Mostrar mensagens com a etiqueta Nº267/13/04/2015. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Nº267/13/04/2015. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Jornal Raizonline Nº 267 de 13 de Abril de 2015 - Coluna Um - Daniel Teixeira


Jornal Raizonline Nº 267 de 13 de Abril de 2015 - Coluna Um - Daniel Teixeira

25 de Abril


Numa altura em que se aproxima o Dia 25 de Abril, ao qual todos devemos esta coisa tão simples que é escrever livremente, será bom lembrar que para além da liberdade de expressão muito pouco se ganhou em termos sociais, políticos e económicos com isso.

Na verdade, como é costume dizer-se nestas ocasiões, que já foram  repetidas «n» vezes ao longo da nossa história portuguesa e da humanidade em geral, estabilizadas as elites e recompostas as estruturas de autoridade, a mudança (se isso se pode chamar) é apenas uma mudança de tom no baton e organização cosmética geral.

Na verdade continuamos a ser comidos periodicamente ao longo dos séculos, servindo em altura própria como carne para canhão, tipo bucha,  e expelido o projéctil lá vamos nós atrás, por vezes rodando no ar, até que a força da gravidade (a tal recomposição da autoridade) nos faça estampar no solo, algures entre uma pedra e um caule ou mesmo o defecado de um animal qualquer que por ali tenha passado.

Chateiam-se as pessoas, é um facto, e acredito que nunca tenha sido tão lembrada a tal de liberdade de expressão como nas alturas em que as pessoas levantam a sua voz, algures no recôndito dos seus lares, nas chamadas redes sociais ou até mesmo em cafés e esplanadas. 

Que alegria «deitar cá para fora» aquilo que nos vai na alma, utilizar em tão pleno quanto possível essa mesma liberdade de expressão e regressar a penates com o estômago pleno e adormecer no sofá após o término da telenovela, do debate, do discurso. Amanhã será outro dia e a vida recomeça, sempre da mesma forma: livremente livre, alegremente sem peias. Que mais pode desejar o ser humano ?

Talvez o século seguinte que este já começa a chatear.

Daniel Teixeira




quinta-feira, 16 de abril de 2015

Maria Louca - Poema de José Geraldo Martinez


Maria Louca

Poema de José Geraldo Martinez

Por onde andaria Maria Louca?
 Nega pedinte e pinéu...
 Talvez nesta vida pouca,
 já tenha ido para o céu...

Lá, aprontaria com todo mundo!
 Espantaria os passarinhos das mãos de São Francisco...
 Como se não bastasse, nada que lhe faltasse,
 beberia o café de São Benedito!

Maria Louca, nega andarilha, da minha infância,
 era amada e não sabia!
 Com largo sorriso branco na boca,
 candura distribuia...
 Tudo que ganhava dava:
 bolachas, balas, doces...
 Era a festa da molecada!

Pra eles contava longas histórias
 e a gente até acreditava:
 - Fui amiga de Jesus! (por certo era)
 - Tirei a sua coroa na cruz (duvido)
 - Os pregos de suas mãos (duvido)
 - Vi a ressurreição! (duvido)
 - Briguei com Judas e Pilatos,
 arrumei a maior confusão! (não duvido)

Relatava fatos da época!
 O Padre sempre a escomungava...
 Quem garante que não vivera em outras vidas,
 aquilo que tudo falava?

Proibida de entrar na igreja e
 ainda assim confessava...
 Dizia que era com Deus e que ele sempre
 a escutava! (acredito)

Em baixo de uma seringueira,
 começava a rezadeira e a sua sua igreja montava!
 Naquela hora, parece que eu via
 ao seu redor muitos santos...

Jesus com ela sorria e no colo de Maria,
 sobrepunha o seu manto!
 Maria?
 Eu disse, Maria?
 Quem garante que não era?
 Mãe de Jesus? (dúvida)
 Nega pinéu ... (é fato)
 Um minuto para pensar...
 Maria estaria no céu? (Não duvido)
 Ela tinha tempo para amar...


«Nenhum tempo há de ser perdido se for gasto
 com amor»


( Martinez )



BRINCANDO COM PAPAI - Texto de Antônio Carlos Affonso dos Santos (ACAS)


BRINCANDO COM PAPAI

Texto de Antônio Carlos Affonso dos Santos (ACAS)



Se um dia papai voltasse, eu tentaria viver com ele tudo aquilo que sempre quis e nunca aconteceu. Ah, se eu pudesse voltar o tempo! Papai iria brincar comigo. Não chegaria cansado, nem estressado, nem nervoso, nem dopado, nem triste. A luta, para seus filhos terem alguma coisa no futuro, não o deixou viver o presente.

Hoje ele é passado. Papai morreu quando eu tinha dezoito anos de idade; ele tinha à época, pouco mais de cinquenta. Ele nunca participou de minha adolescência; menos ainda, por Deus o ter levado tão cedo, da minha chegada à idade adulta.

Ah, se papai me abraçasse, ao menos uma única vez; eu diria a ele que o amava. Quem sabe assim ele e eu perdêssemos nossa timidez?

Se papai me abraçasse, eu lhe daria um presente: uma máquina do tempo!
 Ai então, eu ligaria meu «transformador de gente» e o faria ser menino de novo. Eu próprio entraria na máquina e nós dois, meninos; finalmente brincaríamos como só as crianças sabem brincar.

Cansados, eu o olharia embevecido, enquanto nova transformação ocorreria; eu e ele, aos poucos íamos ficando velhos. Fecharíamos nossos olhos e nos elevaríamos acima das casas, das ruas, das luzes, das cidades, do país e do mundo. Quem sabe finalmente eu veria a Europa, que tanta vontade tenho de conhecer e não pude; nem poderei.

Se um dia papai voltasse e eu pudesse conviver com ele tudo aquilo que quis e que nunca aconteceu, eu o acompanharia até a presença do Pai Eterno.

Reclamaria Dele, a falta de tempo que papai teve e do fato dele não me ver crescer. Ah, se eu pudesse voltar o tempo!

Se eu pudesse voltar o tempo, papai iria brincar comigo até o fim dos tempos. Eu, morto que estou, finalmente brincaria com papai.

Se um dia, você leitor, ouvir cantigas de roda, catiras batidas na mão e nos pés, ouvir sabiás cantando numa praça mal cuidada da cidade grande, ou ver um caipira lavrando a terra, saudado pela natureza, saiba leitor, será eu e meu pai, nos divertindo na eternidade; visto que na vida pouco nos divertimos.

Vocês ainda nos virão nos sorrisos ocultos dos personagens das estátuas que contam a história da terra bandeirante, em cada praça onde quer elas estejam.

Vocês nos ouvirão nos gorjeios dos canários da terra, dos coleirinhas, dos curiós, dos pintassilgos, no farfalhar das folhas dos jequitibás, nas flores dos ipês que os tornam sagrados, nas algazarras das crianças, nos curumins e cunhãs do Mato Grosso, que apreciaram um texto desse velho escrevinhador que, se não deixou filhos, foi abençoado por Deus com o dom de ver e ouvir estrelas, apreciar a natureza e entendê-la e a amar sua querida Dirce, despudoradamente.

Foi uma pena, meu pai, que não houvéssemos brincado mais com a vida, de não ter ouvido mais música caipira, de ter sorrido mais, como os curupiras e sacis que me acordaram hoje, só para que eu pudesse escrever este texto.

Pai, até breve! Não se perca de mim; não me desapareça.

ACAS



João Vaz já tem casaco - Conto / Crónica de João Furtado


João Vaz já tem casaco

Conto / Crónica de João Furtado


Os últimos anos não foram dos piores, mas também não poder-se-iam afirmar que eram cor de rosas. Dava para comer e tinha alguma palha que servia para dar aos animais. Já tinham havido muitos outros anos piores. Os melhores anos serviam para que se pudessem casar, baptizar e crismar os filhos. Quem os pudessem fazer. Os outros contentavam com a esperança de que o próximo ano seria melhor e poderiam realizar os seus mais íntimos sonhos.

Até para morrer o felizardo era aquele que morresse pelo menos num ano igual ao que era aquele. Tinha a esperança de saber que a sua morte seria chorada e que as inesperadas visitas teriam o mínimo para comer durante as cerimónias fúnebres. Se bem que uma certeza levava. Todos iriam chorar as suas mortes. As mulheres os seus maridos. As filhas as suas mães. As irmãs os seus irmãos. As mães os seus filhos. As comadres os seus compadres. As amantes e rivais iriam aproveitar para se exporem as suas desavenças acumuladas.

Os parentes e familiares também iria aproveitar para se posicionarem e se darem a conhecer todas as pequenas mágoas do dia a dia. Mas o funeral seria digno dos anais da história, embora ele, a figura principal, pouco se destacaria.

A casa era a peça fundamental. Ninguém poderia sair das barras da saia da mãe, sem ter o seu funquinho (1) . Ainda que o mesmo funquinho servisse para cobrir a cabeça e deixar a chuva e vento o corpo. Bem, a chuva… era um bem quase esquecido. Embora os últimos anos não se pudesse afirmar a total ausência dela, mas também não se podia dizer que a bonança tinha enfim visitado as Ilhas. Todos tinham seu funquinho sim, «quem casa quer casa» não era apenas um adágio popular na Ilha, era uma realidade.

Não poder-se-ia afirmar era que as casas eram efectivamente casas. A maior parte delas de casas só tinham nome, mas enfim eram casa. Algumas pedras sobrepostas e cobertas de palhas. A maioria, por dentro, se tanto a sala era calcetada.

