quarta-feira, 18 de março de 2015

Prosa Poética de Ilona Bastos - O Presente e o Futuro


Prosa Poética de Ilona Bastos

 O Presente e o Futuro

 

 Era jovem. Entrou em passo rápido, semblante sisudo, olhar no chão.
Do seu aspecto, tudo diziam as faces cavadas e pálidas, o cabelo à escovinha, a argola na orelha, a camisola larga de capuz caído.

 Sentou-se e pareceu-me então que tremia. O seu discurso era hesitante. Tinha dificuldade em explicar o que o trazia, misturando assuntos, tecendo frases e ideias entrecortadas de pequenos soluços inaudíveis mas perceptíveis.

 Pegámos na ponta da meada, separámos águas, as ideias tornaram-se mais claras, conversámos muito e às tantas confessava: eu falo pouco, não consigo falar.

 E disse-lhe: mas agora está a falar, estamos a falar tão bem. E é bom termos quem nos oiça, e sentirmos que alguém está a seguir, connosco, o nosso percurso. Assim, quando temos menos ânimo – porque todos temos dias de menos ânimo –, há alguém que nos chama e nos volta a colocar no caminho certo.

 Lemos, em conjunto, algumas frases difíceis de um documento sério. Recordei-lhe que no ler e no escrever, como no futebol ou em qualquer outra coisa, o que era importante era a prática, e ele concordou.

 Preenchemos depois um impresso e falámos de como teria de instruí-lo e onde entregá-lo. Até dava jeito, o local, que já lá tinha uma visita programada para o dia 10.

 Quando levantei a cabeça vi que levava os dedos à cara para limpar as lágrimas, pequenas, límpidas, lineares, que lhe desciam dos olhos de um espantoso e transparente azul.

Não se sentiu incomodado com o meu olhar, como não senti incómodo com as suas lágrimas.

Falou-me da vida que levara, dos erros que cometera. Tudo passado.

O que importava agora era encontrar um emprego e o amor dos filhos.

 Concordei, sorrindo: o importante, em cada momento, é o presente e o futuro!



Ilona Bastos




Sem comentários:

Enviar um comentário