quinta-feira, 30 de abril de 2015

Poesia de Ilona Bastos


Poesia de Ilona Bastos

 

Dançante o meu olhar, que é Céu;  Quando a noite está quente; Versos em fuga    



Dançante o meu olhar, que é Céu;


 As nuvens viajam no céu.
 São brancas, às ondas, redondas,
 São leves, etéreas, oblongas,
 São ledas, suaves, serenas,
 São velas, veleiro, singrando
 Cordato, no mar infinito.

 O vento que sopra as encanta,
 O vento gentil as desmancha,
 O vento as estende, transforma,
 Subtil, envolvente, as seduz,
 E faz, desfazendo-as, ceder,
 Em gotas de água, sublime prazer.

 As árvores longínquas, frondosas,
 Verdes, brilhantes, harmoniosas,
 Ao jorro da chuva se animam,
 Ao sopro da brisa balançam,
 Bailarinas inspiradas, em aplauso
 Aclamadas pelos arbustos em flor.

 E, dançante, o meu olhar, que é céu,
 Que é vento e chuva, árvore e flor,
 Pela sala voa, música vibrante,
 Os vidros atravessa, confiante,
 Se entrega à vista bela, além janela,
 Feliz, enfim, confunde-se com ela.

 

 Quando a noite está quente


 Quando a noite está quente
 e o coração saciado de amor,
 sentada para escrever,
 a música a ditar o meu sentir,
 é poesia que me sai das mãos,
 como renda preciosa
 ou bordado mimoso,
 como doce apetecível
 ou afago carinhoso.

 Os sons longínquos
 não perturbam a paz,
 e o sono brando do cão,
 amável companhia,
 é conforto e tranquilidade.

 Embarco nos acordes
e na melodia,
brisa refrescante
 a enfunar as velas
do meu pensamento.
 E navego mar afora,
 cortando velozmente a água
 inventando um rasto de espuma,
 sonhos e palavras
 que compõem este poema.

 

 Versos em fuga


 Afastam-se, voando,
 as palavras em verso
que na noite murmuro
 (incessante balbucio, por
 entre sonhos turbulentos).

 Digo e repito as ideias
 pois temo perdê-las.
 Retenho detalhes,
 decoro-lhes formas
 de oração a não esquecer.

 Pela manhã, estou só,
 desse canto, o que ficou?
 Vagas impressões
 de ladainha abandonada
 pelas trevas, pelo vento…

Ou seja, nada! Tudo se foi!
 Resta-me este rasto triste,
 do que julguei encontrar
 mas me fugiu dos lábios
 com o sopro da alvorada!





Poemas de Jorge Vicente


Poemas de Jorge Vicente

 

 POEMA UM; POEMA DOIS; POEMA TRES; NUVEM



 POEMA UM

 1.

diz o mestre ao discípulo:
 reúne a cor na sua expressão
 máxima e juntai-a de luz branca

só assim as aves serão
 mais do que pontos negros
 na copa dos dedos

2.

as crianças fogem. e do seu
 cálice retomará o espírito
 a sua longa caminhada

3.

fácil é a palavra que se
 incendeia quando dita;
 difícil o poema que dança
 no colo de um vulcão

 

 POEMA DOIS

 eu digo: chamaremos as mulheres e invocaremos o sacro império do corpo. não existe
 pedra maior (ou mais bela) do que aquela onde dioniso se esconde, o deus entre os
 homens, a pedra ante a gélida raiz dos antepassados. formaremos uma roda e
 imitaremos o som de todos os animais. todo o poema é proibido: só a origem, a
 hierofania do ritual e da pele contra pele.

 

 POEMA TRES

 responde-me se ouvires os pássaros, ou se do teu interior a voz é de guerra, um
 silvo constante, o boum das palavras grandes, das palavras santificadas pelo uso,
 mesmo que o uso seja o apanágio da noite - aquela noite que não pertence a ninguém,
 é apenas nossa e da paisagem que nos cerca:

uma casa,
 a ribanceira entre as casas,
 um abrigo onde o pastor se alimenta,
 o caminho milenar por entre as águas do rio,

um trovão é apenas isso: uma voz sobre o alentejo,
 um rumor que rompe o guadiana e nos sobra de pele
 e de versos entre os relâmpagos.

sei que tudo sobra, mas a casa é só minha.

 

 NUVEM

 carrego uma nuvem às costas
 como se dependesse de mim
 permanecer no silêncio

naquele silêncio
 que não se quer rígido
 esquecendo-se do propósito de
 existir e de alimentar o fogo

sossega-me ver uma casa ao
 longe, adormecida no ceptro
 de terra abandonada

uma casa caiada de branco, todas
 as casas o são, mesmo que os olhos
 roubem a realidade
e deus a ignore.

a memória verga todas as coisas,
 mesmo o silencioso movimento
 da não-existência.

tudo é ilusório.

a casa abraça
 a ferrugem dos corpos caiados
 de gestos. os dedos movimentam-se
 numa sinfonia de trevas

jorge vicente





Poesia de India Libriana


Poesia de India Libriana

 

 LAMENTOS; AO TEMPO QUE FOSTE; HABEAS CORPUS



 LAMENTOS

 

Parto sim, do jovem aconchego desse olhar
 que não retocará a sua fantasia primeira
 e só há bilhete para Lugar Nenhum a cobrar
 nesta Estação ubi cheguei tarde à bilheteira...

 Parto sim – de tudo – e parto suas promessas
 abandono o tango e volto ao crepúsculo da solidão
 e fragmento noites e vicio madrugadas travessas,
 no pranto do fadista há lamentos sentidos em vão...

 Em meu retorno ao calabouço do frio espectro
 há portas hipócritas abertas a festejar
 abanando convites para entrar e chorar na ruela

 Há lágrimas de reencontro e desencontro
 e há queixumes de paredes a atormentar
 com boas vindas cantadas a solo e a capela

 

 AO TEMPO QUE FOSTE

 

Es (és) de um tempo que foi e que já não dói
 em que eram tuas minhas ruas
 por onde passava e passeava
 copioso teu olhar, uma dor de amar;

 Eras caloroso espaço, regaço
 de maciez sedosa, tez preciosa
 cheirando a flores, dando calores
 aos sentidos e ruídos contidos;

 Es (és) da Imagem que foste, Cópia inópia
 poesia sem sentimento, o pejo do beijo
 que habitou o meu intenso silêncio
 de todas as horas em que te amava nas demoras;

 Es (és) saudade ausente, toque sem choque
 do exaurido perfume sem ciúme,
 da Ideia do inteligível no sensível
 do tempo que foste, passado sem enfado;

 Eras do tempo que eras e foram eras
 de muitas promessas, louças essas já partidas
 hoje nem saudades amenas, fóssil apenas
 de tão remoto na minha memória sem glória.