Mas para casar. Casar, mesmo casar, com padre e tudo de direito, eram muito poucos. Casar como o João Vaz pretendia oferecer a Isabel Lopes, era preciso o casaco. O casaco não estava ao alcance de qualquer um. Por isso muito casamentos eternos não passavam de arrumação dos trapinhos na esperança de que o próximo anos seria melhor e haveria a cerimónia com tudo de que era o direito da família. A esperança que transitava de ano para ano.

O João Vaz estava a namorar com Isabel Lopes anos e anos. A Isabel Lopes consciente da realidade estava disposta a «fugir» numa noite qualquer e no funquinho feito a pressa formar seu casamento. Sem roupa de princesa a varrer o chão, sem padre, sem padrinhos, sem nada. A Isabel Lopes não esperava ter o pedido de casamento. Ela sabia da realidade da terra.

A Isabel Lopes era namorada do João Vaz, embora ninguém oficialmente podia dizer com certeza. Todos sabiam que eles, ela a Isabel Lopes e ele o João Vaz tinham «suas aguas sujas» (2) mas como ninguém os viu próximos um de outro a mais de dois metros, como mandava a digna tradição dos mais velhos, podia afirmar que namoravam. As «conversas» com os olhos eram os únicos indícios visíveis. E, também eram as únicas recriminações da mãe da Isabel Lopes. No tempo dela havia mais respeito. Muito mais respeito.

A Isabel Lopes sentia-se mulher, não queria continuar nas barras da saia da mãe. Varias vezes fez o João Vaz saber disto por meio da prima, a pombo-correio dos dois. O João Vaz respondia sempre da mesma maneira:
 -Diga a Isabel Lopes que ela é a minha rainha, quero entrar com ela na igreja. Só me falta o casaco. Já tenho algum dinheiro, vou completar e comprar o casaco.

A Isabel Lopes esperava o casaco do João Vaz, esperava e desesperava. Os tempos não permitiam ao João Vaz a compra do casaco, por mais que se esforçasse.

O João Vaz trabalhava desesperadamente para comprar o casaco. A Isabel Lopes desesperava para deixar a casa da mãe e ter seu próprio funquinho. A Isabel Lopes mandou outro recado:
 - Diga ao João Vaz que não estou a aguentar mais, para ele arranjar o casaco o mais rápido que puder!

O João pouco podia fazer. O dinheiro não havia maneira de crescer, ia sempre para um remédio aqui, um grogue ali, dava emprestado ali e nunca mais recebia. Estavam nisto. Todos juntavam seus trapinhos. O João Vaz queria entrar na igreja com a sua rainha.

O José de Almeida tinha uma vida mais abastada. Não era muito melhor que os outros. Era menos pobre. Tinha pelo menos dois casacos. O João Vaz sabia disto, foi procurar o José de Almeida e propôs a comprar de um dos casacos. O José de Almeida mostrou os casacos. Dois ao todo. Eram apenas dois casacos. O João Vaz escolheu o castanho. O José de Almeida perguntou-lhe a cor das calças e dos sapatos. O João Vaz disse que as calças eram pretas e os sapatos… bem, não haviam sapatos! Era normal, os sapatos não eram importantes. O casaco sim. O José de Almeida disse que o preto era melhor. Descalço, com calças pretas e casaco castanho não deveria ser grande ideia. Depois chegou a hora de falarem de pagamento.

O José de Almeida queria dinheiro. O João Vaz só podia pagar com trabalho. O José de Almeida disse: -Esta bem, pode ser com trabalho, mas só levas o casaco depois de estar tudo pago. Não havia problemas, até porque o João Vaz não tinha onde guardar o casaco. Trabalhou, trabalhou e trabalhou. Fez de tudo. Não havia como acabar de pagar o casaco. Ia de manha e só regressava a noite morto de cansado a casa, mas não havia forma de acabar com a divida e levar para a casa o casaco.

Propôs trabalhar também de guarda. Passou a dormir lá. Trabalhava de dia, guardava de noite. Só assim poderia um dia levar o casaco para a casa.

A Isabel Lopes deixou de ver o João Vaz. Os olhos deixaram de se conversarem. Os sorrisos disfarçados e comprometedores deixaram de ser feitos. Os sonhos começaram a esfumarem-se. A pombo-correio da prima bem se esforçou, mas nada de João Vaz.

O assédio do Manuel Ferreira que nunca foi tomado em conta começou a ter resultado. As mesmas acções começaram a aparecer de novo. A pombo-correio da prima retomou as idas e vindas por algum tempo, mas o destino passou a ser outro.

Numa manha normal, como outra qualquer, ouve-se choros e gritos na casa da mãe da Isabel Lopes. Todos pensaram no pior e correram para ajudarem e aproveitarem para chorarem os seus mortos. Graças a Deus não era o pior. Foi um alívio e uma decepção. Mais alívio que decepção. Os mortos podem esperar mais alguns dias para serem chorados. A Isabel Lopes havia «fugido».

Todos pensaram que ela estava na casa do João Vaz, mas não estava. Passados os prazos da praxe que a situação exigia ela apareceu, toda envergonhada acompanhada da família do Manuel Ferreira.

Esta, a família do Manuel Ferreira, toda contrita com a situação delicada, colocada pelo doidivanas do filho que não havia pensado nas consequências do acto:
 -Agora somos uma família – dizia a mãe do Manuel Ferreira e sogra da Isabel Lopes – eles já fizeram o que não deviam. Agora temos que os deixar organizarem. Dou a minha palavra de honra que irão casar na próxima «as aguas» (3)!

Houve choro. Era o fim do nojo inesperado e curto. Depois veio a festa. Houve matança de porcos. A mandioca e o cuscus (4) não faltaram. Estavam preparados. Ninguém sabia. Mas o recado recebido uma semana antes «no próximo sábado iremos ai!» era esclarecedor, Já estavam a espera. A festa durou toda a noite.

Enfim o João Vaz conseguiu pagar o casaco. Tomou a casaco. Fez questão de vestir e ir passar mesmo a frente da casa da mãe da Isabel Lopes. Queria que a Isabel ou a prima o visse vestido de casaco. Iria arranjar uma delegação de pedido da noiva.

Quando aproximou-se ouvi o barulho das batucadeiras (5) . Havia festa na casa da mãe da Isabel Lopes. Perguntou o que estava a passar. Todos sabiam do namoro de João Vaz com a Isabel Lopes. Não tiveram pena dele, deram a noticia o mais cruel possível:
 -Isabel Lopes saiu de casa com Manuel Ferreira e foi apresentada a casa dos pais ontem.
 O João Vaz caiu estatelado no chão. Desmaiou. Mas ainda pode dizer:
 - Eu já tenho o casaco!

O João Vaz nunca mais tirou o casaco. Nem de dia, nem de noite. Dizem que passou a dormir com casaco. A frase dita no momento de desespero tornou-se popular.

Ainda hoje diz-se sempre que alguém tenha algo que muito desejou e não havia conseguido antes – DJON BAZ DJA TEN KASAKU – o que quer dizer, João Vaz já tem casaco.

Sim João Vaz conseguiu casaco, mesmo que lhe tenha custado a perda da sua rainha, Isabel Lopes.



(1)- Funquinho – cubata de pedras, normalmente em forma circular, coberto de palha.
 (2) - aguas sujas – segredos, gostavam um do outro
(3) - As Aguas - Época das chuvas. Época produtiva
 (4) - Cuscus – Pão de farinha de milho cozido a vapor.
 (5) - Batucadeiras- Mulheres que tocam batuco. Colocam pano dobrado sobre a perna, onde com as mãos, no ritmo cadenciado do batuco, batem sobre o pano.

João Furtado



Assédio Sexual - Por Laé de Souza


Assédio Sexual - Por Laé de Souza

Nos tempos atuais, corre-se grande risco em uma simples paquera, que pode ser interpretada como assédio sexual, com direito à vítima de ação de indenização por danos morais. O problema maior é que geralmente a coisa toma uma dimensão com publicidade, fazendo a vítima ser mais vítima e o incriminado ser mais vilão ainda, e recriminado com veracidade mesmo pelos homens que, quer queira ou não, já deram uma paqueradinha , mesmo que descompromissada .

O Mike Tyson que cumpriu pena pelo crime, e viu-se acusado novamente de assédio. Certamente deixará de freqüentar boites e casas noturnas.

O Luxemburgo está sendo acusado de assédio, se bem que para mim, do jeito que foi contado pela distinta senhora, o ato se apresenta mais como tentativa de estupro do que assédio, pois segundo ela, o treinador após insinuar-se, tentou agarrá-la. Chamar uma manicura para fazer o trabalho em seu quarto, sem dúvida é expor-se a risco. Por isto, Casa de Massagem, só freqüento com uma pessoa do lado como testemunha de que a mulher praticou seu oficio sem ser molestada.

Dias atrás um médico foi filmado, quando no exercício de suas funções de ortopedista, para examinar o joelho de uma paciente-repórter, mandou que ela se despisse. Ficando a paciente só de calcinhas e com um avental aberto às costas, ele por trás, em cena constrangedora, foi acusado de boliná-la. Questionar que a moça insinuou-se e estimulou a ação é problema da defesa e não nos compete, principalmente pelo excesso, mas deve ser considerado.

Recordo-me com saudade das várias cantadas na Ritinha , para que conseguisse grandes noitadas, e que não me arriscaria hoje. E certamente com uma só ela não iria; Das flores enviadas para a Claudine, com discreto cartão; Dos olhares meloso para Dirce; Dos cumprimentos com beijos longos na Carol ; Dos constantes elogios aos cabelos da Marlene. E outras e outras que deram certo. Coisas do passado. É preferível ser chamado de bobo por não perceber "bolas" de uma mulher a responder um processo e ser apontado como desavergonhado. Esta proliferação, cria inibição e se solteiro fosse, não teria coragem de convidar minha própria mulher para um início de namoro.

