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domingo, 28 de junho de 2015

Crónicas da Minha Terra - Por Arlete Piedade - Festa na Aldeia


Crónicas da Minha Terra

Por Arlete Piedade

Festa na Aldeia

 
(Nota: Este texto foi escrito recordando as festas populares da minha aldeia, que animaram a minha infância e adolescência, e que recordo como os momentos mais felizes e animados, que durante todo o ano esperava ansiosamente).

Pouco passava das sete horas da manhã e já estalavam foguetes no ar, uns a seguir aos outros, fazendo um barulho infernal que deixava todos os habitantes da aldeia em alvoroço.

São as tradições da terra, amigos! – Temos que saudar o dia que chega com muitos foguetes para os vizinhos das outras aldeias virem todos para a festa e trazerem muitas ofertas para o Santo! – Esclarecia o dono da casa, sorridente, para os seus espantados convidados que tinham acordado assustados.

- Ofertas para o Santo? Para quê? – Perguntaram os dois convidados que tinham chegado na véspera de Lisboa e queriam saber todas as tradições da aldeia, para poderem comparar com as da sua terra.

- O Santo da aldeia é o S. Silvestre! – Respondeu o anfitrião, que acrescentou:
 - O santo protege os animais contra as doenças e os donos dos rebanhos vêm com as cabras, ovelhas e vacas dar umas voltas á capela, para agradecer a protecção do santo!

- Que engraçado isso! E que música é esta que estamos a ouvir a aproximar-se? – Perguntaram os dois amigos, que adoravam musica.
 - Ai meu Deus! – Deve ser a banda que já aí vem, com os festeiros para levantarem a oferta! – Exclamou o amigo, com um ar de aflição que fez rir os convidados.
 - Não riam! – Tenho que ir ver se está tudo em ordem! – Até já amigos! Sentem-se á mesa e comam. Não esperem por mim!

Mas os hóspedes queriam ver e acompanhar tudo e seguiram o amigo até á entrada da moradia, onde ele tinha disposto as ofertas para o Santo. Já se via ao longe na rua, o cortejo que se aproximava, com os festeiros á frente.

Vestiam fatos tradicionais com um colete de flanela vermelha por cima. Na mão esquerda traziam estandartes, com uma bandeira com a imagem do santo, na mão direita traziam sacos de veludo preto com que recolhiam as ofertas e dinheiro.

Outros traziam recipientes metálicos, onde levariam o azeite oferecido – foi explicando o anfitrião, aos dois amigos!

Mas á frente do cortejo, vinham os lançadores dos foguetes que iam deitando alguns para o ar mesmo em frente á casa , enquanto paravam e a banda tocava alegremente.

Mas a pedido do dono da casa, cessaram de lançar os foguetes para o ar, a banda calou-se e os festeiros que eram os habitantes da aldeia, encarregues da festa, aproximaram-se para recolherem a oferta já preparada.

Depois de dar uma quantia substancial em notas, que os amigos não viram bem, mas calcularam que seria cerca de 100 contos (100.000$00 escudos ou 500 euros pela moeda actual), o amigo ofereceu também 10 garrafões de azeite que seriam depois vendidos, e cujo valor revertia para a comissão de festas.

Os dois amigos, não querendo fazer má figura, perguntaram se aceitavam cheques, e foram buscar cada um, um cheque no valor de 50.000$00 (250 euros), que ofereceram aos festeiros para colaborarem conforme podiam.

Depois do cortejo se afastar, voltaram para a cozinha onde a mesa estava posta para o pequeno almoço, mas mal tinham acabado de sentar-se, ouviram lá fora o tropel dos rebanhos que se aproximava para irem dar a volta á capela do santo, e os primos quiserem ir ver a capela e a festa.

Entretanto no enorme fogão a lenha, coziam já as galinhas mortas de véspera, para fazer a canja. Também tinham abatido um porco e um borrego, e as mulheres descascavam batatas para disporem nos enormes tabuleiros de barro, onde já se encontravam pedaços de carne temperada com banha e massa vermelha feita de pimentos esmagados.

Depois de tudo regado com azeite e vinho, colocaram os tabuleiros nos fornos do fogão, onde ficariam a assar.

Enquanto isso, os convidados de Lisboa, acompanhados do amigo aldeão, estavam a entrar na pequena capela da aldeia. Ao fundo no altar, a imagem de S. Silvestre, que segundo lhes explicou o festeiro encarregado da capela, tinha sido um papa natural de França.

Mas antes de ser religioso, fora soldado ao serviço do imperador romano e como tal era afeiçoado aos cavalos e outros animais que protegia e curava de doenças.