 

 HABEAS CORPUS

 

 Vim para soltar da garganta o verbo
 o grito que te sufoca e te prende no papel
 pois é este teu medo de alforria que te dá tropel
 Mas cautela! Nada de estar em assoberbo...

 Vim desatar o nó do laço que te aperta forte,
 fazer desaparecer dele medos e dores,
 fluir das suas entranhas flores e amores
 e fazer-te largar para os mares do norte...

 Que a tua voz se erga bem alto
 A altitude dos que esperam te ouvir
 E dos que te desconheçam deste asfalto!

 Esquece tudo o que antes te foi torpe,
 que na nova via seja de maiêutica teu esculpir.
 Estás solto dos teus grilhões. Que tenhas corpo!!!

 India Libriana 





quarta-feira, 29 de abril de 2015

NOMES... - Por Miriam de Sales Oliveira


NOMES...

Por Miriam de Sales Oliveira

“Cada homem tem um nome
Dado a ele por  Deus
E dado a ele por seu pai e sua mãe”

Assim começa um belo poema israelita que descobri há  poucos dias.Verdade,nomear alguém é a primeira coisa que se cuida.Muitos nomes são escolhidos antes das crianças nascerem e podem ser para homenagear alguém ,um ancestral ou um ídolo ou nomes bíblicos,e já conheci ou soube de  pessoas com nomes de remédio,como Renagel ou estrambóticos ,como Hiena ou inventados  mesclando os nomes do pai e da mãe.

O certo é que tendo recebido o nome  a gente tem  que cuidar dele.Só teremos um ,do nascimento á morte e temos que mantê-lo honrado e respeitado.Não podemos transformar nosso nome em palavrão.

“Cada homem tem um nome
Dado a ele por sua altura e pelo jeito de andar
E dado a ele pela roupa(...)”

São os apelidos carinhosos ou não,que acompanham ou substituem o nome,seja um local de nascimento (Irmã Dulce da Bahia) ou um diminutivo (Mirinha,Jorginho,Gigi  etc) ou uma qualidade,boa ou duvidosa (João Valentão,Fio Maravilha,João de Deus,João Dólar)...

E,como a humanidade é crítica e cruel  vale-se de uma deficiência física ou moral para humilhar o oitado: Baixinho, Feioso, Coxinho, Lourinho, Jamanta ...

A altura,a cor dos cabelos,o jeito de andar e a maneira de vestir fazem parte da personalidade do indivíduo, do seu todo e contam muito quem ele é,no que acredita e como pensa.Nós somos únicos; nem gêmeos  univitelinos  são totalmente iguais.Fisicamente até somos parecidos,mas,o jeito de ser é diferente.

“Cada homem  tem um nome
Dado a ele por seus pecados
E dado a ele pelos seus anseios “

Nossos sonhos e desejos somos nós;nossas expectativas,nossas esperanças nossa régua e nosso compasso, somos nós.Nossa compreensão,nossa bondade,nosso discernimento,nossas crenças e nossas obras, nosso crescimento social.

Nossos pecados, também,assumidos ,conhecidos ou ignorados são nossos:a inveja, a maldade, a destruição,a dor que causamos,o desrespeito e seu filho mais violento,o preconceito e sua irmã,a intolerância,também,são nossos.Fazem parte do nosso caráter ou provam a falta dele.E, a nossa consciência se ressente.Se não estamos bem conosco não estaremos bem com o mundo.Pois a consciência nada mais é que a voz de Deus sussurrando nos nossos ouvidos.

“Cada homem tem um nome
Dado a ele pelo mar
E dado a ele por sua morte.”

Poema de Zelda Schneersohn – Mishkovsky

O belo poema da Zelda que descobri através do livro de Amós Oz “O Judeu e as Palavras”,em parceria com sua filha, Fania Oz Salzberger,  fala da vida e da morte. E estabelece que o modo que nos portamos na vida determina como seremos lembrados após a morte.

Como as pessoas tendem a lembrar  o lado pior sempre seremos mais lembrados pelas maldades cometidas do que pelo bem que espalharmos.Apesar de nos sepulcros só serem gravados elogios.

E ai me vem a reflexão: se tudo acaba,se a morte é democrática e dela ninguém escapa,nem o rei,nem o bispo nem o Papa e, se do mundo nada levamos,porque conspurcar nossa breve passagem por aqui, roubando, matando, prejudicando, corrompendo ou se permitindo ser corrompido,invejando,destruindo, prejudicando alguém se é assim que um dia seremos lembrados?

Eu sempre pensei que estamos aqui em viagem de turismo voltado para a aprendizagem e aprimoramento espiritual. O que significa os anos que passamos neste vale de lágrimas diante da Eternidade? Para que acumular coisas que não levaremos, dinheiro que não gastaremos, roupas que não usaremos mais?

Sugiro acumular bondades e sabedoria.

É por elas que deveríamos ser lembrados.




Poesia de Florbela Espanca


Poesia de Florbela Espanca

TÉDIO


Passo pálida e triste. Oiço dizer:
"Que branca que ela é! Parece morta!"
E eu que vou sonhando, vaga, absorta,
Não tenho um gesto, ou um olhar sequer...

Que diga o mundo e a gente o que quiser!
- O que é que isso me faz? O que me importa?...
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!

O que é que me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!

E é tudo sempre o mesmo, eternamente...
O mesmo lago plácido, dormente...
E os dias, sempre os mesmos, a correr...


MAIS TRISTE


É triste, diz a gente, a vastidão
Do mar imenso! E aquela voz fatal
Com que ele fala, agita o nosso mal!
E a Noite é triste como a Extrema-Unção!

É triste e dilacera o coração
Um poente do nosso Portugal!
E não vêem que eu sou...eu...afinal,
A coisa mais magoada das que o são?!...

Poentes de agonia trago-os eu
Dentro de mim e tudo quanto é meu
É um triste poente de amargura!

E a vastidão do Mar, toda essa água
Trago-a dentro de mim num mar de Mágoa!
E a noite sou eu própria! A Noite escura!!


NOCTURNO


Amor! Anda o luar,todo bondade,
 Beijando a Terra, a desfazer-se em luz...
 Amor! São os pés brancos de Jesus
 Que anda pisando as ruas da cidade!

 E eu ponho-me a pensar... Quanta saudade
 Das ilusões e risos que em ti pus!
 Traças em mim os braços duma cruz,
 Neles pregaste a minha mocidade!

 Minh'alma que eu te dei, cheia de mágoas,
 É nesta noite o nenúfar de um lago
 Estendendo as asas brancas sobre as águas!

 Poisa as mãos nos meus olhos, com carinho,
 Fecha-os num beijo dolorido e vago...
 E deixa-me chorar devagarinho...




 

DE CORPO PRESENTE - Conto de Carlos Carvalho


DE CORPO PRESENTE

Conto de Carlos Carvalho


Foi quando se apercebeu de que vivia nas trevas não sabia desde quando. Com a descoberta, a compreensão exata e desagradável da ausência.