Diante dos acontecimentos, criei certas precauções, que embora contra a minha natureza procuro seguir: Não convido uma mulher para dançar por mais de uma vez; não olho para uma mulher nos olhos ou nas pernas; evito estar sozinho e entrar em elevador cheio; se der carona, ela tem que sentar no banco de trás; não me dou a gentilezas que prenuncie exageradas; não convido nenhuma para tomar um sorvete ou um chope e recuso convites. Claro que por conta disto, deixaram de ocorrer romances e histórias de amor. Mas também, tem uma: Se levar cantada de alguma, deixo de lado meus princípios, faço alarde e denuncio por assédio, por que daqui para frente os direitos são iguais.




SUBTILEZAS - Conto / Crónica de Liliana Josué


SUBTILEZAS

Conto / Crónica de Liliana Josué

O dia era ainda uma criança, com poucas horas de vida. Excepcionalmente eu tinha chegado depois de todos. Não porque me atrasasse mas, aquela gente, tinha por hábito adiantar-se à hora prevista da partida. Quando tal sucedia e vislumbrava, ao fundo da rua, a camioneta de esgar piscante, sem ninguém à porta: cerrava os dentes e atirava-me em correria desenfreada até penetrar, de rompante, na sua boca de hálito zombeteiro. Aplaudiam-me da proeza e tranquilizavam a minha alma informando-me,( como se eu não soubesse) não me encontrar atrasada. Um pouco nervosa comentava mentalmente: «Esta gente deve ter palhas na cama!» .

Eram todos mais velhos que eu, talvez por isso mesmo a pressa fosse maior, pois o tempo era menor. Ainda arquejante semeava beijinhos para um lado, apertos de mão para o outro e um nunca acabar de sorrisos. Depois da maratona concluída, sentava-me discretamente num dos últimos bancos, respirava fundo, encostava a cabeça para trás e semicerrava os olhos numa atitude de abandono.

 Totalmente recomposta, dava comigo a observar atentamente os ocupantes do enorme veiculo. A alguns enxergava apenas o cocuruto da cabeça, a outros conseguia contemplar as faces: De sono nem vislumbre. Deparava com expressões calmas e felizes, de quem já muito fizera e, se sentia no seu pleno direito de desfrutar um resto de vida agradável e compensador.

 Por cada cabelo branco haveria, certamente, uma história não contada; por cada ruga um desgosto quantas vezes dissimulado ; por cada sorriso o triunfo de tantas barreiras ultrapassadas. Tudo isso me enternecia guardando, religiosamente, aquelas expressões bem dentro de mim. Absorvida por tais especulações, espraiava o meu olhar através da janela, encharcando-me da plana e verdejante paisagem alentejana, tornando-a cúmplice dos meus pensamentos.

 Também eu já era detentora de alguns cabelos brancos, rugas na cara e sorrisos esperançosos. No meio de toda esta gente fantástica impunha-se um personagem encantador: Estatura média, magro, cabelo farto e bigodinho maroto. Nos seus olhos podia ler-se a devoção por tudo o que fosse arte. Desde a antiga igreja românica, ao espectacular quadro impressionista, sem jamais esquecer a poesia.

 Só de pronunciar essa palavra mágica, o seu rosto alterava-se surgindo-nos pleno de êxtase e adoração. Sem dúvida será alguém que hei-de lembrar e admirar para todo o sempre. A sua tertúlia poética era singela em «número» mas imponente em «género».

Subitamente acordei do torpor dos meus pensamentos. A camioneta parou. Chegara a costumada pausa para o café da manhã. Enquanto que para muitos, essa milagrosa bebida matinal se revestia de importância capital, para mim, tornava-se perniciosa. Um café antes do almoço transformava-se num barril de pólvora. A pulsação poderia atingir os cento e vinte, e as minhas mãos agiriam autonomamente, sempre pelo oposto à minha vontade. Por isso limitava-me a folhear algumas revistas na tabacaria do estabelecimento.

 Findo o tempo estipulado para a recuperação de forças, regressávamos ao monstro que nos observava pachorrentamente, com orelhas quebradiças de cão atento, e introduzíamo-nos no seu interior através da sua boca plácida e um tanto desdenhosa.

A viagem continuava em conversa animada com o companheiro do lado ou o vizinho da frente. Chegados ao destino eram áhs! e óhs! de contentamento e deleite. Tanta coisa linda. Contemplei igrejas faustosas e conventos de admiráveis azulejos, fui bafejada pela sorte de poder admirar apaixonantes desenhos de Siza Vieira, traço breve e expressivo.

 A medida que a visita prosseguia o agrado tornava-se maior.
 Foi-nos sugerido observar as cisternas de determinado convento. Assim o fizemos. Não continham água, era um local subterrâneo, escuro, frio e um tanto assustador. A minha sensação, dentro daquele buraco negro, era como o de alguém tentando penetrar o insondável e misterioso mundo do Além. Inesperadamente um arrepio traiçoeiro percorreu-me a espinha, seguido de um bater forte de coração.

 A minha volta pressentia murmúrios tímidos e sombras deslizantes. Uma das senhoras pertencente ao grupo, expulsou os meus receios ao aproximar – se entabulando conversa. Apurando a vista o mais que pôde, fez-me notar a existência dum estranho objecto colocado junto a uma das paredes da cisterna, por baixo da única abertura que deixava penetrar uma efémera claridade. Foi-se chegando lentamente ao estranho corpo, eu imitei-a.

 Era um objecto esguio e comprido, com cerca de metro e meio de altura. A senhora muito compenetrada da sua missão exclamou triunfante: «Nem mais, isto é um medidor de água». Eu acenei afirmativamente a cabeça, admirando tamanha perspicácia.

 Satisfeita a nossa curiosidade demos por concluída aquela sapiente descoberta. Eis que, inesperadamente, a senhora apercebeu-se duma pequena placa onde se encontrava algo escrito. Assestou afincadamente o olhar e conseguiu ler os dizeres. Intrigada perguntei-lhe o que se encontrava ali escrito.

 A ingénua senhora, meio embaraçada, balbuciou: «Afinal isto não é nenhum medidor de água, é uma obra de arte duma escultura... uma Leonor qualquer coisa». Senti uma enorme vontade de rir.

Tínhamos sido mordazmente enganadas. A tudo hoje se chama arte. Talvez com razão. Só o facto de sabermos viver em tranquilidade é já uma obra de grande mestria artística.

 Mas quanto ao ferro comprido e ferrugento ... , francamente!.




O último voo do Flamingo - Por Arlete Deretti Fernandes


O último voo do Flamingo

Por Arlete Deretti Fernandes

Antônio Emílio Leite Couto, mais conhecido por Mia Couto, nasceu na Beira, Moçambique, em 1955. Foi diretor da Agência de Informação de Moçambique, da Revista Tempo e do Jornal de Notícias de Maputo.

Tornou-se nestes últimos anos um dos ficcionistas mais conhecidos das literaturas de Língua portuguesa. O seu trabalho sobre a língua permite-lhe obter uma grande expressividade, por meio da qual comunica aos leitores todo o drama da vida em Moçambique após a independência. Os seus livros estão traduzidos para o francês, inglês, alemão, italiano e espanhol. Publicou: Poesia, Contos, Crônicas e Romances.

Sobre o Texto de «O Ultimo Vôo do Flamingo»

Tizagara, nos primeiros anos após guerra. Nesta vila parece que tudo corre bem.

Os capacetes azuis chegaram para vigiar o processo de paz, e a vida da população transcorre numa aparente normalidade. Porém, devido a razões que todos desconhecem, os capacetes azuis começaram subitamente a explodir.

Massimo Risi, o soldado italiano das Nações Unidas destinado para investigar as estranhas explosões, chega em Tizangara. É-lhe colocado um tradutor à disposição, e através do relato deste tomamos conhecimento dos fatos.

Entra-se num mundo de vivos e mortos, de realidade e de ficção, de feitiçarias e de sobrenatural, que passam por nós em personagens densamente construídos, do qual o feiticeiro Andorinho, a prostituta Ana Deusqueira, o padre Munhando, o administrador Estevão Jonas e a sua mulher Ermelinda, a velha - moça Temporina, o velho Sulplício, são apenas alguns exemplos...

O mistério torna-se maior. Os soldados da paz, morreram ou foram mortos? Com toda a sabedoria da Velha ??frica, Mia Couto mostra-nos, uma vez mais na ironia, no humor, no espírito crítico, na palavra cáustica, no recurso à metáfora e no simbolismo das frases, o seu absoluto domínio da escrita e da língua portuguesa, o conhecimento e o amor profundo que tem e dedica a esse belíssimo e atormentado continente, no magnífico romance, O Último Vôo do Flamingo.

PERSONAGENS:

Massimo Risi – Funcionário das Nações Unidas, italiano que veio a Tizagara investigar por qual razão os soldados da ONU estavam explodindo, ficando-lhes intatos somente o pênis.

Estevão Jonas - Administrador da vila de Tizangara, suas ações corruptas o levaram ao enriquecimento.

Narrador de Tizangara - tradutor de Massimo Risi e filho do velho Sulplício a serviço da administração de Estevão Jonas.

Chupanga – o adjunto do administrador.

Sulplício – velho pai do narrador de Tizangara.

Andorinho – o feiticeiro da Vila.

Ana Deusqueira – a prostituta da vila, que tinha uma sabedoria invejável.

