sábado, 14 de janeiro de 2012

Crónicas e ficções soltas - Alcoutim - Recordações XX - Por Daniel Teixeira - O relevo das pessoas em Alcaria Alta



Crónicas e ficções soltas - Alcoutim - Recordações XX - Por Daniel Teixeira - O relevo das pessoas em Alcaria Alta 
Este tema pelo seu título pode prestar-se a alguma consideração prévia menos apropriada mas no fundo o que eu pretendo é descrever aquelas pessoas que conheci e que, por uma razão ou outra, por vezes não muito, se fizeram realçar num Monte onde de uma forma geral os níveis de sociabilidade eram parelhos.

Ser rico, e a riqueza é bem relativa aqui, ou ser pobre, e a pobreza é também bem relativa aqui, não tinha uma divisão por estratos acentuada: as pessoas respeitavam-se entre si na sua aparente riqueza ou na sua aparente pobreza e mesmo os então serviçais que ainda conheci eram considerados de uma forma  geral como família e protegidos na sua medida quando eram «poucochinhos» (quer dizer eram excessivamente ingénuos ao ponto de aflorarem a oligofrenia moderada).
 As excepções, quer dizer, os destaques da normalidade, serão assim vistas em dois planos: o destacado é aquele que da lei da morte se liberta nem sempre por obras valorosas e algumas vezes destaca-se precisamente por não ter feito de facto obra, naquele sentido construtivo e produtivo a que a sociedade moderna nos habituou.
 Temos uma colaboradora nossa, Arlete Deretti Fernandes, que é de Florianópolis, Estado de Santa Catarina, Brasil que ainda recentemente apresentou uma história de mendigo vagabundo bastante considerado pelas populações residentes nos sítios por onde parava cujo epitáfio verbal terá sido dito da seguinte forma: «Fulano, faleceu sem nada ter feito nem de bem nem de mal ao longo da vida.» Convenhamos que é difícil conseguir este equilíbrio comportamental ao longo de uma vida e ser notado, precisamente por não se ter feito notar.

Em Alcaria Alta havia muitas pessoas que numa outra medida que não a da vagabundagem entrariam dentro desta definição: nunca fizeram nada de mal e o bem que fizeram foi terem vivido na sua medida. Em certo sentido passaram pela vida mais do que a vida passou por elas. Sem menosprezo para ninguém, é claro, governaram a sua vida sem se fazerem notar. Plantaram aquilo que colheram e mesmo que episodicamente precisassem de ajuda dos seus vizinhos nomeadamente em ração para os animais isso era tomado como absolutamente normal na medida em que mais tarde ou mais cedo o vizinho ajudante acabaria por necessitar de uma ajuda também.


 

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