No desejo intenso de se tornar presente, tratou de utilizar-se: lançou um membro, arremeteu outro, em marradas sucessivas. À força de vibrar, tentou romper os muros que o rodeavam, mas a desconexão e a noite impediam-lhe o movimento. A sólida construção a tudo resistia. Exausto, abandonou-se ao tépido torpor que o massageava. E adormeceu por séculos e séculos.

Foi arrancado do sono pela convulsão noturna. As paredes infladas tremiam em espasmos contínuos; um mar negro e viscoso elevou-se do abismo; ondas fermentaram ao seu redor, engoliram-no e trouxeram-no de novo quando já se julgava perdido; corpos estranhos grudaram-se ao seu, aumentando a noção de limites. Debateu-se. Fugindo às barreiras que o aprisionavam e que agora ruíam, rastejou, escapando, lenta e exaustivamente dos tentáculos e escamas que insistiam em retê-lo na escuridão. Lutou e perdeu a consciência.

Acordou com a luz doendo nos olhos. O corpo pesava numa superfície fria e drapeada. Demorou a acostumar-se com a luz. Mas a alegria de se sentir presente, de ocupar o lugar que sempre lhe estivera reservado, deu-lhe forças e obstinou-o a educar-se.

Luz primeiro, conforme o constatado. Depois, manchas indecisas, flutuantes, que ao poucos se fixavam e tomavam formas onde ele se refletia e se via futuro. E sons que batiam dolorosamente nos tímpanos, tentando acomodar-se, e que eram rechaçados, estrangeiros. Pacientemente aprendeu a selecioná-los, a catalogá-los, a entender o significado de cada um.

E quando distinguiu claramente as formas, quando percebeu o sentido dos sons, foi tomado por uma grande saudade do lugar antigo. Um pânico maior abateu-se. Gritou.

Logo acorreram mãos que tentaram acalmá-lo e contra as quais se rebelou. Através das mãos que dele se apossavam, que dispunham dele, evidenciando a propriedade, compreendeu o real sentido de um mundo grosseiro e pesado que ameaçava esmagá-lo. Gritou mais.

Preocupados os pais, o médico os afastou do berçário, dizendo tratar-se de uma simples cólica intestinal.

Inútil qualquer esforço, bebeu, resignado, o chá de erva-doce que o forçavam a engolir. E gostou.




terça-feira, 28 de abril de 2015

Verão - Conto de Daniel Teixeira


Verão

Conto de Daniel Teixeira

Havia uma chaminé, uma chaminé pequena, branca e também tisnada de um negro não muito escuro. Quase nem se notava, o negro. A chaminé parecia assentar nas telhas, e era mesmo assim como eu digo, assentava, simplesmente, como se tivesse sido ali plantada. Era como se fosse uma árvore de tronco claro num chão de terra castanha.

Por aquilo que eu via era uma casa baixa, ou talvez eu estivesse num ponto mais alto que o seu solo, não vi isso desde logo. Há casas baixas, eu sei que há, mas assim tão baixas mostrando-me o telhado e o enfiamento das telhas logo ali à minha altura, isso não. Teria de ser uma casa muito baixa, demasiado baixa para ter gente.

E tinha gente, tinha que ter. Havia um fumo ligeiro, esbranquiçado que saía do rendilhado da chaminé, assim - e fiz um gesto com as duas mãos - fazendo uma espiral que se diluía logo um metro ou dois depois em direcção ao azulado escuro do céu.

Talvez houvesse ali uma velhota, uma viúva, aquecendo-se à lareira - pensei. Mas nem estava assim tanto frio. Era capaz de não ser uma velhota aquecendo-se à lareira. Talvez estivesse cozinhando, fazendo uma sopa de couve com bocados de abóbora. E batata, uma sopa leva sempre batata.

Para ela chegava, um sopa chegava, se fosse mesmo uma velhota que lá estava cozinhando, mas não devia ser, pensei depois ao olhar melhor as paredes da casa. Estavam muito branquinhas, caiadas. E caiar as paredes de uma casa não é trabalho que possa ser feito por velhotas.

Talvez tivesse alguém que lhe caiasse a casa, um filho, um genro, alguém, também pensei. E podia não ser uma velhota cozinhando, talvez fosse uma pessoa de meia idade, era mais certo. Por ali não havia gente mesmo nova, isso eu sabia.

Os novos, os mesmo novos, tinham todos partido, abalado, tinham ido viver para outros lados, no estrangeiro ou na cidade, tanto fazia, tinham-se ido embora, para um lado ou outro. Os novos vão-se sempre embora, é muito raro ficarem, quase nunca acontece encontrar pessoas novas nas serras, naquelas serras.

Só no verão, lá pelo mês de Agosto ou mesmo no Natal. E é quando os velhotes, como aquela velhota que eu imaginava viver naquela casa vêem gente nova. Os netos, os filhos e filhas. E é bonito ver o corropio pelos caminhos, as correrias, os gritos.

E é quando os velhotes deixam de ser velhotes durante aquele tempo. São velhos, na mesma, mas deixam de ser velhos. É assim como que um acordar de uma vida onde jazem. Acho que não vivem, mesmo, durante esse tempo todo, durante quase todo o ano, os velhotes naquela serra. Respiram e esperam.

Ah, mas aquela casa, aquela casa, parecia bem tratada, estava mesmo bem tratada. Até o telhado que eu via, longo, talvez cobrindo três ou quatro quartos e uma sala, tinha as telhas bem direitas, bem alinhadas.

Não eram novas, as telhas, tinham aquele castanho esbatido, amarelado quase e viam-se algumas manchinhas de verde do musgo, talvez. Devia ser musgo.

A porta, pintada de castanho vinho cerrava a casa do outro lado por onde passei. E havia ainda duas janelas, também cerradas. E afinal a casa não era assim tão baixa. Não era muito alta mas também não era baixa. À volta da porta havia um amarelo ocre, uma tira um pouco larga, talvez com quinze centímetros e em dois canteiros, um de cada lado da porta, haviam umas hastes mortiças que esperavam a floração.

Talvez em Agosto, e se eu por ali passasse nessa altura, devia ver flores, certamente que as haveria. A velhota, se fosse mesmo uma velhota ou uma senhora de meia idade, tinha combinado com a natureza fazer florir aquelas hastes, agora quase secas, no Verão.

Dariam um ar mais bonito à casa - devia ela pensar. O que teria ela plantado ali (?) - perguntei-me. Deviam florir muito, no Verão, aquelas plantas. Ainda bem. Seriam como ela, floririam no mesmo tempo.