Munhando – O padre de Tizangara.

Ermelinda – A mulher do administrador da Vila, amante do supérfluo, gostava de exibir suas jóias.

Temporina – era uma mulher de corpo belíssimo, mas com o rosto de velha. Ela tenta passar para Massimo as crenças africanas, segundo as quais os antepassados continuam vivos após a morte e interferem no mundo dos vivos.

Mãe do Narrador – A mulher que criou o mito do vôo do flamingo.

Momento histórico do Romance

O romance acontece no período pós guerra civil em Moçambique. Os soldados da ONU vão até lá para investigar o processo de paz e desmontar os dois milhões de minas terrestres colocadas em Moçambique durante a guerra civil de 1977 a 1992. Nesta época, que chega até o momento presente, antigos ativistas de esquerda que estão a comandar o governo, empreendem um jogo de poder, na maior parte baseado no favorecimento e na indiferença à cultura e ao povo de Moçambique.

A Linguagem do romance

Mia Couto apresenta um estilo de escrita que procura trazer as diferentes línguas do povo de Moçambique. O autor hibridiza ao máximo a língua portuguesa de Moçambique, pelo uso das palavras das múltiplas etnias do povo de Moçambique, (chanfuta, árvore – kufa mbalame, mata o pássaro; machamba, terreno agrícola, etc.)

O autor também cria vários neologismos.

Ao hibridizar, Mia Couto realiza o movimento de não desconectar as políticas lingüísticas das culturas que constituem as identidades de um país e rompe com a visão moderna em que o saber e a razão pressupõem a pureza e a gramática de uma língua.

O Foco Narrativo

O narrador de Tizangara diz: «Fui eu que transcrevi, em português visível, as falas que daqui se seguem. Hoje são vozes que não escuto senão no sangue, como se a suja lembrança me surgisse não na memória, mas no fundo do corpo. [...] Assisti a tudo o que aqui se divulga, ouvi confissões, li depoimentos. [...] Agora vos conto tudo por ordem de minha única vontade.» (p.9)

O romance aborda questões políticas, culturais, questões de raça e identidade, questões de colonialismo, questões lingüísticas, questões de ironia e questões feministas.


Natália Correia - à frente do seu tempo... - Por Maria Petronilho


Natália Correia - à frente do seu tempo...

Por Maria Petronilho

 Nasceu a 13 de Setembro de 1913, saiu da ingrata vida a 16 de Março de 1993

«Será preciso passar uma década sobre a minha morte para começarem a compreender o que escrevi. Sei-o porque o sinto. E vai ser a partir dos Açores que isso acontecerá.???

Natália Correia nasceu adiantada no tempo, para o anunciar, antecipar. Poetisa, dramaturga, romancista,, ensaísta, deputada, editora, pintora, tradutora, marcou a vida portuguesa, abalou os pés de barro dos deuses que atabafavam a cultura portuguesa.

Concebia, à semelhança de Teixeira de Pascoaes, «a poesia como uma profecia» e o «poeta como um profeta».
Na sua obra, celebra o ser humano como «andrógino» (recordemos o vocábulo que inventou, «Mátria»); o ser completo; uno e plural. O Desejado, o que contém a esperança e a resistência. Pedro e Inês, símbolos da paixão, da volúpia pela morte. Da Ilha, espaço do sagrado, da esfinge, da iniciação.

 Bate-se pela recuperação do excelso, do politeísmo, do feminismo, do barroco, do diferente. E pelo repúdio da crucificação, da massificação, do descontrolo demográfico... numa terra onde se morria de fome.

«Como atingir a paz com os olhos postos num só deus, se as guerras são fornecidas pela nossa fé na vitória sobre a fé dos outros?», interrogava, interrogava-se.

A participação política foi-lhe, desde muito cedo, uma constante. Introduzida nos círculos da Oposição (fase em que foi jornalista), depressa se destacou na luta contra a Ditadura, apoiando as campanhas de Norton de Matos e de Humberto Delgado. Após a Revolução dos Cravos, aceita ser deputada independente.

«Fui deputada porque me pediram para introduzir o discurso cultural no Parlamento». Utilizando como ninguém a riquíssima tradição cultural de escárnio e maldizer da nossa poesia. As causas, as pessoas do coração e do sonho, da fé, tinham-na do seu lado; as causas, as pessoas da manipulação, do utilitarismo, da serventia, conheciam-lhe a cólera, o chiste, a indignação... que fazia penetrar com mestria e elegância.


«Não me mato
Antes me zango
Até ficar um cato
Quem me tocar, maldito
Que se pique»

Glória te seja dada, Natália Correia, agora e sempre... enfim! 


 
Notas Biográficas de Natália Correia

Natália de Oliveira Correia nasceu em Fajã de Baixo, na ilha de São Miguel nos Açores em 13 de Setembro de 1923, e morreu em Lisboa a 16 de Março de 1993, foi uma intelectual, poetisa e activista social, autora de extensa e variada obra publicada, com predominância para a poesia. Deputada à Assembleia da República de 1980 a 1991, interveio politicamente ao nível da cultura e do património, na defesa dos direitos humanos e dos direitos das mulheres. Foi a autora da letra do Hino dos Açores. Juntamente com José Saramago, Armindo Magalhães, Manuel da Fonseca e Urbano Tavares Rodrigues foi, em 1992, um dos fundadores da Frente Nacional para a Defesa da Cultura (FNDC)

 A obra de Natália Correia estende-se por géneros variados, desde a poesia ao romance, teatro e ensaio. Colaborou com frequência em diversas publicações portuguesas e estrangeiras. Foi uma figura central das tertúlias que reuniam em Lisboa nomes centrais da cultura e da literatura portuguesas nas décadas de 1950 e 1960. Ficou conhecida pela sua personalidade livre de convenções sociais, vigorosa e polémica, que se reflecte na sua escrita. A sua obra está traduzida em várias línguas.

 Notabilizou-se através de diversas vertentes da escrita, já que foi poetisa, dramaturga, romancista, ensaísta, tradutora, jornalista, guionista e editora, tornou-se conhecida na imprensa escrita e, sobretudo, na televisão, com o programa Mátria, onde advogou uma forma especial de feminismo – afastado do conceito politicamente correcto do movimento — o matricismo —, identificador da mulher como arquétipo da liberdade erótica e passional e fonte matricial da humanidade; mais tarde, à noção de Pátria e de Mátria acrescenta a de Frátria.

 Dotada de invulgar talento oratório e grande coragem combativa, tomou parte activa nos movimentos de oposição ao Estado Novo, tendo participado no MUD (Movimento de Unidade Democrática, 1945), no apoio às candidaturas para a Presidência da República do general Norton de Matos (1949) e de Humberto Delgado (1958) e na CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, 1969). Foi condenada a três anos de prisão, com pena suspensa, pela publicação da Antologia da Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, considerada ofensiva dos costumes, (1966) e processada pela responsabilidade editorial das Novas Cartas Portuguesas de Maria Isabel Barreno, Maria Velho da Costa e Maria Teresa Horta. Foi responsável pela coordenação da Editora Arcádia, uma das grandes editoras portuguesas do tempo.

 A sua intervenção política pública levou-a ao parlamento, para onde foi eleita em 1980 nas listas do PPD (Partido Popular Democrático), passando a independente. Foi autora de polémicas intervenções parlamentares, das quais ficou célebre, num debate sobre o aborto, em 1982, a réplica satírica que fez a um deputado do CDS sobre a fertilidade do mesmo.

 Fundou em 1971, com Isabel Meireles, Júlia Marenha e Helena Roseta, o bar Botequim, onde durante as décadas de 1970 e 1980 se reuniu grande parte da intelectualidade portuguesa. Foi amiga de António Sérgio (esteve associada ao Movimento da Filosofia Portuguesa), David Mourão - Ferreira («a irmã que nunca tive"), José-Augusto França («a mais linda mulher de Lisboa»), Luiz Pacheco («esta hierofântide do século XX»), Almada Negreiros, Mário Cesariny («era muito mais linda que a mais bela estátua feminina do Miguel Ângelo»), Ary dos Santos («beleza sem costura»), Amália Rodrigues, Fernando Dacosta, entre muitos outros. Foi uma entusiasmada e grande impulsionadora pelo aparecimento do espectáculo de café-concerto em Portugal, na figura do polémico travesti Guida Scarllaty, o actor Carlos Ferreira, na época um jovem arquitecto de quem era grande amiga. Na sua casa, foi anfitriã de escritores famosos como Henry Miller, Graham Greene ou Ionesco.

 Natália Correia recebeu, em 1991, o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores pelo livro Sonetos Românticos. No mesmo ano foi-lhe atribuída a Ordem da Liberdade; era já detentora da Ordem de Santiago.

 Natália Correia casou quatro vezes. Após dois primeiros curtos casamentos, casou em Lisboa a 31 de Julho de 1953 com Alfredo Luiz Machado (1904-1989), a sua grande paixão, bem mais velho do que ela e já viúvo, casamento este que durou até à morte deste, a 17 de Fevereiro de 1989. (São já notáveis as cartas de amor da jovem Natália para Alfredo Luiz Machado.) Em 1990, tinha Natália 67 anos de idade, celebrou um casamento de conveniência com o seu colaborador e amigo Dórdio Guimarães.

 Na madrugada de 16 de Março de 1993, morreu, subitamente, com um ataque cardíaco, em sua casa, depois de regressada do Botequim. A sua morte precoce deixou um vazio na cultura portuguesa muito difícil de preencher. Legou a maioria dos seus bens à Região Autónoma dos Açores, que lhe dedicou uma exposição permanente na nova Biblioteca Pública de Ponta Delgada, instituição que tem à sua guarda parte do seu espólio literário (que partilha com a Biblioteca Nacional de Lisboa), constante de muitos volumes éditos, inéditos, documentos biográficos, iconografia e correspondência, incluindo múltiplas obras de arte e a biblioteca privada.




