha.
Fizessem o que lhes aprouvesse e depois deixassem-na!
Não tinha paciência para visitas.
O seu tempo, precioso, passava-o bordando e fazendo renda, buscando novas formas nas tramas, desenhos únicos, modelos e motivos em pontinhos perfeitos.
As agulhas eram varinhas mágicas, nas suas mãos rechonchudas, de unhas ovais e longas, impecavelmente polidas.
Além das rendas e bordados, Alice deliciava-se em cantos.
Na sua voz todas as escalas se encaixavam.
Não sabendo ler música, parecia que de si nasciam os tons, dos agudos aos graves, encaixando-se impecáveis todos os timbres que a fantasia lhe ditasse.
Não cantava em Sol, cantava em sombra.
Em Fá, cantava fados, sobretudo os de Amália, totalmente à Lisboa onde fora menina sadia, recém casada feliz e dera à luz, descobrindo-se então a lesão oculta no seu coração de mocinha.
«Ai Mouraria, da velha Rua da Palma; onde eu um dia deixei presa a minha alma!»
Eram então bem-vindas as visitas, que chegavam de aldeias e hortas, de lugares remotos e se mantinham a distância, num silêncio reverente.
Iria também vinha, encostava-se ao batente da porta, inclinava para trás a cabeça e soltava a voz, na companhia da sua amiga de infância.
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