A Páscoa no Algarve
Recolhido em «Marafações de uma Louletana»
Aproxima-se a Páscoa, mais uma festividade que, consoante a região do país, adquire aspectos próprios. No Algarve, algumas das mais interessantes tradições de Páscoa têm, lamentavelmente, sido perdidas. No entanto, nada nos impede de relembrar velhos tempos, reavivar as memórias e quem sabe recuperar algum desse valioso espólio etnográfico.
Comecemos pela chamada procissão de Aleluia, cuja maior expressão na actualidade, no âmbito algarvio, consiste na “Procissão das Tochas” em São Brás de Alportel.
No início do século XX, a procissão de Aleluia estava um pouco espalhada por todo o Algarve. Em alguns lugares revestia-se de grande importância e chamava-lhe “procissão das flores”.
Nesta procissão participavam as irmandades com as suas opas, velas (floridas ou não), estandartes, lanternas e palio. As crianças iam vestidas de branco e espalhando flores pelo caminho. Os jovens e adultos, à frente do palio, envergavam todos uma opa e ostentavam uma tocha. O povo seguia atrás do palio.
Durante a procissão, o grupo de cantores (clérigos ou não) cantavam antífonas e o hino pascal em cinco paragens diferentes. No regresso à Igreja era cantada, sempre em latim, a antífona mariana “Rainha dos céus, alegrai-vos, aleluia”. Após a bênção do Santíssimo Sacramento celebrava-se a “missa de festa” com sermão.
Em Loulé ainda se conserva viva a tradição da Procissão de Aleluia, no entanto, sem o esplendor de outrora. Noutros tempos, normalmente, esta procissão processava-se da seguinte forma: antes da missa, a procissão saia com o Santíssimo Sacramento e nela se incorporavam muitas crianças que levavam uma campainha ou esquila. Num ambiente de festa, com as campainhas a tocar, anunciava-se a Ressurreição do Senhor. A banda de música local, nomeadamente a Banda Filarmónica Artistas de Minerva, por vezes, participava na procissão. Durante o trajecto cantavam-se os cânticos pascais.
O folar é uma das tradições que se conserva e que está intimamente ligada à Páscoa. As famílias fazem folares (podem encontrar a receita aqui no blog) para oferecer aos familiares ou a pessoas amigas. Em diversas zonas algarvias, a tradição dita que na segunda-feira de Páscoa se vá até ao monte ou para junto de uma ribeira comer o folar. Quanto à confecção do folar, não existe conformidade. Uns fazem-nos com canela, outros com muita erva-doce ou mel. Quando se usa mel ou canela fazem-no em camadas e ao cortar-se o bolo surgem rodadas onde sobressaem esses ingredientes. Este tipo de folar é mais vulgar em Olhão e Faro. Os folares podem também ser ornamentados com ovos inteiros, o que comercialmente já não é permitido, mas ainda se encontra nos folares feitos em casa. Na aldeia de Alte, para além dos folares, os bolos folhados são outro dos doces típicos desta quadra.
Também associados à Páscoa, os ovos têm igualmente um sentido simbólico. Cristo venceu a morte saindo do túmulo. O ovo, uma espécie de túmulo, recorda a vida que ressurgiu da morte. Nos nossos dias, continuam a ser utilizados os ovos mas o povo desconhece por completo o seu sentido religioso que se foi perdendo.
Depois dos exageros cometidos durante a época carnavalesca, a Quaresma era vista como um período em que se devia manter o jejum e a abstinência de certos alimentos. A carne era um desses alimentos, sendo que estas restrições alimentares e o hábito de jejuar constituíam um autentico tabu na sociedade tradicional, nomeadamente no mundo rural. Em algumas regiões algarvias é comum a ideia de que na Páscoa não se deve comer ave de pena (não sei bem qual é a ave que não tem penas, mas enfim), porque o galo denunciou, por três vezes, a negação de Pedro. Como normalmente a Páscoa coincide com a época das favas e ervilhas frescas, é vulgar comer favas à algarvia ou ervilhas com ovos durante este período.
Recolhido em «Marafações de uma Louletana»
Aproxima-se a Páscoa, mais uma festividade que, consoante a região do país, adquire aspectos próprios. No Algarve, algumas das mais interessantes tradições de Páscoa têm, lamentavelmente, sido perdidas. No entanto, nada nos impede de relembrar velhos tempos, reavivar as memórias e quem sabe recuperar algum desse valioso espólio etnográfico.
Comecemos pela chamada procissão de Aleluia, cuja maior expressão na actualidade, no âmbito algarvio, consiste na “Procissão das Tochas” em São Brás de Alportel.
No início do século XX, a procissão de Aleluia estava um pouco espalhada por todo o Algarve. Em alguns lugares revestia-se de grande importância e chamava-lhe “procissão das flores”.
Nesta procissão participavam as irmandades com as suas opas, velas (floridas ou não), estandartes, lanternas e palio. As crianças iam vestidas de branco e espalhando flores pelo caminho. Os jovens e adultos, à frente do palio, envergavam todos uma opa e ostentavam uma tocha. O povo seguia atrás do palio.
Durante a procissão, o grupo de cantores (clérigos ou não) cantavam antífonas e o hino pascal em cinco paragens diferentes. No regresso à Igreja era cantada, sempre em latim, a antífona mariana “Rainha dos céus, alegrai-vos, aleluia”. Após a bênção do Santíssimo Sacramento celebrava-se a “missa de festa” com sermão.