A evolução da Linguagem e a Gramática - Por: Daniel Teixeira


A evolução da Linguagem e a Gramática



Por: Daniel Teixeira

Os antigos discutiam muito sobre se a gramática seria «empeiria», isto é, experiência em acto, pura e simples, ou técnica (tecnhé), quer dizer, um complexo de regras, de noções, coordenadas por um critério e destinadas a preencher uma finalidade. Todos facilmente concordaram que Gramática era uma técnica e procuraram por conseguinte construir o respectivo sistema.

O carácter normativo que acompanha a prática do ensino linguístico tinha forçosamente de levar a esta definição do conceito de gramática como um complexo de noções destinadas a um fim. Pelo próprio facto de pretender pôr o discente em condições de se servir de um meio expressivo mais cuidado e aperfeiçoado, e portanto diverso em medida maior ou menor do que lhe era fornecido pelo ambiente natural imediato, esse ensino desenvolve-se através de aperfeiçoamentos que vão das particularidades de pronúncia e da propriedade lexical, à esquematização normativa da estrutura da frase e do período em que se desdobra a actividade discursiva.

A intenção didáctica surgiu, sem qualquer espécie de dúvida, da necessidade de compreender os valores semânticos escondidos em tantas fórmulas da poesia homérica, que, com o tempo, se haviam tornado incompreensíveis.

Nunca devemos esquecer que a consciência crítica acorda na Grécia em função da exegese e da compreensão dos dois poemas que se impõem à totalidade do mundo grego como a primeira nascente de todas as verdades ( Ilíada e Odisseia ).

Enquanto a aquisição da língua se desenrola no âmbito da «empeiria» (experiência), e tendo-a por guia a tal ponto que se processa o impulso da imitação instrutiva, desde volitiva a determinado sistema expressivo, surge a necessidade de uma norma na qual o acto linguístico possa encontrar a sua plena justificação.

Neste aspecto cumpre esclarecer um pouco mais aquilo que se pretende afirmar nesta parte do texto: o facto de a aquisição da língua se processar no domínio da experiência (empeiria) não implica que a referida experiência (imitação) não tenha por pano de fundo um processo consciente e racionalizado. Não confundir experiência com costume, embora as fronteiras entre uma e outro nem sempre sejam nítidas.

Aliás, no domínio da experiência (empeiria) podemos encontrar desde o processo coordenador das sensações a que Kant chamou de pensamento até à sensação simples, ou seja, sem qualquer processo de reflexão / comparação / dedução. Que a experiência, entendida neste plano, não é acto de razão, ou seja, acto filtrado pelo intelecto , parece-nos claro.

De reparar que a gramática, pelo menos a formalização da mesma através de regras mais ou menos fixas, é posterior ao começo da escrita e da fala. Em certo sentido pode entender-se que os gramáticos, inicialmente, mais não fizeram do que recolher e ordenar as regras espontâneas já existentes e através das quais se movia já a linguagem.

A assunção da gramática, como facto definido e determinado, não nega a existência de uma gramática espontânea. O mesmo aspecto pode encontrar-se na linguagem gestual: ou seja, ela existe enquanto tal e contém em si já algumas regras que, ainda que não totalmente descritas ou fixadas, acabam por funcionar como parâmetros mínimos sistematizadores da linguagem gestual: a uns parâmetros e aos outros referidos atrás chamam-se parâmetros naturais.

A sistematização gramatical surge, assim, por necessidades didácticas. Não se pode ensinar ou aprender algo que não contenha em si um sistema seguro e a gramática esclarece a funcionalidade do sistema, fixando-o no esquema ideal, e todavia real, da norma.



JORNADA CREPUSCULAR - Por Mário Matta e Silva


JORNADA CREPUSCULAR - Por Mário Matta e Silva

Crónica a Bocage



Só nas memórias te encontro Bocage

Vem de veludo vestido o crepúsculo que desce sobre nós em traços de ouro fino, em ondas de volúpia, e vai escurecendo tão lentamente que o sol se apressa a esconder atrás de uma nuvem mais aveludada ainda e mais macia.

Parado, à porta de um café conhecido de Lisboa, imobilizo ali comigo a memória, que arrasta tempos, datas, pessoas, que o passado devorou, sem comiseração dos nossos semblantes pesados e das rugas insistentes, que se cruzam na pele que o tempo crestou.

Tinha acabado de ver de novo a estátua imponente de Bocage, ali dentro do Nicola, e este imortal poeta de Lisboa desventrada e crua, traça-me caminhos percorridos, com a gravação a ouro velho do seu nome, que em tertúlias poéticas, lança o brilho dos seus cristalinos desabafos, em poesia, e sempre, sempre aquele murro no estômago feito de polémicas, que em sua memória sabem a liberdade.

O vento sopra fino e áspero nas minhas faces enquanto se dá a jornada crepuscular que me leva até a esse poeta de olhos doces, gingão mas altamente arrojado. Muitos dizem que o conhecem, mas vão-lhe buscar apenas a primeira faceta, a de gingão, esquecendo-se que foi dos primeiros, que, arrojadamente, em pleno Despotismo (Absolutismo) arrancou gritos de apelo à liberdade, à igualdade, à fraternidade.

O nosso Vate Sadino, como não se esquece de lembrar a amiga Maria América Miranda, trás em uníssono aqueles que conhecem bem o Bocage dessa estirpe de homens que antes quebrar que torcer…

Ouve-se um trovão, aclara-se o fim de tarde com um relâmpago breve mas respeitável, e chove miudinho, em pleno tombar da bruma crepuscular… então ocorre-me a tertúlia no átrio do Teatro D. Maria II, as discussões que dela saiam, os poemas que se diziam a meio das tardes, sempre na euforia dos enaltecidos rompantes bocageanos.

Rio-me ao puxar pela memória, pois nela registei também os espectáculos, em nome e homenagem a Bocage, e organizados por essa mesma tertúlia, no padrão dos descobrimentos, que traziam o Vate Sadino pelos caminhos da decência, enquanto, pelas livrarias e bibliotecas continuava a ver coisas horrorosas sobre pouco mais do que as anedota do mesmo Poeta (diga-se até que algumas lhe foram convenientemente atribuídas).

Velhacarias, penso eu, de quem só sabe ver o lado escuro dos sobejados dias que caem, que nem morfeus, nos braços tépidos das diáfanas crepusculares de Setembro (mês em que Barbosa du Bocage nasceu).

Passaram anos, tempos que nos separam ou aproximam, em grupos de debate, tertúlias de poesia, várias e animadas, e voltamos de quando em vez a esse romântico, arremessado à devassa pela maldade, dos que fazem dessa figura delgada e pálida, exaltado e corajoso, metido a ferros, por apelo às liberdades, as piores acusações.

Ainda não há muitos meses uma série televisiva dava, sobre a vida de Bocage, o golpe de misericórdia, não só nesse exemplar poeta, mas até numa sociedade inteira, dos finais do Século XVIII, mostrando só depravação, imoralidade, ruelas de entulho, de bêbados, de prostitutas, de devassos etc… como se fossemos crivados por um certo fado feito de «orgulho» balofo, enfiado na imundice de Lisboa.

Que foi dos primeiros arautos do romantismo e das liberdades não se falou, e nem se enalteceu o motivo mais próximo que esteve na base das acusações que lhe foram feitas por Pina Manique, até o encarcerarem no Limoeiro.

Só nestas memórias te encontro Bocage, num abraço fraterno, orgulhoso de ti! O crepúsculo, esse, visto também pelo seu lado menos risonho, é um manto aveludado mas escuro que nos engole…e a maldição dos homens também!



terça-feira, 14 de abril de 2015

O POLITICAMENTE (IN)CORRECTO - Por Manuel Fragata de Morais


O POLITICAMENTE (IN)CORRECTO

Por Manuel Fragata de Morais



Se alguém te enganar uma vez, a culpa é dele;
 Se te enganar duas vezes, a culpa é dos dois;
 Se te enganar três vezes, és o único culpado.
 (Ditado popular alemão)

O conceito do politicamente correcto ainda é relativamente novo entre nós, para não dizer quase desconhecido. Já corrigimos algumas posições, chegamos aos deficientes físicos em vez de aleijados, já dizemos com deficiência visual e invisuais, em vez dos cegos. E um passo que abre o caminho a novas reflexões, que poderão levar à alteração no nosso uso da linguagem, e não só, em relação ao próximo.

A medida que as sociedades evoluem, assim evoluem os conceitos, as tradições e a visão que fazemos do mundo e do nosso lugar nele. O que em outra hora levou cientistas à fogueira ou à renúncia pública das suas convicções, são hoje leis reconhecidas da física, da astrofísica, da física quântica, da matemática, etc. Todavia hoje, no terceiro milénio e no século XXI, ainda encontramos conceitos, frases soltas, palavras que, de tão banalizadas, não ferem a nossa sensibilidade de humanos, de cristãos, ou puramente de pessoas de fé e da fé, seja ela qual for.

Quero hoje falar-vos de uma dessas aberrações, ligada à cor da maioria das pessoas do nosso continente, ou seja, a negra, e que nos passa despercebida, nestes dias do politicamente correcto. O dicionário que consultei, traz 26 palavras com o radical negro, e delas, uma ou duas únicas não contêm a conotação negativa, o conteúdo pejorativo. Não vou aqui mencionar todas, mas sim algumas daquelas que nos são mais conhecidas e aceitáveis e que, por esse facto, nos tornaram cegos face a nós mesmos, independentemente da coloração da nossa epiderme.