Os donos dos animais, quando tinham algum animal doente, faziam promessas a S. Silvestre pedindo a cura do animal doente.

Assim no dia da festa, compravam uma pequena estatueta do animal que se tinha curado, a qual era colocada no altar, para atestar o poder do Santo.

Admirados os dois amigos, primos viram o altar cheio das pequenas estatuetas, e na sacristia ao lado, filas de prateleiras com mais figurinhas, representando vários animais em miniatura.

Depois de darem uma volta pelo arraial, voltaram a casa, onde os esperava o almoço juntamente com dezenas de convidados, que iam enchendo o jardim e o pátio fronteiro á casa.

Depois de devorarem a suculenta canja, e esvaziarem as travessas de carne assada com batatinhas e salada de alface, foi a vez dos doces e sobremesas.

Arroz-doce, pudim de ovos, salada de frutas e leite-creme foram servidos e devorados por aquelas pessoas que aparentavam não comer há uma semana tal a gula com que devoraram tudo que lhe era colocado á frente.

Foi a vez dos bolos confeccionados nos últimos dias pela dona de casa, serem cortados em fatias e colocados em pratos de vidro na mesa, bem como as filhoses cobertas com açúcar e canela e dispostas em enormes travessas intercaladas com os pratos de bolos.

O dono da casa, tinha ido buscar bebidas finas, tais como vinho do Porto, licor de amêndoa amarga e uísque para acompanharem os bolos. As senhoras de Lisboa, preferiram fazer café na máquina expresso que tinham trazido, o qual começaram a servir aos convidados que faziam fila esperando a sua vez.

Findo o almoço todos se dirigiram ao largo da aldeia, onde centenas de pessoas estavam aglomeradas, conversando em grupos, os mais novos dançando ao som da banda que tocava num palco improvisado ao fundo, os homens em grupos cumprimentando os amigos das aldeias vizinhas, as mulheres olhando os vestidos umas das outras para ver qual era a mais bem vestida, as crianças brincado e comendo pinhões em cordões.

Os namorados dançavam, outros jovens e pessoas de todas as idades, acotovelavam-se ao balcão da quermesse para comprarem rifas e verem se tinham sorte em serem premiados com bugigangas diversas que as fábricas e lojas tinham oferecido para serem sorteadas e leiloadas e o dinheiro arrecadado reverter a favor do Santo e da comissão de festas, o que era quase a mesma coisa.

Ao fim da tarde, todos se dirigiam para casa, os convidados para casa dos anfitriões que os tinham recebido, outros de regresso ás suas aldeias, enquanto os habitantes da aldeia se apressavam para irem servir o jantar, porque depois haveria baile e ninguém queria perder a actuação do famoso conjunto musical que tinha sido contratado para a noite de passagem de ano, a noite de S. Silvestre.

Por isso depois do jantar foram de novo para o largo da festa, os miúdos felizes com os brindes que tinham conseguido ganhar na quermesse e que eram uma bola de futebol branca e azul, um carro de bombeiros telecomandado que apitava e buzinava, e uma estatueta de barro que representava um casal de crianças que brincavam.

Agora era a vez de lançarem um balão de ar quente, que já estava pendurado no alto, por cima de uma enorme fogueira destinada a enchê-lo de ar aquecido.

Curiosos, todos se aproximaram, mas ainda iria demorar, só perto da meia-noite seria o lançamento programado. Então dirigiram-se para o salão de baile de onde chegava o som do conjunto musical a afinar os instrumentos.

Daí a pouco começaria o baile, ponto alto das festividades pelo qual todos os jovens esperavam ansiosamente para dançarem com as namoradas os que já namoravam, para arranjarem ou tentarem conquistar uma namorada, os que ainda não tinham.

Em volta do recinto de dança, em duas filas de cadeiras e algumas mesas, as mães vigiavam, enquanto os pais no bar ou no café conversavam de assuntos de homens.

A meia-noite o baile foi interrompido para irem ver subir o balão que se perdeu no céu escuro, e em seguida o baile prosseguiu até de madrugada.

No dia seguinte todos se levantaram tarde depois dos festejos da véspera. Era dia de Ano Novo, mas a seguir ao almoço, enquanto a festa continuava o grupo preferiu regressar a Lisboa.

A chuva tinha recomeçado a cair, anoitecia cedo e o trânsito devia estar caótico na auto-estrada, depois do fim - de - semana de festas.