As risadas dos netos, o corropio, os choros das quedas no chão pedregoso, as asneiras que as crianças fazem, o ralhar, as pequenas irritações, os miúdos que não chegam a horas para comer, as repreensões dos pais e das mães, a filha ou a nora que diz que a sopa se faz assim e não da maneira que sempre se soube, tudo isso faz parte, velhota, tudo isso faz parte.

Já quando me afastava fui olhando para trás e lá estava ainda o fumo branco correndo da chaminé, as telhas alinhadas, a porta fechada. Tudo estava na mesma e tudo ficaria na mesma.

Eu sabia...isso eu sabia. Só mudava no Verão.

«Deus te guarde, velhota!» - tive vontade de lhe gritar já eu ia bem longe.
Afinal não falta muito para chegar mais um Verão - murmurei.



Lendas - A Mula Sem Cabeça


Lendas

A Mula Sem Cabeça

Longe, bem longe, em um vilarejo situado no interior do nada, vivia a bela Maria. Corriam os anos, e ela exalava pelos campos o seu ardor juvenil, a sua insinuante delicadeza virginal. Maria era desejada pelo mais robustos rapazes, sonhada pelo mais casadoiro dos homens. Mas a nenhum deles ela se rendia. Tanto menosprezou os pretendentes, que um dia foi por um deles amaldiçoada.

A paz da bela Maria fugiu quando, num certo domingo, surgiu na missa um padre a substituir o que morrera semanas antes. Ao contrário do seu antecessor, era jovem, belo e de sorriso sedutor. Tão logo os olhos de Maria cruzaram os do padre, a sua maldição começou. A donzela encheu-se de paixão pelo padre. Dentro dela ascendeu-se todas as luzes do desejo proibido.

Maria tornou-se a mais fiel participante de todas as missas do lugar. Cada hóstia que ingeria, diluía-lhe a sensatez da alma, aflorando-lhe o desejo. Tantas vezes voltou às missas, que não passou despercebida aos olhos e aos sentimentos do padre. No calor de Maria, o padre revelou o homem ardente que escondia debaixo da batina.

Muitas foram as noites de entrega, langor e prazer, que ambos perderam a clareza dos sentimentos, ficando cegos diante do povo do lugarejo, que a tudo assistia.

Numa noite de lua cheia, a população concentrou-se em frente à igreja. Quando Maria surgiu, foi cercada por todos. Ao seu redor foi feito um círculo de fogo. Um ovo enrolado com o seu nome foi atirado às chamas. Uma oração foi invocada. Maria ouvia os murmúrios que lhe chamavam de mulher do padre.

A noite de quinta-feira estava no fim, já chamando pela sexta-feira. No meio do círculo de fogo, quando a lua iluminou o rosto de Maria, uma terrível metamorfose debateu-se sobre ela. Sua pele foi ficando grossa, assumindo uma cor castanha. O corpo foi perdendo a forma ereta, curvando-se como uma besta. Mãos e pés transformaram-se em cascos, trazendo ferraduras de prata. A cabeça desapareceu, em seu lugar surgiu o fogo.

Completada a metamorfose, a bela Maria já não existia, era apenas uma mula sem cabeça, era a burrinha do padre.

No meio da praça, o povo assustado ouviu um relincho tão alto, que ecoou por todo o vilarejo. A mula sem cabeça soltou um soluço medonho, a lembrar a sua antiga forma humana.

Numa velocidade sem fim, a mula sem cabeça saiu em disparada. Corria desenfreadamente, despedaçando com as suas patas homens ou animais que se lhe ficassem no caminho. Somente os que se deitavam de bruços, escondendo unhas e dentes, é que não eram atacados pela besta. O trajeto da mula sem cabeça só encerrava ao terceiro cantar do galo. Exaurida, ela voltava a ter a forma da bela Maria.

Assim, toda noite de quinta para sexta-feira, quando a lua cheia despontava no céu, Maria cumpria a sua maldição. Transformava-se na mula sem cabeça. Seu trajeto só poderia ser interrompido se alguém conseguisse furar-lhe a pele, fazendo-a sangrar, voltando assim, à forma humana. Ou se o padre com quem dividira o calor do seu desejo, a amaldiçoasse sete vezes durante a missa.

O padre, envergonhado pela paixão que se deixara levar, fugira para sempre. Jamais se soube do seu paradeiro. Certamente não conseguiu amaldiçoar a bela Maria, que em noite de lua cheia, voltava a ser sempre a burrinha do padre.




O Saci Pererê - Conto / causo de Antônio Carlos Affonso dos Santos. ACAS, o Caipira Urbano.


O Saci Pererê

Conto / causo de Antônio Carlos Affonso dos Santos. ACAS, o Caipira Urbano.


Prólogo atual: este texto, feito em abril de 1998; faz parte de meu penúltimo livro, uma antologia de contos, crônicas e poesias, cujo título é «Fragmentos»; na verdade um livro quase inédito, posto que não tenho tempo de procurar livreiros e eles não me enxergam, quando os encontro.... .

Devido à tragédia que ocorreu com a cidade de São Luiz de Paraitinga, SP, durante o mês de janeiro de 2010 e sendo esta cidade a sede da Sociedade dos Criadores de Sacis (SOSACI), resolvei torná-lo público. Gostaria que os leitores pudessem ajudar as famílias de lá, da maneira que puderem!

Para os leitores lusófonos terem uma idéia, o desastre ambiental em São Luis de Paraitinga parece ser muito maior do que aquele que ocorreu na Ilha da Madeira, na última sexta feira, 19 de fevereiro de 2010; ainda com a diferença de que São Luis Paraitinga é uma cidade importante sob muitos aspectos, porém pobre... .
Quem quiser conhecer como a cidade era, entrar no site: www.paraitinga.com.br

Toda vez que chegava uma nova família na fazenda de café, onde eu vivia, todos se alegravam. Os adultos, por terem mais um amigo por perto, já para a molecada da fazenda, nem se fala! E, ao ver-mos que na família nova tinha um menino da nossa idade então, ficávamos curiosíssimos: será que o novo amiguinho teria um dote especial? Será que ele sabe jogar bola melhor, brigar melhor, nadar melhor? Será que ele sabe tocar viola ou cavaquinho, fazer gaiola de passarinho e arapuca; será que é bom de estilingue ou bodoque e etc.?

Cada um de nós ficava imaginando qual seria a sua experiência de vida; se ele tinha irmãos e outras coisas. Como era praxe, colono novo almoçava na casa do administrador no dia da chegada: era as «boas vindas». O Administrador, meu pai, pagava a despesa do próprio bolso, pois o fazendeiro sovina jamais o reembolsou; talvez Deus tenha feito isso por ele! Papai tinha muita pena de gente que viajava com filhos pequenos durante muitas horas, às vezes passavam o dia todo sem comer.

- Naquele sábado não foi diferente, quando vi o «panelão» que borbulhava no fogão à lenha, logo imaginei: como não vai haver festa, é colono novo chegando, e de longe.

