O Flautista
Conto por Marcelo Torca
Lá estava ele de novo, o músico, o flautista tocando o seu instrumento, portátil, assim poderia levar a qualquer lugar, onde estivesse poderia executar melodias, quase como um passarinho.
As vezes era um estorvo, outras, era o animador, o comandante da dança, da euforia, da alegria de estar mais um dia vivo, num dos bairros mais violentos daquela cidade. Nem sempre fora assim, devido à desestruturação das famílias, a perda do poder aquisitivo, o estímulo do pensamento fútil, foram responsáveis por gerar gerações perdidas, onde os valores básicos quase não existiam, e para discordar de tudo isso, o flautista Zé da Roda tocava o seu instrumento.
Tinha este apelido, pois quando criança brincava com pequenos pneus conduzidos por um pedaço de pau, tendo a ponta um arame. Mas não era só nas brincadeiras, ia para a escola com este brinquedo, para onde fosse a pé, levava. Um dia este menino cresceu, tornou-se músico, com uma família para cuidar, trabalhava em qualquer situação de músico, tinha coragem para enfrentar qualquer problema, desde que estivesse tocando o seu instrumento, a flauta.
Como tocava onde fosse convidado, um grupo de forró o chamou, esta parceria durou por uns dois anos e meio aproximadamente, era um conjunto em início de carreira, tinham apenas sete meses de experiência, sendo a infra-estrutura, de certa forma precária, o transporte era um caminhão, daqueles antigos, e os quatro músicos tiveram de ir na cabine, dois foram sentados, e dois de pé, de costas e encurvados ao pára brisa, o motorista não fazia parte do grupo.
A viagem demorou cerca de uma hora e meia, e quando chegaram ao seu destino, mesmo sentindo dores, foram arrumar o som, descarregando as caixas do caminhão e montando em cima do palco, depois de terem colocado todos os cabos, testado a energia, fizeram a passagem de som do conjunto.
Tinham saído de casa às treze horas, e eram quase nove horas da noite, quando veio a notícia de que o jantar não iria chegar, alguém da organização do evento tinha esquecido de encomendar, e faltando uma hora para dar início ao baile, não seria mais possível ir há algum lugar, mas tentaram negociar para levarem uns salgadinhos no decorrer do baile. Quando o relógio marcou dez horas da noite, teve início o forró, o salão já estava com metade do recinto ocupado, tinha tudo para faturarem bastante.
Passavam das duas horas da madrugada, ainda não havia chegado nenhum salgadinho, mas o salão estava cheio, e a pista de dança era contínua, nunca ficava vazia e assim foi até às quatro horas da manhã, onde se deu o desfecho, e também apareceram três coxinhas de frango miúdas, como eram em quatro músicos, tiveram de dividir.
O pior ainda estava por vir, quando estavam carregando o caminhão, o tecladista e cantor da banda foi procurar o promotor do evento, não encontra, conversa com vários da equipe, eles alegam que logo estaria ali presente, pois fora resolver alguns problemas pessoais.
Já passavam das cinco horas da manhã, e nada, mais meia hora se passou, e veio a notícia, só daria para acertar o baile no meio da semana, como não havia como dizer não, aceitaram e foram embora.
Até hoje não viram nem sombra deste dinheiro, para pagar o frete foi outro grande problema, o flautista negociou a sua bicicleta, o tecladista a única televisão que tinha, era de catorze polegadas e o baixista ainda teve de entregar o aparelho de som. Era vida difícil, porém, fazia parte da profissão, nem sempre conseguiam receber pelo serviço, e às vezes ainda eram considerados vagabundos.
O Zé da Roda desfez a parceria, pois fora convidado a participar de um programa de rádio, onde apresentava um programa e fazia gravações para as propagandas, o tempo era curto e era difícil conciliar as duas atividades. Era uma rádio comunitária, a legalização estava em andamento, portanto era considerada pirata, a documentação para deixar em ordem era difícil, mas como uma cidade poderia ficar sem rádio, e ouvir os programas locais, de interesses da comunidade onde estava inserida? Pergunta quase impossível de ser respondida.
O flautista não desanimava, tinha sempre o pensamento positivo, e cada dia, era um outro dia, onde novas oportunidades poderiam vir, surgir espaços novos, um músico precisava lutar, mas se não tiver um pequeno apoio, é quase impossível a sobrevivência deste, e com este pensamento, o Zé da Roda tocava todas as tardes no programa da Rádio Praça Central.