Arlete Piedade



segunda-feira, 22 de junho de 2015

Poesia de Arlete Piedade Louro - ALDEIA DA SAUDADE


Poesia de Arlete Piedade Louro

ALDEIA DA SAUDADE

Na aldeia da saudade

Os dias são sempre iguais

As noites de nostalgia

As horas passam devagar

A Lua quando se levanta

Triste acena para as estrelas

As almas dos que partiram

Vagueiam entre as oliveiras

Os perfumes da primavera

Esses são sempre iguais

Incendeiam meus sentidos

Acendem mais a saudade

Da tua imagem querida

Perdida entre os pinhais

Revejo teu sorriso terno

Teu cabelo rebelde e sedoso

O encanto e brilho do teu olhar

Cheio de meiguice doce e furtivo

Mirando-me do outro lado da rua!

Aguardo ainda a chegada do carteiro

Portador de mais uma cartinha…

Mas como passou assim o tempo

Sem eu me dar conta dele?

E agora só a saudade habita

Entre as velhas casas desertas

Pelos campos incultos e solitários

Pelos caminhos desertos e áridos

Queimados pelo sol inclemente

Na aldeia da saudade, tudo se desfaz

Nada resta de outrora

Só mesmo os velhos a morrer

As mulheres tristes e desiludidas

E a saudade sempre presente!


Arlete Piedade Louro




domingo, 3 de maio de 2015

RECORDANDO "AS MÃES DA MINHA VIDA", NESTE DIA DAS MÃES: Por Arlete Piedade Louro


RECORDANDO "AS MÃES DA MINHA VIDA", NESTE DIA DAS MÃES:

Por Arlete Piedade Louro

Há anos fui convidada a escrever um texto sobre o Dia da Mãe, que se comemorará no próximo domingo, dia 3 de Maio em Portugal e que será dirigido a leitores de Portugal, do Brasil e outros países pelo mundo. Deparo-me portanto, com múltiplas escolhas sobre o que escrever e a quem dedicar a minha prosa. Geralmente escrevemos nestes dias, sobre a nossa mãe e também se diz que Mãe há só uma!

Sim, cada um tem a sua mãe, que também foram filhas e tiveram a sua mãe, que foi a nossa avó. Das avós também se diz que são mães duas vezes. Mães dos seus filhos e dos filhos dos seus filhos. Depois temos as nossas sogras, as mães dos nossos cônjuges, aquelas que geralmente têm má fama, mas que muitas vezes é imerecida, pois acabam por ser também mães duas vezes. Mães dos seus filhos ou filhas e mães das pessoas que foram escolhidas para parceiros de vida, através do casamento - ou não - dos seus filhos (as).

As nossas sogras além de serem também um pouco nossas mães, por sermos casadas com seus filhos, são também as outras avós dos nossos filhos, que seguindo o mesmo raciocínio, são mães a dobrar dos nossos filhos, que amamos tanto.

Então segue-se que temos não só as nossas mães, como também as nossas avós e ainda as nossas sogras, todas elas com o papel de nossas mães.
Depois - e aqui falo de outros casos que não o meu - temos as mães adotivas, as mães de acolhimento, as mães afetivas, as mães de criação, as madrastas, enfim, mulheres que em alguma altura das nossas vidas, nos acolhem e nos dão a ternura e a educação que a mãe biológica, não pode dar, seja por morte, afastamento, falta de condições económicas, ou outros motivos.

Mas voltando ao meu caso, as mães da minha vida, com que intitulei esta crónica, terei que falar em primeiro lugar da minha mãe. Nasci numa pequena aldeia no interior centro de Portugal, em finais da década de 50 do século passado.

A vida era difícil, minha mãe vinha de uma família pobre, mas ainda hoje diz que nunca passou fome, ela e as suas quatro irmãs, apesar de no inverno não haver trabalho e viverem só das reservas que a terra dava e do crédito na mercearia. No verão ela e as suas irmãs trabalhavam no campo nos ranchos que vinha para a lezíria de Santarém, trabalhar para os grandes proprietários, nos trabalhos do campo sazonais, como a monda, a vindima, a apanha da azeitona e outros.

O meu avô, seu pai, era pedreiro mas naquela época, as casas eram construídas com adobes, blocos feitos com terra seca ao sol e que portanto só no verão era possível construir. Meu pai, também filho de uma família dedicada aos trabalhos no campo e a pequenos negócios, foi serrador na sua juventude.

Iam em ranchos, os homens para os pinhais da Beira Baixa, distantes mais de 100 a 200 kms, nas suas bicicletas a pedal, carregados com mantimentos, roupas e instrumentos de trabalho para ficarem fora de casa, dois a três meses, e lá ficavam cortando os pinheiros e outras árvores que serravam em tábuas, tudo á mão com trabalho manual, portanto, até poderem regressar a casa.

