O Estacionamento - Conto por Arlete Piedade
A mulher saiu mecanicamente da estrada, entrando para o parque de estacionamento do hipermercado, de uma forma tão igual a todos os dias, que quem andasse por acaso a vigiá-la... - que ideia...quem se importaria com os locais sempre iguais e monótonos que aquela mulher já de idade madura, frequentava? - mas se por acaso esse alguém existisse...diria que um pensamento fixo, quase obsessivo, guiava os seus passos....ou melhor dizendo...rodas...do seu carro, sempre para aquele mesmo lugar do estacionamento - sempre o mesmo - do hipermercado - sempre o mesmo hipermercado - que todos os dias visitava.
Será que ela ia fazer compras, sempre compras, todos os dias e ainda mais em tempo de crise instalada? Será que ia beber café, ainda mais agora com o IVA a 23%, não seria assim tão disparatado não senhor...porque aquele era o único hipermercado da meia dúzia que existiam na cidade, onde o café ainda se bebia a cinquenta cêntimos, malgrado os escárnios e maldizeres que o seu dono vários vezes milionário, andava a ser alvo.
Bem, fosse o que fosse, uma coisa era certa. A mulher estacionava o carro - um modelo pequeno, velho e popular igual a alguns milhares que ainda circulavam pelas estradas portuguesas - sempre no mesmo lugar do estacionamento. Porquê?
O voyeur invisível, como todos o são aliás, ou deviam ser, via-a sempre ficar alguns minutos dentro do carro, sem nada fazer, aparentemente a pensar na morte da bezerra - se por acaso nestes tempos ainda existem bezerras para se pensar na sua morte - antes de sair do carro, como se estivesse a ganhar coragem para sair ou se sentisse confortável, naquele local, sentada no banco, com a janela semi-aberta...ou seria semi-fechada?
A rotina traz segurança, mas também nos deixa os olhos de "O voyeur invisível" o que pode ser algo perigoso. Gostei do conto, estilo direto e levemente poético
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