- Percorri toda a colônia avisando meus amiguinhos que teríamos gente nova na fazenda e que meu pai afirmou que tinha um menino da minha idade. Nesse dia não saímos para pegar frutas, nem caçar, nem jogar bola: passamos o dia todo debaixo da mangueira do quintal da minha casa, brincando com vaquinhas e cavalinhos de bucha, caminhõezinhos de lata de marmelada, aos quais atávamos um «cordoné» para poder puxá-los.

Desse modo transportávamos uma boiada do curral de um até o piquete de outro, e vice-versa. Fazíamos transações comerciais, as quais eram pagas com tampinhas de refrigerantes (o guaraná Paulista valia um conto; guaraná Caçula, destões (um mil réis); Mãe-Preta ou Níger, quinhentos réis).

A tarde já se anunciava mostrando a barra do dia avermelhada e o céu azul, que só a região de Cravinhos tem, quando percebemos um certo alvoroço com o pessoal da casa: a carroça com a mudança do novo colono chegou.

Eu e meus amiguinhos corremos até o portão da frente da casa e deparamos com uma família diferente: o pai, que estava conversando com o meu, era um crioulo alto, forte, com dentes brancos e perfeitos, com as carapinhas já embranquecendo; a mãe parecia bastante jovem, com um bebê no colo, ao mesmo tempo que dava ordens ao menino e sua irmã, um tanto atarantados com minha presença e de meus amiguinhos, e remexia em sacolas, sacos e embornais à procura de não sei o quê.

Meu pai muito gentil, pediu que apeassem e se preparassem para aquele almoço fora de hora. Minha mãe foi chispando reacender o fogo e botar o panelão e a assadeira para aquecer.

- Eu e meus amiguinhos não desgrudávamos os olhos do menino, que agora sabíamos chamar-se Ditinho, que por sua vez parecia muito incomodado com a nossa presença. Toda a família do Ditinho foi até a «vasca» do fundo do quintal, se refrescaram, banharam os braços e o rosto, molharam delicadamente a cabeça e a mãe penteou-os todos, até o marido.

Nesse ínterim minha mãe chamou-os para comer e já estava com a mesa posta: no panelão, risota caipira: uma espécie de sopa de pouco caldo com arroz, batata, frango, cenoura, vagem, cozidos com açafrão recém colhido, coberto de salsinha picada e queijo curado ralado; havia também mandioca frita, feijão, uma farinheira cheia de farinha de mandioca, que eu ajudei a fazer, e uma assadeira com um pernil de tatu «rabo mole» tostadinho, duas jarras de água da bica e uma tigela de arroz-doce com folhas de laranjeiras.

Eu e meus amiguinhos não ficamos ao lado da nova família de colonos, mas ficamos apinhados do lado de fora das duas janelas da sala com a grande mesa, onde freqüentemente comíamos em, no mínimo, nove pessoas.

Enquanto o pai do Ditinho almoçava, os camaradas da fazenda descarregaram a mudança na casa recém caiada da colônia, com chão de terra - batida, dois quartos, sala e cozinha. Na fazenda, os banheiros são feitos do lado de fora, diretamente sobre uma fossa, que a cada ano era coberta de «cal viva» e aterrada, sendo então feita uma outra.

Na verdade era cercada por folhas de zinco, e de zinco era também a cobertura. Eu e meus amiguinhos assistimos a despedida da família do Ditinho, agradecendo a hospitalidade e rumando para sua nova casa. Quando passou por nós, o Ditinho disse amanhã eu quero falar com vocês!

Ficamos bastante ansiosos, e mal podíamos esperar para falarmos com o novo amigo no dia seguinte. De manhã, como de costume, apanhei a caneca de louça, coloquei dois ou três dedos de café, acrescentei quatro colheres de açúcar cristal e fui até o curral, para tomar meu café com leite «direto da fonte».

A «fonte» era uma vaca rústica, toda «chitadinha» de branco e preto, chamada Bela Vista, que era a nossa preferida. O tirador de leite, que começava a ordenha por volta das quatro da manhã, precisava tirar o leite todo antes das sete horas, quando então enviava para minha casa duas latas de vinte litros: uma para os colonos e outra para fazer os queijos dos patrões; pelo menos dois por dia.

Portanto, o tirador de leite sempre deixava a Bela Vista para o final, pois a qualquer momento eu e meus irmãos podíamos querer leite fresco. Ele esperava até sete horas, aí então terminava seu serviço.

Pois bem, após meu desjejum, passei em casa e comi um belo pedaço de pão caseiro com queijo e me dirigi à colônia: pretendia reunir os meus amiguinhos e, juntos, irmos a casa do Ditinho. Mas, ao chegar à colônia, já os vi todos, inclusive o Ditinho, num bate-papo animado, que só parou quando me aproximei e disse: - o que você quer falar com a gente? Antes mesmo de o Ditinho abrir a boca, o Ném, meu amigo disse: ele vê e ouve saci - pererê!!.

Ele vê o que?, disse eu sem entender direito: saci - pererê, disseram todos em coro.

Nesse ponto, o Ditinho começou a contar a sua história: disse que sua mãe verdadeira já havia morrido, e aquela que morava com seu pai, era sua madrasta, e que sua irmã, por parte de mãe sofre de vermes e desmaia quando passa vontade de comer alguma coisa, mas que o bebê é lindo; a madrasta não liga pra ele e seu pai é generoso e trabalhador e que desde que era menino, ele via saci - pererê, só que não sabia o que era: a primeira vez que viu tinha quatro anos, fazia muito tempo, pois agora já tem sete e que qualquer criança pode ver o saci - pererê e que ele não faz mal a ninguém, só faz estripulias, que quando tinha cinco anos ele não quis brincar com o Saci e que o Saci derrubou todas as panelas da madrasta no chão da cozinha, durante a madrugada e que seu pai deu dois tiros de espingarda nele e que agora tem medo do saci se vingar do seu pai.

Eu e meus amiguinhos, inclusive o novo, ficamos ali até que ouvi o sino da sede da fazenda: era o sinal da minha mãe, avisando os filhos e meu pai que o almoço já estava pronto. Durante o almoço com minha família comentei com meu pai do menino novo que via e ouvia saci - pererê e enquanto meus irmãos faziam caçoada de mim, meu pai falou: Pois, agora, toda vez que vocês saírem juntos, você tem que levar uma caixa de fósforos no bolso.

Meus irmãos todos se calaram e meu pai não disse mais uma palavra, continuou calmamente a almoçar, com o olhar cúmplice de minha mãe: No mesmo instante eu percebi que meu pai também acreditava, ou já tinha visto um saci - pererê.

Durante os próximos dias e durante todo o ano, até a colheita do café, após a qual todos os contratos dos colonos venciam e discutia-se, quem vai ficar na fazenda e quem vai sair, discutíamos os casos dos sacis - pererês.