Era uma vida dura, o trabalho era muitas vezes feito debaixo de neve e chuva, e a comida era feita numa fogueira e mantida pendurada nas árvores em sacos, para não ser comida pelos animais e se manter por mais tempo. A única maneira de se aguentar, era o sal com que era acondicionada, nomeadamente a carne que levavam, para cozer e fazer a sopa com feijões ou grãos.

Um dia o meu pai teve uma zanga com os companheiros penso que devido a contas, e jurou que nunca mais iria serrar. Veio para casa, e foi tirar a carta de condução de motorista profissional, o que na década de cinquenta e nas aldeias, era um grande feito.

Portanto quando eu nasci, meu pai já trabalhava como motorista e minha mãe tomava conta das propriedades que cultivavam, além do trabalho da casa, de dar comida aos animais que tinham, e de ir lavar a roupa ao ribeiro, porque nem tanque tinha em casa e era hábito naquele tempo.

Era uma vida trabalhosa, mas feliz. Quando chegou a altura de eu ir para a escola primária, que era numa aldeia vizinha, sede da junta de freguesia, ia a pé com as outras crianças, através dos campos, cerca de três quilómetros, e além dos livros, levava o almoço que a minha mãe me mandava e comia frio.

Como eu era boa aluna e segundo as professoras era inteligente, foi recomendado aos meus pais, para me "colocaram a estudar". Meu pai nessa altura trabalhava numa cerâmica com um camião que ia levar materiais de construção para Lisboa, principalmente tijolos e já ganhava relativamente bem para a época. Foi portanto decidido que eu iria estudar para Alcanena, uma vila que ficava a cerca de 15 Kms, e que tinha uma escola preparatória.

Mas não era fácil. Eu tinha que ficar fora de casa todo o dia e só tinha onze anos. Saía de casa às 7 h da manhã e regressava às 20 h ou mais tarde. Levava mais uma vez o almoço numa lancheira, embrulhada em jornais, para manter o calor, mas quando chegava a hora do almoço, já estava frio.

Minha mãe ainda há dias me dizia que naquela época, levantava-se às 2 h da manhã para fazer o almoço para o meu pai levar para o trabalho, pois ele saía de casa de madrugada, a seguir levantava-se de novo às 6 h da manhã para me preparar para ir para a escola e quando regressava a casa de me ir acompanhar ao autocarro, eram horas de chamar a minha irmã mais nova, para ir para a escola primária a tal que era a 3 kms de casa, através dos campos, e para lhe fazer o almoço também para ela.

Mas chegou nova época, quando eu terminei os dois anos da escola preparatória e tive que enfrentar nova escolha para continuar os estudos. E essa escolha implicou uma mudança radical para a família, em especial a minha mãe, pois foi decidido que eu viria estudar para Santarém, a capital do distrito, onde havia o curso que eu devia seguir, ou seja o Curso Geral de Comércio.

Dada a distância, 30 kms, não era viável eu ir de autocarro e regressar a casa todos os dias. Não havia horários compatíveis e era muito cansativo para mim. Portanto a opção dos meus pais, foi a minha mãe mudar-se para Santarém connosco, eu e a minha irmã para continuarmos os estudos, enquanto meu pai permaneceu na aldeia sozinho, indo só ficar connosco á nova casa alugada na cidade, quando as viagens de trabalho lhe permitiam passar perto de Santarém e fazer uma paragem.

Meus pais venderam os animais - cabras, porcos, uma mula e a carroça que ela puxava - porque não havia quem tratasse deles, e sei como essa mudança foi dolorosa para eles. Especialmente para meu pai e também para minha mãe que estava habituada á vida da aldeia e a ter o seu marido com ela.

Mas havia épocas em que era necessária a sua presença na aldeia, para fazer certos trabalhos do campo - como a apanha da azeitona - e nessas ocasiões, vinha a mãe nº 2, a minha avó materna, para cozinhar e tomar conta de mim e da minha irmã.

Se era difícil para a minha mãe, para a minha avó, era mesmo um sacrifício, mas ela lá se aguentava, até que uma trombose a apanhou e teve que ficar acamada na sua casa na aldeia.

Novo sacrífico para a minha mãe, já que naqueles tempos, não se falava em por os pais em lares. Quando adoeciam ou ficavam velhos, os filhos revezavam-se á vez, para tomar conta deles, cuidando-os e providenciando o que fosse necessário mesmo com prejuízo da vida familiar.

Assim a minha mãe dividia os dias da semana com as outras três irmãs, que moravam junto á minha avó, sendo a minha mãe a única que morava mais longe, na cidade a trinta quilómetros, e dois a três dias, de duas em duas semanas, ia para casa da mãe, para cuidar das suas necessidades mais básicas, já que estava paralisada na cama, até que ela faleceu.