Para começar, quem não tem na família uma ovelha negra? Para nós, aqui em Africa, pela razão epidermicamente inversa, faria muito mais sentido termos uma ovelha branca na família quando o parente não encaixasse, não é?

Quem de nós nunca esteve, ou está, numa lista negra, por aquilo que pensou, que disse, fez ou que escreveu? Acho que, neste caso, a lista deveria ser da cor do papel em que foi elaborada ou, para os mais artísticos, às bolinhas azuis com riscas castanhas.

Quem nunca ouviu falar das famosas caixas pretas dos aviões, mesmo sendo elas de facto amarelas?
 Quando necessitamos de trocar o dinheiro em situações que nos são mais avantajadas, não vamos fazê-lo no mercado negro, quer seja na Mongólia quer na Patagónia?

E quando a vida nos cria situações que só são o resultado da iniquidade ou da falta de sorte, não corremos lestos para o mestre kimbanda as eliminar recorrendo à magia negra? E se o técnico mestre falha, não ficamos frustrados numa danada de maré negra?

Por fim, o diabo, o demo, o belzebu, o satanás, embora a tradição cristã o apresente como um chifrudinho vermelho vermelhinho até ao enroscado rabo, é geralmente tido como negro. E o pecado, sua mais vistosa arma, assim o sendo de igual modo.

Foram pois estas, a nível do pensar e da expressão, parte das mensagens subliminares que determinada civilização criou para impor durante largos séculos sobre outras mais beneficiadas com melanina, seus vários ditames.

Estamos na era do politicamente correcto, para além da própria tomada de consciência, para se começar na família, nas escolas, nas igrejas sobretudo, enfim, em todo o lugar, a irradiar esses conceitos e atitudes, sem receios.

As únicas situações que conheço, e não digo que não haja mais, em que radical negro é usado positivamente, são a negritude, como corrente ideológica e cultural surgida modernamente entre os povos negros africanos, de luta contra a opressão colonialista e de valorização da civilização africana, enfim, do mundo negro em geral.

Os que trabalham com números e contas sabem que contabilisticamente estar no preto é óptimo (to be on the black), já que quando há insolvência está-se no vermelho, pois esta é(ra) a cor da tinta que se usa(va) para o efeito.

E, finalmente, como estou a fazê-lo aqui, pôr o preto no branco sobre o que penso desta questão, negritando-a a fim de que sobressaia.



 Publicada por FRAGATA DE MORAIS


Do livro de Crónicas Memórias da Ilha




Prosa poética de Joaquim Nogueira


Prosa poética de Joaquim Nogueira



 ... A MEDIDA DO AMOR; … o tempo demasiadamente lento; …Em frente ao espelho da cómoda do teu quarto 



... A MEDIDA DO AMOR



...um dia, há milénios passados, perguntei se amar tinha medida, ou peso, ou tamanho; nessa altura, a minha caminhada ainda era prematura e ainda muito «verde» nos caminhos da vida… e nunca ninguém me soube responder e eu, ainda que repetindo a pergunta muitas vezes, nunca sabia «como» amar; se amar deste tamanho, se amar com este peso, se amar de determinada forma ou feitio… se amar tivesse medida eu queria amar com o máximo que ela tivesse...

um dia, há milénios passados, deixei de me preocupar com a forma, com a medida do Amor; pela simples razão de que, durante toda a minha demanda, jamais houvera encontrado essa mesma bitola, essa fita métrica ou essa balança... e foi nesse momento, quando deixei de procurar como é que deveria Amar, de que forma é que deveria «usar» o Amor (como que fosse um componente para se fazer um bolo), que eu descobri que o Amor não tem medida...

o Amor jamais se pode medir, o Amor apenas, é... é amando, é dando-nos completamente numa entrega absoluta, que se consegue amar... e quem o conseguir fazer, para além de tudo o que possa transmitir aos outros, será ele mesmo, uma pessoa inteiramente feliz... não, não amo muito... não, não amo com todas as forças da minha alma... não, não enlouqueço...
 ...amo, apenas...

 

 … o tempo demasiadamente lento

 … o tempo demasiadamente lento… as horas e os dias demoram eternidades… sente-se a pressa e as saudades… é preciso que as horas voem… é preciso que a manhã do dia seguinte surja rápida com a certeza de mais um dia que passou… é menos um dia na contagem voraz de quem sente desejo de um novo encontro para sentir a tal paz…

a serenidade do abraço que nada tem de sereno mas de forte, de pura ternura e ao mesmo tempo de paixão… rege-se então a dádiva da presença… gostosa… imensa… e os corpos se abraçam num rodopiar sem fim, num beijo prolongado, doce, com sabor a jasmim… e a ternura e o amor não termina ali… prolonga-se na alma do sentir que se ama… perde-se então a noção do tempo que se ganhou na espera…

é um momento mágico aquele em que enlaçados, deixamos de ser o que somos para passarmos a ser o beijo de um tão doce e eterno desejo…

 

 …Em frente ao espelho da cómoda do teu quarto

 ...Em frente ao espelho da cómoda do teu quarto, sentada num banquinho forrado a tecido de cortinado vermelho, penteavas os teus cabelos, num ritual que funciona mesmo sem dares por isso… a escova passava ora uma, ora duas vezes, de cima para baixo e alisava os teus cabelos sedosos, cor de mel e de marfim… brilhavam no espelho e te revias momento a momento numa expectativa de mudança, o que não acontecia pois não podias ficar mais bela do que aquilo que já eras… a beleza em ti não residia nem morava … era!…

A tua camisa de noite, acetinada bege, de rendas sobre o peito alvo de seios firmes e redondos, deixava transparecer a cor da tua pele suave e doce ao olhar sem ser preciso tocar… a tua cama de lençóis de prata, aguardava o teu corpo numa ânsia sensual de quem à noite, só, te espera num desespero de intocabilidade… e tu, demoravas…

da cómoda tiraste um frasquinho de perfume e te ungiste com ele o que provocou um agradável respirar a todos os móveis que te rodeavam… e a tua cama, ansiava pela tua presença… e o teu corpo demorava a conceder-lhe esse desejo… levantaste-te de frente do espelho e te miraste novamente de corpo inteiro e gostaste da tua imagem alva e bela naquele quarto iluminado pela tua presença… olhaste de soslaio e sorriste… sentaste-te na beira da cama e esta suspirou docemente perante a antevisão de que breve te possuiria…

Tiraste os teus pezinhos leves de dentro dos chinelos de cetim vermelho, levantaste um pouco o lençol e te entregaste total e lentamente ao prazer de estender do teu corpo e da entrega final ao teu leito… a tua cama nem sequer se moveu… aquietou-se para não te perturbar, para que não te arrependesses daquilo que acabaras de fazer, com medo que te levantasses e ela te voltasse a perder… a tua cama inspirou baixinho a fragrância do cheiro da tua pele e deixou-se ficar aguardando o teu próximo movimento… deitada de bruços te deixaste finalmente ficar e tua cabeça leve pousada de mansinho na almofada, arfava lentamente o teu respirar de prazer por mais uma noite de descanso e de sonhos…

Teus olhos semicerrados viram a lâmpada acesa e teu braço se estendeu ao interruptor da mesinha de cabeceira para a desligares... os teus movimentos eram propositadamente lentos para que o tempo demorasse ainda mais do que aquele que já existia… e a tua cama sentia… na obscuridade do teu quarto, teus olhos semicerrados olharam o tecto e se fixaram na sua alva cor que permitia uma réstia de luz no meio da escuridão… olhaste a janela e pelas frinchas da persiana, divisaste a luz cinzenta duma lua crescente… avizinhava-se uma noite de lua cheia e teu corpo descansou por um momento…

a tua cama então suspirou e te abraçou fortemente… em suas mãos te acabavas de entregar… e o sono chegou…. adormeceste… não sei mais o que se passou… a noite decorreu, teu corpo diversas vezes se moveu… a tua cama não se movia, com receio de te acordar... abraçava-te sempre para não te deixar fugir… sentia-te sua e possuía-te num sonho imenso de impossibilidade, de impotência, de raiva, por não te conseguir ter tendo-te ali… tua mente adormecida, movia-se e sabia-se que sonhavas… a tua cama te tinha ali, indefesa, sozinha… sonhavas e eu aqui, nada mais te pedia… nada mais desejava… queria apenas ser o teu sonho…




Estudo do Livro «Memórias Póstumas de Brás Cubas», de Machado de Assis.


Estudo do Livro «Memórias Póstumas de Brás Cubas», de Machado de Assis.

 

 Arlete Deretti Fernandes



 A forma errática e o olhar de classe.

- Brás Cubas, era filho de uma família que não era nobre, mas se fez de nobre. Voltado às aparências. Tinha a mentalidade da classe aristocrática: - Queria subir e ser deputado.

 Eugênia, significa a sociedade da época.

-E é preciso saltar fora da visão de Brás Cubas personagem, senão ficamos restritos. Necessário é interpretar o que Machado quer dizer e aonde quer chegar. Este livro traz uma extraordinária percepção psicológica e sociológica em relação à sociedade do século XIX.

 Memórias Póstumas de Brás Cubas, é considerado o primeiro grande romance da Literatura Brasileira, e, a primeira Obra Prima do século XIX, segundo Roberto Schwarz.

 Este romance quebra radicalmente com as formas do romance romântico e também naturalista. Quem ousou até então escrever um capítulo como o LV, «O Velho Diálogo de Adão e Eva»?