Em Loulé ainda se conserva viva a tradição da Procissão de Aleluia, no entanto, sem o esplendor de outrora. Noutros tempos, normalmente, esta procissão processava-se da seguinte forma: antes da missa, a procissão saia com o Santíssimo Sacramento e nela se incorporavam muitas crianças que levavam uma campainha ou esquila. Num ambiente de festa, com as campainhas a tocar, anunciava-se a Ressurreição do Senhor. A banda de música local, nomeadamente a Banda Filarmónica Artistas de Minerva, por vezes, participava na procissão. Durante o trajecto cantavam-se os cânticos pascais.
O folar é uma das tradições que se conserva e que está intimamente ligada à Páscoa. As famílias fazem folares (podem encontrar a receita aqui no blog) para oferecer aos familiares ou a pessoas amigas. Em diversas zonas algarvias, a tradição dita que na segunda-feira de Páscoa se vá até ao monte ou para junto de uma ribeira comer o folar. Quanto à confecção do folar, não existe conformidade. Uns fazem-nos com canela, outros com muita erva-doce ou mel. Quando se usa mel ou canela fazem-no em camadas e ao cortar-se o bolo surgem rodadas onde sobressaem esses ingredientes. Este tipo de folar é mais vulgar em Olhão e Faro. Os folares podem também ser ornamentados com ovos inteiros, o que comercialmente já não é permitido, mas ainda se encontra nos folares feitos em casa. Na aldeia de Alte, para além dos folares, os bolos folhados são outro dos doces típicos desta quadra.
Também associados à Páscoa, os ovos têm igualmente um sentido simbólico. Cristo venceu a morte saindo do túmulo. O ovo, uma espécie de túmulo, recorda a vida que ressurgiu da morte. Nos nossos dias, continuam a ser utilizados os ovos mas o povo desconhece por completo o seu sentido religioso que se foi perdendo.
Depois dos exageros cometidos durante a época carnavalesca, a Quaresma era vista como um período em que se devia manter o jejum e a abstinência de certos alimentos. A carne era um desses alimentos, sendo que estas restrições alimentares e o hábito de jejuar constituíam um autentico tabu na sociedade tradicional, nomeadamente no mundo rural. Em algumas regiões algarvias é comum a ideia de que na Páscoa não se deve comer ave de pena (não sei bem qual é a ave que não tem penas, mas enfim), porque o galo denunciou, por três vezes, a negação de Pedro. Como normalmente a Páscoa coincide com a época das favas e ervilhas frescas, é vulgar comer favas à algarvia ou ervilhas com ovos durante este período.
Uma outra tradição ligada a esta quadra festiva eram os “contratos” da Páscoa. Chamava-se a este ritual “Fazer o Contrato” e processava-se o mesmo da seguinte forma: um dos contratantes, crianças, jovens ou adultos, perguntava a um parceiro “queres fazer contrato comigo?” e se o outro aceitasse entre ambos celebrava-se o “contrato”, combinando à partida o número de amêndoas em jogo que seriam pagas no Domingo de Páscoa. O “contrato” era celebrado com o dedo mindinho de cada um dos pares entrelaçados e em movimento enquanto os mesmos diziam “Contrato/Contrato/Contrato faremos/no Sábado de Aleluia /Ofereceremos!”. Depois desta “celebração”, no Sábado de Páscoa, cada uma das partes se escondia da outra, até que um dos contratantes apanhasse o outro desprevino e lhe gritasse “Oferece”! Quando isso acontecia estavam as amêndoas ganhas. Esta tradição, praticamente em desuso, conheceu diversas versões consoante a região em que era celebrada.
E aqui ficam mais alguns apontamentos sobre tradições e costumes ligadas à celebração da Páscoa no Algarve.
Nota:
1. Este texto foi escrito com base nas seguintes fontes:
- JERÓNIMO, Rui; DUARTE, J. Cunha, “Algarve: Tradições musicais –III”, Faro ; São Brás de Alportel, Grupo Musical Santa Maria ; Casa da Cultura António Bentes, 1997.
- FERNANDES, Aurélia, “Gastronomia Tradicional do Concelho de Loulé (1.ª parte do século XX)” in “al-ulyã”, n.º 2, 1993.
- http://alcoutimlivre.blogspot.pt/ (nomeadamente post intitulado “Os ‘Contratos’ da Páscoa” da autoria de Amílcar Felício).
E aqui ficam mais alguns apontamentos sobre tradições e costumes ligadas à celebração da Páscoa no Algarve.
Nota:
1. Este texto foi escrito com base nas seguintes fontes:
- JERÓNIMO, Rui; DUARTE, J. Cunha, “Algarve: Tradições musicais –III”, Faro ; São Brás de Alportel, Grupo Musical Santa Maria ; Casa da Cultura António Bentes, 1997.
- FERNANDES, Aurélia, “Gastronomia Tradicional do Concelho de Loulé (1.ª parte do século XX)” in “al-ulyã”, n.º 2, 1993.
- http://alcoutimlivre.blogspot.pt/ (nomeadamente post intitulado “Os ‘Contratos’ da Páscoa” da autoria de Amílcar Felício).
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