Eu e a minha irmã, ficávamos sozinhas em casa. No entanto foi a minha irmã a que mais sofreu, pois eu entretanto já tinha casado e ido para a minha casa. E em especial, o meu pai, que mais uma vez ficou sozinho e teve que fazer de pai e mãe, nesses dias de ausência da esposa.

Mas não vou contar toda a vida da minha mãe e os sacrifícios que passou pelas filhas e a família, porque também quero falar um pouco da outra mãe da minha vida, já falecida: a minha sogra.

Contrariamente ao habitual quando se fala de sogras, a minha foi sempre como uma mãe para mim. Acolheu-me na sua casa e na sua família, desde o primeiro momento em que eu apareci como namorada do seu filho, com os meus 19 anos.

Tive desde o primeiro momento, um grande carinho e admiração por essa mulher franzina, sofrendo desde sempre com graves problemas de reumatismo, que se viu viúva quando tinha cerca de quarenta anos, com sete filhos para criar, o mais velho dos quais tinha 18 anos e mais pequena, era ainda bebé.

Nessa altura, eram colonos em Moçambique, ao abrigo dum programa do governo daquela época, que cedia as terras para cultivar às pessoas pobres que quisessem ir para lá.

Como é óbvio só conheço essa história por me ser contada pela família, porque só os conheci mais tarde, mas ao regressar ao continente, com os sete filhos, teve que recomeçar sozinha a vida desde o zero. Trabalhando no campo com os filhos mais velhos, enquanto os do meio, tomavam conta dos mais pequenos, com uma casa que foi sendo construída por eles e que inicialmente, só tinha quatro paredes e um telhado, com piso térreo, num terreno alugado, conseguiu unir a família em torno de si, e todos conseguiram bons trabalhos e boas casas, e uma vida digna.

Era verdadeiramente a matriarca da família, em torno da qual tudo girava e todos se uniam, e agora que se foi, com noventa anos, o seu espírito e os seus ensinamentos e exemplos de vida continuam vivos na família.

Da minha avó paterna, guardo também carinhosamente boas recordações, mas ela faleceu quando eu tinha quinze anos e portanto só a recordo quando eu era criança e ia á noite a sua casa, com o meu pai, e estavam a jantar á luz da candeia. Geralmente eram batatas cozidas com bacalhau, pelo menos é o que recordo e sempre me convidavam para comer com eles.
Muitas vezes era apenas um pouco de pão molhado no molho do bom azeite das suas oliveiras, que ainda estão lá dando os seus frutos, mas que me sabia muito bem.

Quem teve paciência para ler até aqui, eu agradeço por poder partilhar algumas recordações das mães da minha vida, e dedico em especial á minha mãe, única que ainda se mantém viva a meu lado, esta crónica, neste Dia das Mães.

Arlete Piedade Louro

Crónica publicada no meu livro ERA NO TEMPO DE...CRÓNICAS DE OUTRAS ÉPOCAS






sábado, 11 de abril de 2015

O Fantasma Caminhante (Conto) - Por Arlete Piedade Louro


O Fantasma Caminhante (Conto)

Por Arlete Piedade Louro

Numa terra muito distante, bem ao norte da velha Escócia, no pico mais alto de uma montanha gasta pelo tempo e erodida pelos temporais que chegavam do mar do Norte, erguia-se um castelo sombrio de torres altaneiras e espectrais.

Não se sabia se o castelo era habitado, nas montanhas em redor não havia ninguém que o pudesse saber, mas velhas lendas passadas por tradição oral de pais para filhos, relatavam que era assombrado por fantasmas como aliás todo o castelo escocês que se preze.

Constava que há centenas de anos, quem sabe até milénios, o castelo era habitado por um orgulhoso conde, senhor de todas as terras em redor, até ao mar a norte, a ocidente e oriente, e até á grande cidade a sul.
 
Dizia-se que ele era rebelde e de cabelos vermelhos, e que os seus antepassados tinham chegado pelo mar, da terra dos Vikings.
Um dia uma princesa infeliz chegou àquelas paragens, para curar seus males de amor e esquecer um casamento imposto por conveniências da corte real e o seu séquito ficou alojado no castelo do nobre senhor.

Seguiram-se passeios e cavalgadas, pelas terras selvagens e cobertas de urzes até ao mar, em que a infeliz princesa era acompanhada pelo Senhor do Castelo, com um pequeno séquito que os seguia até que um dia, o conde dispensou o séquito, alegando que não havia qualquer perigo naquelas paragens solitárias.