Machado não é linear neste romance, segue a forma ziguezagueante. Os episódios são difusos e fragmentados. São sub - enredos, várias histórias numa só. Ele diz que seu estilo é ébrio. São capítulos curtos, alguns de resistencias. Quebra com a verosimilhança.

 O texto é todo quebrado, não tem começo nem fim. O primeiro capítulo já é o óbito do personagem. O leitor comum do século XIX muito deve ter estranhado. Machado quer reinventar o mundo e rompe com uma tradição da época.

 A Sátira menipéia é um gênero clássico antigo, mas marginal, as sátiras misturam prosa e verso. Machado leu esta tradição marginal do Ocidente em Satiricon. Esta sátira foi um de seus pontos de apoio.

 Brás Cubas é o narrador, personagem da classe dominante, que espezinha os outros. Machado tem uma grande necessidade de brincar com o leitor, de explicar. Logo no primeiro capítulo quer se distinguir de Moisés, da Bíblia, dizendo que será mais original que o Pentatêuco.

 O narrador vai tendo variações em seu personagem de primeira pessoa, ora é sério, ora é irreverente. Ora é cínico e tem uma intimidade com o leitor, até o desrespeita quando vai alterando o personagem que compunha na frase anterior, como se fosse uma «volubilidade narrativa». Este romance tem vários sub-enredos, na forma de pequenos contos intercalados e unidos pela memória do defunto.

 Em 1814 ocorre o episódio com a empregada de Virgília, dona Plácida. Esta acabou sendo alcoviteira e morreu na miséria. O pai queria que se casasse com Dona Virgília porque esta era da alta sociedade.

 Euzébia era a mãe de Eugênia e conservou sua dignidade até o fim.

 O negro Prudêncio era um escravo que serviu de cavalo para o menino, e mais tarde conta a Brás que a mãe de Eugenia mora ali.

 Prudêncio foi alforriado por Brás. Este, um dia o encontra livre, mas conta a Brás que comprou um escravo para si e o maltrata, descarregando o que fizeram para ele, representando aí a sociedade contaminada pela escravidão.

 No capítulo sobre O Rei dos Tártaros, parece incompreensível, mas significa que o Brasil usou tanto a escravidão que se contaminou.

 Marcela, era uma menina bonita e pobre, que vivia da prostituição. Primeiro explorou Xavier, depois Brás. O sistema fazia com que Marcela se prostituísse.

 Eugênia, começa no capítulo XII, «filha da moita», de família pobre, morre na miséria. Seu defeito social aparece como físico, no romance.

 Há um absoluto cinismo no capítulo das botas, quando Brás se livra de Eugênia.(as botas apertadas); A borboleta era preta, se fosse azul, seria diferente.

 Lobo Neves, Cotrim e Brás representam a camada superior.

 No capítulo XXI, denominado «O Almocreve», Brás Cubas se torna um representante típico da classe dominante brasileira, revelando aí seu caráter: - Qualquer coisa satisfaz a quem está abaixo.

 No capítulo XVII e XVIII, entra Virgília . Ela é comparada a uma borboleta azul. Machado vai intercalando estas histórias. Organiza este romance de forma solta, não sabemos se é cinismo ou brincadeira.

 Este romance é escrito sob a visão dos proprietários, dos opressores, mas com a intenção de mostrar o mal que exercia a classe dominante sobre os dominados. O personagem Brás Cubas faz um uso brutal das pessoas, é uma figura cruel e bárbara. O mundo da dependência e do favor é de todos os momentos, é o dia complicado da população. Segundo Schwarz, «um enredo sem culminação, que caminha em direção ao cansaço».

Não são fatos notáveis, com pouca individualização, o que também é um traço especial na modernidade de Machado de Assis.






Valores reais - Daniel Teixeira


Valores reais


Daniel Teixeira


Este titulo e uma parte do texto / argumento é «emprestado» pela nossa amiga e colaboradora do Jornal Raizonline, Renata Rimet, residente na Baía (desculpem lá escrever à portuguesa) e que tem um poema precisamente com este titulo colocado de forma poetizada.

Peço desculpa de não ir agora ver qual a forma exacta utilizada por ela mas esse poema foi publicado no jornal e o que me interessa aqui (para além de plagiar pelo menos parte do título e a ideia de parte do seu conteúdo) é fazer a destrinça que ela faz no seu poema de uma forma mais alongada.

Como sabem não sou poeta nem sintético: poeta gostaria de ser mas ser sintético / sumarizador já é outra coisa e francamente não vou mudar, provavelmente nunca.

O poema da Renata retrata um assalto a um autocarro (não me lembro como se diz no Brasil e estou mesmo atrasado neste texto e não dá para andar a fazer pesquisa - aliás tenho horror ao termo, parece-me que é onibus...

Bem, continuando: no referido assalto o autor do mesmo não leva nada dos valores que quer, mas rouba, segundo a Renata - e com toda a razão - sentimentos às pessoas. Intimidade exposta (quer dizer aquelas coisas que por vezes se levam nas malas ou nas algibeiras ou nas mochilas e que fazem parte da nossa intimidade e que não gostamos que os outros vejam), devassa dos nossos pertences (algumas coisas compradas nos chineses aqui em Portugal, por exemplo e que são conotadas com a penúria pessoal por as termos comprado, o que é paradoxal, mas já veremos isso).

Bem, o que está em causa na descrição poética da Renata é o facto de uma determinada atitude ou comportamento (neste caso um assalto à mão armada ainda por cima) trazer prejuízo a quem o sofre mesmo que não traga, como não traz, vantagem ao outro ou ao criminoso - neste caso.

Pois por mais estranho que lhes possa parecer e tomando a posição do outro (sem crime como é claro) eu posso não obter nada do que quero, retirar (comprando) a outro algo, mas, por uma posição de escala de valores isso não me servir para nada ou para muito pouco.

Se fizerem uma viagem com os olhos - não precisam mexer-se do sofá - verão à vossa volta pelo menos dezenas de coisas que não servem absolutamente de nada e nem sequer já para regalo da vista, como foi o caso daquele pote chinês que se comprou quase compulsivamente num dado dia, que se adorou durante uma semana ou um mês e que acabou por ser arquivado no nosso circuito de atenção.

Pois a sociedade de consumo é assim: as coisas são compradas (e não roubadas (!); a Renata aqui entra de férias neste texto) muitas vezes por impulso. A nossa necessidade natural de novidade, de ver ou fazer diferente, é excessivamente explorada pela nossa envolvência, seja ela comercial ou não.

Depois existe também uma tendência também quase natural para seguir e por vezes perseguir o outro: na minha infância por exemplo lembro-me bem que as coisas desejadas, mesmo de melhor qualidade, se enquadravam quase sempre no necessário: quer dizer, comprar uma mobília ou um colchão melhor, um sofá, uma televisão com um ecrã maior (naquele tempo - agora é com maior fidelidade de imagem), enfim...mesmo que já houvesse uma descolagem do reino do aperfeiçoamento do necessário ameaçando a descambada no supérfluo, ainda havia uma relação com a base que se foi depois afastando progressivamente. Agora andamos constantemente de avião, neste plano...

Perseguir o outro foi a fase seguinte à fase primitiva: começámos a desejar não só o que nos fazia falta como começámos também a desejar o que fazia falta aos outros (vizinhos, familiares, meros conhecidos e os meros desconhecidos que colocavam coisas nas montras - todas elas apetitosas diga-se).

Ficámos assim despojados dos valores reais, dos reais valores, com os quais ainda temos alguma ligação que muitas vezes falseamos oportunistamente: uma coisa não nos faz falta mas dentro das caves do nosso raciocínio encontramos presto para ela uma «utilidade». Esta estante ficava mesmo a matar ao lado da outra que temos naquela  nossa cave onde só vamos duas vezes por ano para borrifar o insecticida.

Breve...temos, de uma forma geral, e descrita de forma exagerada como se requer, uma necessidade grande de «comprar», de ter novo ou diferente...

Ora, sem que isto se aplique senão de forma abstracta, porque razão não direccionamos nós esta forma de desejar para aquilo que mesmo sendo considerado por vezes supérfluo, faz de facto também falta, como a cultura (?) ...

Porque aceitamos (generalizo de novo) melhor um novo modelo de automóvel do que um filme bom? (que até sai bem mais barato...).

Bem, no fundo todos sabemos porquê: é mais fácil encontrar um plasma numa casa relativamente degradada do que uma estante de livros: um é um símbolo de poder o outro é um símbolo do saber e o saber já não se usa. Usa-se a esperteza e essa compra plasmas, carros ultimo modelo e tudo o resto.

Por isso (mas não só por isso) estamos como estamos um pouco por todos os lados deste nosso planeta. A esperteza no entanto é um «bem» de carreira curta, sempre o foi e os espertos nunca acreditaram nisso e ainda não acreditam.

Daniel Teixeira






sábado, 11 de abril de 2015

O Fantasma Caminhante (Conto) - Por Arlete Piedade Louro


O Fantasma Caminhante (Conto)

Por Arlete Piedade Louro

Numa terra muito distante, bem ao norte da velha Escócia, no pico mais alto de uma montanha gasta pelo tempo e erodida pelos temporais que chegavam do mar do Norte, erguia-se um castelo sombrio de torres altaneiras e espectrais.

Não se sabia se o castelo era habitado, nas montanhas em redor não havia ninguém que o pudesse saber, mas velhas lendas passadas por tradição oral de pais para filhos, relatavam que era assombrado por fantasmas como aliás todo o castelo escocês que se preze.