Certo dia o tirador do leite não encontrava os baldes para a ordenha, num outro dia os rabos dos cavalos apareciam amarrados uns aos outros, noutra ocasião esvaziaram o lavador de café, inundando todo o terreiro de secagem e atrasando o beneficiamento por mais de uma semana, enfim de vez em quando alguma traquinagem acontecia na fazenda: e eu sempre com a caixa de fósforos no bolso.

No final da colheita do café daquele ano, a família do Ditinho resolveu ir embora para São Paulo e eu e meus amiguinhos ficamos muito tristes, pois embora o Ditinho não pudesse jogar bola e tivesse dificuldade de nadar ou caçar de estilingue suas estórias eram muito excitantes.

No dia da sua partida, marcamos com ele para nos despedirmos junto à porteira da fazenda, uns dois quilômetros longe de casa, em meio a uma mata fechada. Quando a carroça com a mudança chegou, não vimos o Ditinho. Perguntamos por ele, e seu pai disse: ele vem vindo a pé pelo meio do mato - e foi embora. Estranhamos muito, mas ficamos ali esperando.

Após algum tempo, ouvimos um assovio longo e forte e nos voltamos para uma «picada» no mato e vimos o Ditinho com um boné vermelho na cabeça, cachimbo na boca, pulando sobre sua perna aleijada, completamente pelado e gritando:- me dá o fogo senão morre ou fica bobo!

Todo amedrontado, retirei a caixa de fósforos do bolso e entreguei ao Ditinho, que saiu rindo alto e assoviando, pulando atrás da carroça de mudança.

O Ditinho era o próprio saci-pererê!




segunda-feira, 27 de abril de 2015

O MEU ÚLTIMO CIGARRO FOI HÁ 27 ANOS - Por Joaquim Nogueira


O MEU ÚLTIMO CIGARRO FOI HÁ 27 ANOS

Por Joaquim Nogueira

“… tudo aconteceu num ápice, num momento normal da vida… era cerca do meio dia e meia hora do dia 18 de Abril do ano de 1988 e encontrava-me de pé encostado ao balcão do café do Luís a comer uma tosta mista e a beber uma cerveja… de repente, a minha vista esquerda deixou de ver… tapei o olho direito com a mão e apenas via um cinzento prateado e uma mancha escura para o lado esquerdo…

calmamente, continuei a comer, comi mais um bolito e bebi o meu café… saí normalmente, segui para o meu escritório e fui lavar a cara e deitar água para a vista… mas nada aconteceu, tudo se manteve na mesma…

a pé, dirigi-me para a Clínica Santo António, ali perto, entrei, segui até ao balcão e com uma calma tremenda disse à funcionária: - Desculpe, estou a perder a visão, estou a sentir-me mal e a entrar em pânico… por favor, vá transmitir isto ao Médico (por acaso, havia Oftalmologia e havia um em serviço àquela hora)…

a moça, muito atónita a olhar para mim, lá se levantou da sua cadeira e seguiu em direcção ao gabinete clínico… quando regressou, um minuto depois, disse-me: - venha se faz favor que o senhor doutor atende-o já…
 
depois de agradecer lá segui para a sala de espera… de dentro do gabinete saiu um doente e eu entrei de imediato… contei o que se estava a passar, fui bem examinado e o diagnóstico foi-me dado logo ali: - o senhor acaba de ter um AVC e precisa de ir imediatamente para a Neurologia. Aguarde um momento que eu vou ver se o meu colega está de serviço…

ali fiquei a aguardar… a calma aparente obrigou-me a acender um cigarro, o último que fumei, seriam cerca das 15 horas desse dia… quando o oftalmologista regressou levou-me para o gabinete da neurologia onde o especialista me examinou e confirmou o diagnóstico anterior… passou-me um relatório e disse-me para ir ao Delegado de Saúde carimbar o chamado P1 para poder ir fazer de imediato um TAC…

assim fiz… no dia seguinte, de manhã, obtido o documento segui para o Porto onde fiz o dito exame… deitei-me na bela marquesa do túnel do terror e surge um enfermeiro de seringa na mão… aí eu disse: - Um momento por favor: o que vai fazer?... ao que ele me explicou ir injectar-me o iodo para contraste e que iria sentir um ardor na cara que desceria pelo peito até às pernas e que desapareceria nos pés…

(assim, na verdade, aconteceu) mais descansado, fiquei estático com a cabeça presa por uma fita e disseram-me para não me mover e olhar para uma luzinha vermelhinha que estava por cima da minha testa… e, pronto, ao fim de uns minutos, saí do túnel e mandaram-me esperar para ver o resultado…

havia, na verdade, sofrido um pequeno acidente vascular cerebral provocado por arteriosclerose tabágica (durante 27 anos havia fumado 2 maços diários)…

mandaram-me embora com a famosa receita da Aspirina 100 e que deveria ser seguido pela especialidade e fazer uns campos visuais de quando em vez… entretanto, a cegueira foi abrandando apesar de ter durado 33 horas…

segui os conselhos e, nunca mais fumei…

faço assim, hoje, 27 anos sem tabaco… creio que foi uma vitória apesar de a ter conseguido por ter apanhado um dos maiores sustos da minha vida…

e aqui acabei de contar a minha odisseia de como parei de fumar…”

Joaquim Nogueira




Poesia de Euclides Cavaco


Poesia de Euclides Cavaco
 
DIA DOS MONUMENTOS, aqui deixo uma versão das nossas:

SETE MARAVILHAS DE PORTUGAL

Poema de Euclides Cavaco.

Em Terras da Nossa Terra
Faço destas redondilhas
Um poema que descerra
Nossas sete maravilhas.

Entre muitos monumentos
Considerados perfeitos
Após os discernimentos
Só sete foram eleitos.

Em GUIMARÃES O CASTELO
E JERÓNIMOS também
O monumento modelo
Que é a TORRE DE BELÉM.

ÓBIDOS p’la sua graça
Com seu CASTELO altaneiro
O MOSTEIRO DE ALCOBAÇA
Do turismo qual roteiro.

O MOSTEIRO DA BATALHA
Moldado em pedra morena
E bem digno de medalha
É o PALÁCIO DA PENA.

Cada um é maravilha
De dimensão cultural
Que com tanto fulgor brilha
Em terras de Portugal !...

Euclides Cavaco


DIA internacional do LIVRO

O LIVRO

Poema de Euclides Cavaco

Um LIVRO é como um tesouro
Muitas vezes escondido
Mas que vale mais que o ouro
Ou fortuna quando é lido.

Qualquer LIVRO é para nós
Um amigo e confidente
Porque mesmo sem ter voz
Diz-nos tudo abertamente.

Um bom LIVRO é mais valia
Na cultura é soberano
Por dar a sabedoria
Que enriquece o ser humano.