Oito meses depois de a princesa ter regressado á corte a chamado do seu marido, o príncipe, nasceu um principezinho, que foi nomeado herdeiro da coroa e a seu tempo foi aclamado rei de todas aquelas nações. O velho senhor do castelo diz-se que desesperado e solitário, cavalgou até ao mar e partiu no seu barco viking para Norte, em direção á terra dos seus antepassados, e nunca mais foi visto.

O rei que alguns diziam muito em segredo, ser filho bastardo do senhor do castelo, um dia passados muitos anos, depois da morte de sua mãe, veio em peregrinação conhecer os locais onde a sua mãe reencontrou a felicidade, mas o castelo estava deserto e só em noites em que a neblina vinda do mar, cobria os vales, se dizia que um fantasma era visto caminhando sobre as névoas em direção ao castelo.

O rei ainda subiu á mais alta penedia, no pico a sul do castelo, numa noite enovoada, o seu cabelo vermelho resplandecendo na escuridão, molhado pelo nevoeiro, mas o fantasma não apareceu.

Todos os anos o rei regressava nas noites de neblina, mas os negócios do reino, eram mais urgentes até que desistiu de encontrar o velho fantasma, que no entanto, dizem os raros habitantes, ainda pode ser visto em certas noites caminhando sobre as névoas.

Arlete Piedade Louro

Portugal.



segunda-feira, 30 de março de 2015

Crónicas de Santarém - Por Arlete Piedade


Crónicas de Santarém

Por Arlete Piedade

O Peregrino

Sempre que entrava naquele velho palácio, onde funcionam vários serviços úteis á cidade e ainda a escola de danças de salão que o meu filho frequentou por três anos, uma sensação estranha de irrealidade me envolvia, de velhas memórias do passado trágico de pessoas apanhadas nas malhas de um destino que enlutou toda uma nação.

Pois que é voz corrente e aceite, conforme lápide de pedra afixada na frontaria do mesmo, que naquele local se erguia no século XVI o solar dos Sousa Coutinho, sob as ruínas do qual foi construído o actual Palácio Landal no século XVIII o qual tem sido objecto de restauro e usos diversos desde então.

Corria o século XVII, algures num daqueles anos seguintes á tragédia da batalha de Alcácer-Quibir, em que o rei português D. Sebastião foi dado como morto ou desaparecido em combate e com ele vários dos seus companheiros, numa batalha sangrenta no Norte de ??frica e por tal facto condenou a liberdade da sua nação, ao morrer solteiro e sem herdeiros directos.

Ocasião que foi utilizada pelos reis espanhóis que se aproveitaram de factos sem contestação possível e se apoderaram da coroa portuguesa, perante a revolta impotente de vários fidalgos patriotas mas que não sentiam legitimidade para se rebelarem abertamente. Entre esses, destacava-se D. Manuel de Sousa Coutinho, casado em segundas núpcias com D. Madalena, viúva de D. João, falecido na batalha fatídica.

Era um fidalgo da velha estirpe, leal á sua nação e ao sangue dos seus reis, que vivia no seu palácio de Santarém, mas que na altura por ordem real fora mandado ocupar pelo rei estrangeiro, para servir de acomodação aos seus nobres.

Então D. Manuel num assomo de coragem e patriotismo, preferiu mandar incendiar o velho palácio dos seus antepassados a ter que o entregar ao odiado governo usurpador.

Deu assim ordem á sua esposa e filha amadas, e ao seu servo, para preparem a mudança urgente para o velho palácio pertença do primeiro marido de sua esposa, facto que esta repudiou, por lembrar tempos antigos e infelizes, e por temores próprios de mulher, como seu marido classificou, mas que foi forçada a acatar, pela forte determinação e patriotismo de seu marido.

Consumado o facto, perante a admiração velada e aplauso dos outros fidalgos, não tardou contudo mais uma tragédia a abater-se perante aquela família tão unida e admirada.

Pois que estando D. Madalena um dia atarefada com a reorganização da sua rotina doméstica, o seu fiel servo Telmo, lhe veio anunciar que um peregrino lhe pretendia falar.

Assustada com o que a razão lhe apontava com vagos pressentimentos, mas resoluta, concordou em receber o estranho homem que dizia voltar da Terra Santa, o que teve lugar na sala de entrada, onde um retrato do seu antigo marido, D, João era peça principal.

Ao primeiro olhar, e porque aquele trazia a face velada por longo capuz, não soube porque o coração lhe deu um sobressalto tão forte no seu peito fraco de mulher.

Depois de algumas palavras trocadas, contudo e porque o que o romeiro lhe dizia a inquietava fortemente, ousou perguntar:

- Mas, quem sois, senhor?

Ao que este respondeu apontando com o seu cajado de peregrino, para o austero retrato: - Ninguém senhora, ninguém!