Constava que há centenas de anos, quem sabe até milénios, o castelo era habitado por um orgulhoso conde, senhor de todas as terras em redor, até ao mar a norte, a ocidente e oriente, e até á grande cidade a sul.
 
Dizia-se que ele era rebelde e de cabelos vermelhos, e que os seus antepassados tinham chegado pelo mar, da terra dos Vikings.
Um dia uma princesa infeliz chegou àquelas paragens, para curar seus males de amor e esquecer um casamento imposto por conveniências da corte real e o seu séquito ficou alojado no castelo do nobre senhor.

Seguiram-se passeios e cavalgadas, pelas terras selvagens e cobertas de urzes até ao mar, em que a infeliz princesa era acompanhada pelo Senhor do Castelo, com um pequeno séquito que os seguia até que um dia, o conde dispensou o séquito, alegando que não havia qualquer perigo naquelas paragens solitárias.

Oito meses depois de a princesa ter regressado á corte a chamado do seu marido, o príncipe, nasceu um principezinho, que foi nomeado herdeiro da coroa e a seu tempo foi aclamado rei de todas aquelas nações. O velho senhor do castelo diz-se que desesperado e solitário, cavalgou até ao mar e partiu no seu barco viking para Norte, em direção á terra dos seus antepassados, e nunca mais foi visto.

O rei que alguns diziam muito em segredo, ser filho bastardo do senhor do castelo, um dia passados muitos anos, depois da morte de sua mãe, veio em peregrinação conhecer os locais onde a sua mãe reencontrou a felicidade, mas o castelo estava deserto e só em noites em que a neblina vinda do mar, cobria os vales, se dizia que um fantasma era visto caminhando sobre as névoas em direção ao castelo.

O rei ainda subiu á mais alta penedia, no pico a sul do castelo, numa noite enovoada, o seu cabelo vermelho resplandecendo na escuridão, molhado pelo nevoeiro, mas o fantasma não apareceu.

Todos os anos o rei regressava nas noites de neblina, mas os negócios do reino, eram mais urgentes até que desistiu de encontrar o velho fantasma, que no entanto, dizem os raros habitantes, ainda pode ser visto em certas noites caminhando sobre as névoas.

Arlete Piedade Louro

Portugal.



O dono do "Bazar do Waldomiro" e a duplinha sertaneja iniciante...


O dono do "Bazar do Waldomiro" e a duplinha sertaneja iniciante...

Por Se Gyn

É lugar comum, dizer que Waldomiro Bariani Ortêncio, paulista de nascimento e, goiano por afetividade, é hoje uma das sumidades intelectuais do estado de Goiás.

Em sua interessante biografia, encontram-se a adolescência no setor de campinas (onde o pai se estabeleceu e, tinha uma serraria), a passagem pelo time do Atlético Esporte Clebe, a carreira de empresário, que começou com uma loja que acabou virando uma cadeia de loja de discos - o famoso Bazar Paulistinha - espalhada, por Goiânia e, Brasília, a experiência de radialista na Rádio Clube de Goiânia, a experiência como compositor e, depois, a consagração como uma figura proeminente, dedicada à literatura, como escritor, filólogo, e pesquisador.


A importância dele no mercado regional de gravações, pode ser medida pela sua citação, em gravações de músicas do homem do campo. Conheço pelo menos duas músicas sertanejas que fazem referência à sua figura: "Pagode em Brasília", cantada pela dupla Tião Carreiro e Pardinho - e, talvez uma das peças mais famosas e, divulgadas de seu repertório e, "Saudades de Goiás", cantadas pela dupla Belmonte e Amaraí.

Na primeira, da autoria de Teddy Vieira e Lourival dos Santos, os versos de referência são estes": "No estado de Goiás meu pagode está mandando/ O bazar do Vardomiro em Brasília é o soberano/ No repique da viola balancei o chão goiano/Vou fazer a retirada e despedir dos paulistano/ Adeus que eu já vou me embora que Goiás tá me chamando.", referência explícita à pioneira abertura de uma filial do "Bazar Paulistina" na capital federal.

Na outra referência, dizem as duas primeiras estrofes da belíssima canção composta por Goiá e Zilo: "Goiás é saudade em tudo que falo/ Às vezes me calo por essa razão/ Mas o Valdomiro Bariani Ortêncio/
Rompeu o silêncio do meu coração/ Porque em seu livro “Sertão Sem Fim”/ Mandou para mim recordação. Em seus personagens eu vi os goianos/ Que há quase dez anos não posso mais ver/ A grande saudade bateu em meu peito/ Não tive outro jeito se não escrever/ Humilde mensagem á terra querida/ Que nunca na vida irei esquecer."

A referência da segunda peça musical, não carece de muitos comentários, pois se refere já ao tempo em que ele mergulhou com êxito no mundo da literatura, falando de um romance publicado pela editora UFG, que o consagrou.

A primeira referência talvez seja interessante, pelo fato de que fala do período anterior, quando era um empresário que se dedicava ao comércio de discos, na região do centro-oeste do Brasil (do que decorria o profundo respeito e relacionamento com a turma da música sertaneja).

Eu, por exemplo, só soube da verdadeira importância e influência de Waldomiro Bariani Ortêncio no ramo, depois de ouvir umas histórias contadas pelo Dalmi, remanescente da dupla Sinval e Dalmi e, que é um membro da Orquestra de Violeiros do Estado de Goiás, atestando o quanto a formação do mercado de música sertaneja regional deve-se à atuação dele no mercado e, na sua vontade de colaborar com os músicos iniciantes.

Disse ele, que bastava uma dupla levar um cartão de recomendação do" Waldomiro" para São Paulo, que as gravadoras, confiando no seu tino e faro, chamavam as duplas sertanejas para gravação.

E aí me contou uma história muito engraçada, sobre o começo da carreira da sua dupla.


Depois de mudar-se para Goiânia, encontrar o parceiro ideal, afinar as vozes e execução dos instrumentos (sanfona e violão) e, prepapar um repertório para gravação do primeiro disco, Dalmi foi até o Bazar Paulistinha da Avenida 24 de Outubro pedir ao influente empresário que desse uma força, recomendando os dois, para a gravação do primeiro e sonhado disco - o Sinval, segundo ele me disse, era meio tímido para essas coisas, só indo mesmo ao Bazar para flertar com a  bonita e simpática gerente.

Depois de alguma exitação, Bariani deu um cartão a Dalmi, que tinha o seguinte e, breve texto, no verso: "Ao fulano da gravadora tal: ouça a dupla e, se puder, grave".

Pegaram o cartão e, se mandaram para São Paulo, levando na mala o repertório de músicas de "dor de cotovelo - muito em moda, na época", para exibir e, acabaram voltando com a notícia do disco gravado.

Chegando em Goiânia, Dalmi caprichou no penteado e no visual e, bateu para o Bazar Paulistinha com uma "prova" do disco debaixo do braço, onde pediu pra colocar para tocar. Daí, abordou o Bariani, inquirindo-o, com o seu sotaque interiano: "Hein?, Wardumiro, quantos discos da nossa dupla cê vai pedir pra gravadora, pra  ajudar?"

Bariani, não devia estar num bom dia, e só respondeu: "Eu? Esse disco aí? Não vou pedir cópia nenhuma..."

Que situação aquela. Depois de lutar para gravar o disco sonhado, a dupla não teria como vender o disco gravado, nem ter a divulgação da principal loja de discos de região centro-oeste.

Mas, passandos uns dias, Dalmi descobriu que um outro empresário estava abrindo uma loja de discos bem em frente ao mercadinho central da campininha, levou a "prova (uma cópia rudimentar, do disco)" para tocar e, logo, algumas pessoas pararam na porta, perguntando de quem era a música que tocava. E o tal empresário pediu uma remessa de 50 discos da gravadora - mas, o disco de "prova" teve que ficar, para a promoção.

Quando a encomenda chegou na loja, os discos foram vendidos em uma semana. E uma nova encomenda de mais 200 unidades foi feita.

Logo, uma das faixas já estava sendo executado pelas rádios de Goiânia, nos programas sertanejos.

Dias depois, Sinval e Dalmi, satisfeitos da vida, foram até o Bazar Paulistinha, que era um lugar onde o pessoal do mundo da música ia, para saber das novidades e, bater um papo. Na chegada, Sinval já bateu o umbigo no balcão, para prosear com a gerente e, ela virou-se imediatamente para o dono do estabelecimento, dizendo:

" - Ô seu Waldomiro, como é que faz? O povo não para de procurar o disco dos meninos aqui e, uma das músicas "tal não para de tocar nas rádios..."

E ele, respondeu, ríspido: "Ah, tá bom, tá bom! pede duzentas cópias desse disco aí!" E, encerrou o assunto.

Mais de quarenta anos depois de acontecido o fato, me contou o Dalmi que havia encontrado o amigo Bariani Ortêncio e, ele o havia convidado para a festa de seus 70 anos, exigindo, entretanto, que ele e outro levasse o acordeon, para animação da festa.

No meio de uma conversa, falando da vida, das coisas passadas e do tempo que transcorreu, Dalmi recordou essa história para Bariani, que, diz ele, ficou meio sem jeito e, respondeu:

"- Não Dalmi! Eu não fiz isso com sua dupla, não..."

E Dalmi, rindo, confiando na cumplicidade de quem se tornara admirador e amigo, confirmou:

"- Fez. Fez, sim!..."
............................
Depois de ouvir essa história, fiquei aqui pensando quantas histórias e informações interessantes devem haver resultantes dos relacionamentos e amizades deste grande escritor com o mundo da música sertaneja, e com os seus bandeirantes...

Se Gyn