quinta-feira, 5 de março de 2015

Se o Mundo Acabasse por Laé de Souza


Se o Mundo Acabasse por Laé de Souza


Aquele dia foi de alvoroço. Cruzei com um amigo acostumado a prosa, numa correria e recusou-se a conversa, alegando que não podia perder tempo, pois tinha algumas coisas a concluir antes de começar a escurecer. Espantou-se com a minha ignorância de que o mundo estava prestes a acabar. (Preciso encontrá-lo para ver o que tanto não podia ficar sem fazer.) Por preguiça não escrevi no momento. Se acabasse mesmo, seria desperdício de tempo. Mas entre a dúvida de ficar no meu canto a rezar e sair a indagar e a observar, venceu a curiosidade.

Uma mulher que tinha um caso antigo com um vizinho, convenceu-o a se levantar bem cedo e sem dar satisfação aos cônjuges se dirigiram a um jardim e com olhos fixos no firmamento, de mãos dadas, esperavam a chegada do Senhor.

Uns doaram bens numa atitude desesperada da busca do paraíso. Juliano vendeu esperanças e garantiu lugar privilegiado a quem tinha posses. Aos de menos recurso, por preço camarada um lugar mais na frente da fila. E faturou um troco legal.

Mães de santo cobraram fortuna para prorrogar o fim. O Pastor Queixada me garantiu que o mundo só não acabou como previsto, por sua intercessão e para que desse tempo a alguns irmãos se arrependerem. Mas me avisou que não vai dar para segurar por muito tempo, portanto, desapeguem-se dos seus bens.

Muitos rezaram, confessaram e se arrependeram.

Minha filha me fez perguntas que nunca ousou. Minha mulher me questionou umas coisas esquisitas, que prometi responder assim que escutasse a primeira trombeta tocar e visse os anjos descendo do céu.

Gumercindo não despregava os olhos do relógio e de nada resolveram os calmantes. Chorava que dava dó e pedia perdão à mulher por falhas e contou coisas que só se conta na hora da morte e morte certa mesmo.

Chiquinho abriu as gaiolas, soltou todos os pássaros e se escondeu debaixo da cama.

Roberval, devedor contumaz, fez mais compras e mandou que todos os credores viessem no dia seguinte.
 
MAS NÃO ACABOU.

Assim, por culpa de um tal de Nostradamus, o que ia até mais ou menos se encrencou. A mulher do Gumercindo retirou o perdão e foi para a casa da mãe com as crianças, não sem antes dar uma bofetada no sujeito e ameaçá-lo de proibir visitas aos filhos.

Chiquinho chora a falta dos pássaros e Roberval se esconde dos cobradores. A mulher com o vizinho tiveram que juntar as trouxas e fugir. Eu ando me esquivando da mulher, mas sinto que a qualquer hora ela vai me pegar de jeito e vou ter que responder àquela pergunta, e aí, não sei não.

Por tudo isso, Manelão se interrogou: "Ele erra na profecia e nós é que se ferra?
"


 



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