A partir deste facto desenrola-se a tragédia anunciada e descrita pelo grande escritor do romantismo, poeta, dramaturgo, político e embaixador português do século XIX, Almeida Garrett, na sua obra-prima adaptada ao teatro, Frei Luís de Sousa, nome adoptado por D. Manuel de Sousa Coutinho, ao recolher-se ao convento depois do desenlace trágico do seu casamento com a viúva de um fidalgo que afinal reaparece das sombras do passado, para provocar a desonra de uma família e a morte de desgosto de sua inocente filha Maria.

Almeida Garrett, grande viajante e estudioso ao visitar Santarém no século XIX, que descreveu como «Um grande livro de pedra recortado», visitou o local e escreveu esta aplaudida peça de teatro, baseada nessa tragédia do homem que contudo depois como frade dominicano, foi também reconhecido como um grandioso vulto das letras lusas.

Arlete Piedade



sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O longo Inverno - Conto por Arlete Piedade


O longo Inverno

Conto por Arlete Piedade

Era inverno e chovia há muitos dias. Já tinha passado o Natal e outro ano se tinha iniciado e não parava de chover. O mês de Janeiro estava quase no fim e desde o princípio de Dezembro que chovia sem parar.

Francelina era a mais velha das quatro irmãs que viviam naquela casa quase isolada no pequeno aglomerado de casas, longe da aldeia, no meio dos campos. A norte era rodeado de pinhais e a sul, uma vasta campina atravessada de um ribeiro de água fresca e cristalina, estendia-se a perder de vista em direcção ás aldeias vizinhas.

Na margem do ribeiro, um velho moinho de água, moía incansável o trigo e o arroz, necessário á vida da aldeia e nos campos alagadiços, criava-se arroz, milho, e cultivavam-se hortas e vinhas.

Todas as famílias, tinham o seu pedaço de terra na campina, mas os pais das quatro irmãs, tinham também outras propriedades na aldeia vizinha de onde o seu pai era natural. Mas eram terrenos cultivados com oliveiras herdadas de varias gerações.

Todos os anos no outono as irmãs iam apanhar as azeitonas para levar para o lagar e extrair o azeite dourado que era depois guardado nas talhas em barro durante o inverno longo.

Durante o verão, Francelina e as suas irmãs, Amélia, Laura e Gertrudes, iam trabalhar nos campos de cultivo intensivo perto da cidade, a mais de 30 kms de distância. Estava-se em 1950, os tempos ainda eram de recuperação da grande guerra, e as irmãs deslocavam-se a pé acompanhadas do seu burro, que carregava as ferramentas de trabalho e os mantimentos necessários para a sua subsistência, bem como alguma roupa.

A sua mãe sempre doente, ficava em casa na companhia do marido que era pedreiro. Mas naqueles tempos, as casas eram construídas de adobes, que eram grandes blocos feitos
de terra prensada e seca dentro de moldes de madeira, e que eram retirados e colocados nos lugares, para fazer as paredes, transportados ás costas, pelos pedreiros e seus ajudantes.

Então a somar á doença da mãe, juntava-se o cansaço do pai, prematuramente envelhecido e sempre com dores nas costas. Quando as filhas chegavam dos campos estavam á espera da sua magra jorna, para pagar as contas do médico e dos remédios, bem como da mercearia da aldeia, que lhes dava crédito porque sabia que as filhas iam trabalhar e ganhar algum dinheiro.

Mas durante o inverno, não havia trabalho. Os campos estavam alagados com as cheias do rio Tejo, e não se podia cultivar. Entre Outubro e Março, eram os tempos das vacas magras. Valia-lhe os «fiados» e o azeite armazenado nas bojudas talhas de barro.

Quando a fome apertava e o dono da mercearia e da farmácia começavam a pedir se podiam pagar, o pai só tinha uma solução. Dizia á filha mais velha:
 - Francelina, vai lá encher uns garrafões de azeite, que eu vou vendê-los á feira amanhã! – E diz ás tuas irmãs, para darem mais uma ração ao burro, para ver se ele pode com os garrafões que eu preciso de o levar!

Era o que as irmãs queriam ouvir. Estavam cansadas de estar fechadas em casa e de ver a chuva cair lá fora. Agora era ver quais delas, conseguiam convencer o pai a acompanhá-lo á feira.

Tinham ouvido dizer que os serradores da aldeia vizinha também já tinham voltado das florestas da Beira Baixa e sabiam que um deles andava interessado na irmã mais velha. Pelo menos ela tinha que ir á feira com o pai. Quem sabe o encontrava e o namoro não ia em frente. Pelo menos era menos uma boca para alimentar.