Quem lê um livro usufrui
Conhecimento e saber
Da riqueza que ele possui
Sem dela se desfazer !...

Euclides Cavaco



domingo, 26 de abril de 2015

Anedotas recolhidas na Net (Facebook sobretudo)


Anedotas recolhidas na Net (Facebook sobretudo)

 
Negócio Alentejano...

Um velho alentejano agricultor, com sérios problemas financeiros, comprou uma mula de outro agricultor por 100 Euros.

Concordaram que a entrega da mula seria no dia seguinte.
Entretanto, no dia seguinte, o agricultor chegou e disse:
- Desculpe, mas tenho más notícias. A mula morreu.
- Bom, então devolva-me o dinheiro.
- Não posso. Já gastei tudo.
- Tudo bem. Mas, entregue-ma na mesma.
- E o que e que vai fazer com uma mula morta?
- Vou rifa-la!
- Você não pode rifar uma mula morta!
- Claro que posso! Só que não vou dizer a ninguém que o bicho está morto...

Um mês depois, os dois agricultores encontram-se e o que vendeu a mula perguntou:
- Então, o quê que aconteceu à mula morta?
- Rifei-a como lhe tinha dito. Vendi 500 números a 2 Euros cada e tive um lucro de 998 Euros.
- E ninguém reclamou?
- Só o fulano que a ganhou na rifa. Devolvi-lhe os 2 Euros...


A CULPA É DA CHUVA....

Um homem entra na igreja e vai ao confessionário.
"Perdoa-me, padre, porque eu pequei", diz ele.

"Qual é o seu pecado, meu filho?", pergunta o padre.
"Bem, um mês atrás, eu estava na biblioteca até à hora de fechar, e quando quis ir embora, começou a chover muito, sem parar. Depois de algum tempo, a bibliotecária e eu fomos ficando mais confortáveis e... bem... fizemos festa a noite inteira, se é que o senhor me entende."

"Não foi correto mas também não foi horrível, meu filho", disse o padre. "Se foi apenas um único deslize, Deus vai perdoá-lo."

"Aí é que está", disse o homem, "mais ou menos uma semana atrás, eu dei uma ajuda à minha vizinha e consertei as persianas dela, e quando ia pra casa, começou a chover muito, muito, sem parar, e... bem... o senhor sabe, foi festa a noite inteira."

O padre ficou em silêncio por alguns segundos.

O homem cobriu o rosto com as mãos e, em soluços, perguntou: "O que eu devo fazer agora, padre?"

"O que você deve fazer?", berrou o padre, "Você deve sair já daqui antes que comece a chover!"


Dois alentejanos vão à feira de Beja

Há dois alentejanos que vão à feira de Beja e compram dois porcos, um para cada um. Então, chegam à aldeia e metem os dois porcos na mesma pocilga. Entretanto, anoitece e um dos compadres começa-se a lembrar: - "
-Os dois porcos estão na pocilga. Temos que fazer um sinal aos porcos para saber qual é o porco de um e o porco do outro."

No outro dia, diz um compadre para o outro: -
-Compadre, temos que fazer um sinal aos porcos para saber qual é o porco de um e o porco do outro! - Tá bem! No outro dia encontram-se, e diz um para o outro: -
-Então compadre, já fez o sinal ao porco? -
Já sim senhor! Cortei-lhe metade do rabo. -

-Ó compadre, você não quer lá ver que eu fiz o mesmo ao meu?! - Não há problema compadre! A gente faz outro sinal. No outro dia: -

-Então compadre, qual foi o sinal que fez desta vez ao porco? - Olhe compadre, cortei-lhe metade da orelha direita! -
-Ó compadre, você não quer lá ver que eu fiz o mesmo ao meu?! -
-Mas olhe! Deixe lá isso, você fica com o branco que eu fico com o preto!...

Mas que parvalhões!...


Um rapaz de 16 anos chega em casa com um Porsche

Um rapaz de 16 anos chega em casa com um Porsche e os pais gritam:
-Onde conseguiu isto ?
Ele calmamente responde:
-Acabei de comprar.
- Com que dinheiro? perguntam.
Sabemos quanto custa um Porsche !

- Bem, ele disse, este custou 15 dólares.
E os pais esbracejaram ainda mais:
- Quem venderia um carro destes por 15 dólares ???
- A senhora logo acima na rua.

Não sei seu nome, mudou-se recentemente para cá. Ela me viu passando de bicicleta e perguntou se queria comprar o Porsche por 15 dólares.
- Santo Deus! gemeu a mãe, deve abusar de crianças.
Quem sabe o que fará depois?

José, vá lá imediatamente, para ver o que está acontecendo.
O pai foi até à casa da senhora e ela calmamente plantava petúnias no jardim.

Ele se apresentou como pai do rapaz a quem ela vendeu o Porsche e perguntou por que ela havia feito aquilo.
- Bem, disse ela, pensei que meu marido estivesse viajando em serviço, mas descobri que ele fugiu para o Havai com a secretária e não pretende voltar...
Esta manhã ele me ligou e pediu que vendesse o Porsche e lhe enviasse o dinheiro...

Então eu vendi...

As mulheres são ou não são maravilhosas?!


Quatro homens católicos

Quatro homens católicos e uma mulher católica tomam café na Praça de
São Pedro, em Roma
O primeiro homem católico diz aos seus amigos:
- O meu filho é padre. Quando ele entra numa sala, toda a gente diz:
"Reverendo!"

O segundo sussurra:
- O meu filho é bispo. Quando ele entra numa sala, as pessoas dizem "Excelência Reverendíssima!"

O terceiro disse:
- O meu filho é cardeal. Quando ele entra numa sala, toda a gente diz:
"Eminência!"

O quarto homem disse orgulhosamente:
- O meu filho é o Papa. Quando ele entra numa sala, as pessoas dizem
"Santidade!"

Uma mulher católica estava a tomar o seu café em silêncio. Os quatro homens perguntaram-lhe então ironicamente:
"E você?"

Ela respondeu com orgulho:
- Eu tenho uma filha, elegante, alta, 95 de peito, 60 de cintura, 90
de anca e, quando entra em qualquer sítio, as pessoas dizem: "Meu Deus!"


Um lisboeta e um alentejano...

Um lisboeta e um alentejano foram parar à mesma barbearia, no tempo em que ainda lá se fazia a barba.
Lá sentados, com um barbeiro a atender cada um deles, não se falou uma palavra.

Os barbeiros temiam iniciar qualquer conversa, pois poderia descambar em discussão.
Terminaram a barba dos seus clientes mais ou menos ao mesmo tempo.

O barbeiro que tinha o lisboeta na sua cadeira estendeu o braço para pegar o after-shave, no que foi interrompido rapidamente pelo seu cliente:
- Não obrigado, a minha esposa vai sentir esse cheiro e pensar que eu estive numa casa de p**** disse o lisboeta.

