sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Crónicas e ficções soltas - Alcoutim - Recordações XIV - Por Daniel Teixeira - Os animais



Crónicas e ficções soltas - Alcoutim - Recordações XIV - Por Daniel Teixeira - Os animais

Animais, em Alcaria Alta, por aquilo que fui entendendo, e talvez não fosse e não seria mesmo em termos lógicos diferente noutros sítios serrenhos, eram, os animais, medidos pelo seu grau de utilidade. O conceito de animal de estimação era dividido entre a ideia da utilidade do animal acrescentado pelos relatos das suas proezas ou manifestações da sua esperteza.

Por exemplo, a minha avó tinha cerca de uma dezena de gatos e por isso não havia ratos, nem lagartixas entradas pelas pedras e poiais, nem osgas esgueiradas pelas inúmeras frestas das casas, frestas estas que inventariaria começando logo em cima das nossas cabeças, na cobertura interior (hoje chama-se de forro), feita de canas atadas entre si, o chamado caniço.
Os gatos estavam na sua grande parte apenas presentes às horas das refeições roçando-se pelas nossas pernas e miavam e como eles miavam, era uma verdadeira des - sinfonia. Eram corridos mas voltavam logo: era praticamente impossível controlar todo aquele «rebanho».No inverno eram verdadeiros gatos borralheiros aquecendo-se perto das brasas e das cinzas. A maior parte das vezes íamos encontrá-los nas redondezas da casa, muitas vezes mesmo de barriga ao sol outras de mira paciente em algo que andasse por ali e lhes fornecesse algumas proteínas.

A minha avó gostava muito de uma gata, contudo, e contava dela uma proeza que deve conter alguma coisa de fábula evidente, mas vindo da minha avó, uma mulher rija e de poucos carinhos acaba por valer ainda mais: uma noite cansada de a ouvir miar (alguns tinham direito a dormir aos pés da cama) tinha-lhe jogado um sapato e gritado que «se tinha fome que fosse caçar». Deixou-se dormir e depois acordou com ruídos estranhos vindos do buraco na parede por onde os gatos entravam e saiam daquele quarto directamente para a rua. Levantou-se e foi dar com a gata arrastando uma lebre «tinha ido mesmo caçar, como ela lhe dissera !».

De acrescentar que por experiência própria sei que acontece por vezes encontrarem-se lebres que por uma razão ou outra não correm, deixando-se antes ficar escondidas atrás de ervas ou ramagens. Com os meus amigos «tínhamos» um cão pequenito que era especialista no farejo e que levantava a caça para os galgos que mais que uma vez abocanhou coelhos e lebres nestas situações e nem de outra forma poderia ser porque em corrida não dava para meia gaitada.



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