No dia seguinte iniciaram a jornada ainda era de noite. O burro estava bem alimentado e os garrafões de azeite foram colocados nos ceirões e amarrados com cordas. Depois de comerem umas sopas de pão de milho duro, molhadas em café, pai e filha colocaram-se a caminho do mercado que era na vila distante 10 kms. Demoravam cerca de três horas e tinham que estar lá bem cedo para apanhar um bom lugar e poderem vender o azeite por um preço melhor.

Apenas Francelina como a mais velha, pode acompanhar o pai que ia á frente pelo estreito caminho á beira do regato, levando o burro pela arreata . Atrás seguia a filha, que com 22 anos e habituada ás longas caminhadas, não tinha problemas em fazer a caminhada até á vila.

Ia contente, a pensar no seu pretendente. Ele era da aldeia vizinha e tinha uma propriedade ao lado de uma do seu pai. Nesse Outono quando estavam a apanhar a azeitona, ele andava também a fazer o mesmo trabalho e tinham conversado um pouco.

Ele tinha-lhe dito que era serrador e que ia estar fora até ao Carnaval, porque ia serrar para longe, para a Beira Baixa, e que lá fazia muito frio e caía neve. Ela tinha gostado da conversa dele e tinha-lhe dito também que no verão ia trabalhar para os campos da lezíria do Tejo, para ajudar o pai a pagar as contas.

Durante as semanas em que tinham apanhado azeitona nas propriedades vizinhas, os dois jovens tinham ficado mais amigos e todos os dias se falavam. Quando a adiafa chegou, que era a festa do final da apanha da azeitona, tinha havido um baile e tinham dançado juntos todas as danças.

Depois cada um seguiu o seu caminho, com a promessa de se verem no mercado pelo Carnaval. Francelina ia ligeira e mal sentia os pés tocarem no chão. Esperava pelo pedido de namoro e em resolver a sua vida.




quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

O Pónei SPARK - Conto de Arlete Piedade


O Pónei SPARK

Conto de Arlete Piedade

Era uma aldeia perdida no alto de uma montanha num país longínquo no centro da Europa. Quando vinha o inverno, caía muita neve e os caminhos estreitos que contornavam a montanha, ficavam escorregadios para as crianças poderem descer para o vale para irem á escola.

Os pais tinham receio que elas caíssem e se ferissem gravemente, ou até morressem enterradas na neve, antes que alguém as conseguisse encontrar e socorrer, mas o grupo de cinco crianças, era tenaz e com muita vontade de aprender para puderem sair da aldeia e tentar uma vida melhor na vila ou, do outro lado do rio, na cidade grande.

Marina, era a mais velha das meninas com 10 anos. As gémeas Mónica e Sofia, vinham logo a seguir, com 8 anos. Os dois rapazes, eram os irmãos Santiago com 11 anos e Ruben, com 7 anos. Num dia muito frio e sem sol, uma semana antes do Natal, o grupo de crianças seguia em fila pelo estreito carreiro, Santiago á frente, seguido do Ruben, as gémeas a seguir e Marina atrás fechando a retaguarda, quando a neve começou a cair espessa e soprada pelo vento gelado.

As crianças deram as mãos para se apoiarem, mas quando soprou uma rajada mais forte, Ruben, foi projetado contra a parede rochosa da montanha e escorregou, arrastando consigo Mónica que vinha atrás dele.

Santiago na tentativa de agarrar o irmão, foi precipitado no desfiladeiro, dando um grito estridente que fez eco por todo o vale. As crianças não perceberam o que ele gritou, exceto Marina que vinha atrás e tinha ficado de mão dada com Sofia, as duas tremendo e tiritando de choque e frio.

Por isso não souberam explicar aos pais, o que se tinha passado a seguir. Apenas diziam que tinham visto um cavalinho brilhante, de várias cores, que trotava rente ao caminho, com uma longa cauda esvoaçando ao vento e que mergulhou no desfiladeiro. Quando reapareceu, trazia Santiago montado na garupa, abraçando Ruben na sua frente e agarrada ás suas costas, a pequena Mónica.

- Sou o pónei Spark – Eles escutaram a voz meiga, ressoando dentro das suas cabeças. - A partir de hoje, quando estiverem em dificuldades, chamem por mim, e virei para levá-los até ao vale.

Quando recuperaram do choque, a escola estava á vista, não havia sinais de neve e o sol brilhava. Por todo o lado, havia flores vistosas e erva tenrinha. Ao longe pareceu-lhe ver um pequeno cavalo que pastava e trotava feliz, por entre um arco-íris de cores coloridas e luminosas.

Arlete Piedade

Portugal