Conto por Marcelo Torca
Lá estava ele de novo, o músico, o flautista tocando o seu instrumento, portátil, assim poderia levar a qualquer lugar, onde estivesse poderia executar melodias, quase como um passarinho.
As vezes era um estorvo, outras, era o animador, o comandante da dança, da euforia, da alegria de estar mais um dia vivo, num dos bairros mais violentos daquela cidade. Nem sempre fora assim, devido à desestruturação das famílias, a perda do poder aquisitivo, o estímulo do pensamento fútil, foram responsáveis por gerar gerações perdidas, onde os valores básicos quase não existiam, e para discordar de tudo isso, o flautista Zé da Roda tocava o seu instrumento.
Tinha este apelido, pois quando criança brincava com pequenos pneus conduzidos por um pedaço de pau, tendo a ponta um arame. Mas não era só nas brincadeiras, ia para a escola com este brinquedo, para onde fosse a pé, levava. Um dia este menino cresceu, tornou-se músico, com uma família para cuidar, trabalhava em qualquer situação de músico, tinha coragem para enfrentar qualquer problema, desde que estivesse tocando o seu instrumento, a flauta.
Como tocava onde fosse convidado, um grupo de forró o chamou, esta parceria durou por uns dois anos e meio aproximadamente, era um conjunto em início de carreira, tinham apenas sete meses de experiência, sendo a infra-estrutura, de certa forma precária, o transporte era um caminhão, daqueles antigos, e os quatro músicos tiveram de ir na cabine, dois foram sentados, e dois de pé, de costas e encurvados ao pára brisa, o motorista não fazia parte do grupo.
A viagem demorou cerca de uma hora e meia, e quando chegaram ao seu destino, mesmo sentindo dores, foram arrumar o som, descarregando as caixas do caminhão e montando em cima do palco, depois de terem colocado todos os cabos, testado a energia, fizeram a passagem de som do conjunto.
Tinham saído de casa às treze horas, e eram quase nove horas da noite, quando veio a notícia de que o jantar não iria chegar, alguém da organização do evento tinha esquecido de encomendar, e faltando uma hora para dar início ao baile, não seria mais possível ir há algum lugar, mas tentaram negociar para levarem uns salgadinhos no decorrer do baile. Quando o relógio marcou dez horas da noite, teve início o forró, o salão já estava com metade do recinto ocupado, tinha tudo para faturarem bastante.
Passavam das duas horas da madrugada, ainda não havia chegado nenhum salgadinho, mas o salão estava cheio, e a pista de dança era contínua, nunca ficava vazia e assim foi até às quatro horas da manhã, onde se deu o desfecho, e também apareceram três coxinhas de frango miúdas, como eram em quatro músicos, tiveram de dividir.
O pior ainda estava por vir, quando estavam carregando o caminhão, o tecladista e cantor da banda foi procurar o promotor do evento, não encontra, conversa com vários da equipe, eles alegam que logo estaria ali presente, pois fora resolver alguns problemas pessoais.
Já passavam das cinco horas da manhã, e nada, mais meia hora se passou, e veio a notícia, só daria para acertar o baile no meio da semana, como não havia como dizer não, aceitaram e foram embora.
Até hoje não viram nem sombra deste dinheiro, para pagar o frete foi outro grande problema, o flautista negociou a sua bicicleta, o tecladista a única televisão que tinha, era de catorze polegadas e o baixista ainda teve de entregar o aparelho de som. Era vida difícil, porém, fazia parte da profissão, nem sempre conseguiam receber pelo serviço, e às vezes ainda eram considerados vagabundos.
O Zé da Roda desfez a parceria, pois fora convidado a participar de um programa de rádio, onde apresentava um programa e fazia gravações para as propagandas, o tempo era curto e era difícil conciliar as duas atividades. Era uma rádio comunitária, a legalização estava em andamento, portanto era considerada pirata, a documentação para deixar em ordem era difícil, mas como uma cidade poderia ficar sem rádio, e ouvir os programas locais, de interesses da comunidade onde estava inserida? Pergunta quase impossível de ser respondida.
O flautista não desanimava, tinha sempre o pensamento positivo, e cada dia, era um outro dia, onde novas oportunidades poderiam vir, surgir espaços novos, um músico precisava lutar, mas se não tiver um pequeno apoio, é quase impossível a sobrevivência deste, e com este pensamento, o Zé da Roda tocava todas as tardes no programa da Rádio Praça Central.
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