Prosa Poética de Ilona Bastos
O Presente e o Futuro
Era jovem. Entrou em passo rápido, semblante sisudo, olhar no chão.
Do seu aspecto, tudo diziam as faces cavadas e pálidas, o cabelo à escovinha, a argola na orelha, a camisola larga de capuz caído.
Sentou-se e pareceu-me então que tremia. O seu discurso era hesitante. Tinha dificuldade em explicar o que o trazia, misturando assuntos, tecendo frases e ideias entrecortadas de pequenos soluços inaudíveis mas perceptíveis.
Pegámos na ponta da meada, separámos águas, as ideias tornaram-se mais claras, conversámos muito e às tantas confessava: eu falo pouco, não consigo falar.
E disse-lhe: mas agora está a falar, estamos a falar tão bem. E é bom termos quem nos oiça, e sentirmos que alguém está a seguir, connosco, o nosso percurso. Assim, quando temos menos ânimo – porque todos temos dias de menos ânimo –, há alguém que nos chama e nos volta a colocar no caminho certo.
Lemos, em conjunto, algumas frases difíceis de um documento sério. Recordei-lhe que no ler e no escrever, como no futebol ou em qualquer outra coisa, o que era importante era a prática, e ele concordou.
Preenchemos depois um impresso e falámos de como teria de instruí-lo e onde entregá-lo. Até dava jeito, o local, que já lá tinha uma visita programada para o dia 10.
Quando levantei a cabeça vi que levava os dedos à cara para limpar as lágrimas, pequenas, límpidas, lineares, que lhe desciam dos olhos de um espantoso e transparente azul.
Não se sentiu incomodado com o meu olhar, como não senti incómodo com as suas lágrimas.
Falou-me da vida que levara, dos erros que cometera. Tudo passado.
O que importava agora era encontrar um emprego e o amor dos filhos.
Concordei, sorrindo: o importante, em cada momento, é o presente e o futuro!
Ilona Bastos
O Presente e o Futuro
Era jovem. Entrou em passo rápido, semblante sisudo, olhar no chão.
Do seu aspecto, tudo diziam as faces cavadas e pálidas, o cabelo à escovinha, a argola na orelha, a camisola larga de capuz caído.
Sentou-se e pareceu-me então que tremia. O seu discurso era hesitante. Tinha dificuldade em explicar o que o trazia, misturando assuntos, tecendo frases e ideias entrecortadas de pequenos soluços inaudíveis mas perceptíveis.
Pegámos na ponta da meada, separámos águas, as ideias tornaram-se mais claras, conversámos muito e às tantas confessava: eu falo pouco, não consigo falar.
E disse-lhe: mas agora está a falar, estamos a falar tão bem. E é bom termos quem nos oiça, e sentirmos que alguém está a seguir, connosco, o nosso percurso. Assim, quando temos menos ânimo – porque todos temos dias de menos ânimo –, há alguém que nos chama e nos volta a colocar no caminho certo.
Lemos, em conjunto, algumas frases difíceis de um documento sério. Recordei-lhe que no ler e no escrever, como no futebol ou em qualquer outra coisa, o que era importante era a prática, e ele concordou.
Preenchemos depois um impresso e falámos de como teria de instruí-lo e onde entregá-lo. Até dava jeito, o local, que já lá tinha uma visita programada para o dia 10.
Quando levantei a cabeça vi que levava os dedos à cara para limpar as lágrimas, pequenas, límpidas, lineares, que lhe desciam dos olhos de um espantoso e transparente azul.
Não se sentiu incomodado com o meu olhar, como não senti incómodo com as suas lágrimas.
Falou-me da vida que levara, dos erros que cometera. Tudo passado.
O que importava agora era encontrar um emprego e o amor dos filhos.
Concordei, sorrindo: o importante, em cada momento, é o presente e o futuro!
Ilona Bastos
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