O segundo barbeiro virou-se para o alentejano:
- E o senhor? - indagou.
E o alentejano respondeu:
- Ponha bastante! A minha mulher nunca lá esteve e não sabe como é o cheiro de uma casa de p****...


Pois, e as mulheres sempre a queixarem-se dos homens...

Um grupo de mulheres reuniu-se num seminário sobre como melhorar a sua vida conjugal.
Em fase introdutória, foi-lhes questionado: "Quais de vós ainda amam os seus maridos?”
– Todas levantaram a mão!

De seguida foram inquiridas sobre qual a última vez que teriam dito aos seus maridos que o amavam.
– Algumas responderam "Hoje”, outras ;"Ontem” a maioria não se recordava!

Por fim fizeram um teste e pediram-lhes que todas agarrassem no respectivo telemóvel e enviassem um sms aos seus maridos dizendo "Amo-te muito Querido.”

Depois foi-lhes pedido que mostrassem as respostas dos respectivos Maridos.

Estas foram algumas das respostas:

– Mãe dos meus filhos! Tu estás bem?

– Que foi? Bateste com o carro outra vez?

– Que fizeste agora? Desta vez não te perdoo!

– Que queres dizer?

– Não andes com rodeios, diz-me só de quanto precisas.

– Estarei a sonhar?

– Se não me dizes para quem era este sms, juro que te mato!

E a melhor de todas:
– Quem és?


No Bar...há limites para tudo...

Um homem sem os dois braços chegou ao balcão do bar e pediu:
- Sirva-me uma cerveja.
- Perfeitamente - disse o barman, e encheu um copo de cerveja ao freguês.

- Queira desculpar - falou o aleijadinho -, mas não tenho os dois braços. Quer ter a gentileza de segurar o copo para que eu possa beber?
- Com todo o prazer - e o barman segurou o copo na posição adequada.

- Agora, será que pode tirar o lenço do bolso das minhas calças e limpar a espuma dos meus lábios?

Novamente, o barman atendeu-o.

- E do bolso esquerdo das calças pode pegar no dinheiro para pagar a cerveja?

O barman tirou o dinheiro, registou na caixa e colocou o troco no bolso das calças do aleijadinho, que logo desabafou:

- É duro ser assim aleijado. Fico sempre encabulado por ter de pedir às pessoas para fazerem as coisas para mim. Por falar nisso, onde fica a casa de banho?

- Não temos - apressou-se a dizer o barman.


Não sei que horas são...

Um tipo sai bêbado de uma discoteca às 7 da manhã e mete-se no carro. No entanto, tem um momento de lucidez e decide dormir no carro antes de se meter ao caminho. Estaciona então ao lado de um jardim e adormece.

Minutos depois um tipo em fato de treino que anda a correr bate à janela do carro, acorda-o e pergunta-lhe que horas são.
- Sete e cinco - resmunga ele.

Cinco minutos mais tarde outro desportista volta a bater-lhe à janela do carro para perguntar as horas.
- Sete e dez - responde ele.

Nessa altura saca de um papel e de uma caneta e escreve em letras grandes:
"Não sei que horas são!"», e pendura o letreiro na janela do carro.

Cinco minutos mais tarde um tipo que vai a passar bate-lhe à janela do carro e diz-lhe:
- São sete e um quarto!

 
O cão inteligente


Um indivíduo vai com o seu cão ao cinema. O sujeito da cadeira ao lado, começa a ficar espantado ao ver que o cão ria e batia palmas, como se estivesse realmente a compreender o filme. Diz o sujeito para o dono do cão:

- Estou admirado, o seu cão percebe o filme todo.

- Ai está admirado?! Mais admirado estou eu!

- Então... mas porquê?

- É que ele... leu o livro e não gostou!...


A MOTO E A MULHER


O inventor da moto Harley-Davidson, Arthur Davidson, morreu e foi para o céu. Ao chegar lá, São Pedro disse-lhe:
- Meu filho, foste um bom homem e as tuas motos mudaram o mundo, podes fazer um pedido:
Arthur pensou um pouco e disse:
- Quero encontrar-me com Deus!

São Pedro levou Artur até a sala do trono e apresentou-o a Deus.
Deus reconheceu Arthur e disse-lhe:
- Então inventaste a Harley-Davidson? Arthur respondeu:
- É verdade, fui eu ..

Deus comentou:
- Não foi uma boa invenção... É um veículo instável, barulhento e poluidor. Manutenção complicada, alto consumo...

Arthur ficou aborrecido com o comentário e retrucou:
- Desculpe-me, mas não foi o senhor que inventou a mulher?
- Sim, fui eu! - Responde Deus.

- Bem, aqui entre nós, de profissional para profissional, você também não foi nada feliz na sua invenção! Há muita inconsistência na suspensão dianteira; É muito barulhenta e tagarela em altas velocidades; Na maioria dos casos, a suspensão traseira é muito macia e vibra demais; A área de lazer está localizada perto demais da área de reciclagem; Os custos de manutenção são exorbitantes.

Deus reflectiu e respondeu:

- Sim, é verdade que o meu invento tem defeitos, mas de acordo com os dados que levantei, há muito mais homens montados na minha invenção do que na tua...


Logo no começo

Depois de uns dias, o Senhor chamou Adão e disse:
— É tempo de você e Eva começarem o processo de povoar a Terra. Portanto, quero que você a beije.
— Sim, Senhor — concorda Adão — Mas o que é um beijo?

Então o Senhor deu a Adão uma breve descrição do que é um beijo. E Adão tomou a mão de Eva e a levou atrás de um arbusto.
Alguns minutos depois, Adão voltou e disse:
— Obrigado, Senhor. É muito bom!

E o Senhor respondeu:
— Eu sei, Adão. Eu imaginei que você iria gostar. Agora eu quero que você faça umas carícias em Eva.
— Mas o que é uma carícia, Senhor? — perguntou Adão.

O Senhor deu a Adão uma breve descrição do que é uma carícia e Adão voltou atrás do arbusto com Eva. Alguns minutos depois, Adão voltou com um sorriso nos lábios e disse:
— Senhor, isso é muito melhor que beijo.

— Você está indo muito bem, Adão — respondeu o Senhor — Agora eu quero que você faça amor com Eva.
— O que é fazer amor, Senhor?

Então o Senhor deu a Adão uma breve descrição do que é fazer amor e Adão levou de novo Eva para atrás do arbusto. Só que desta vez ele voltou depois de poucos segundos.

— Senhor, o que é dor de cabeça?


Milagre!

Pela primeira vez na minha vida, na semana passada fui a uma reunião da tão criticada Igreja Universal e partilhei as práticas e orações dos presentes.

De repente, o Pastor se aproximou do lugar onde estava. Olhou-me fixamente e apontou-me o dedo.
Piedosamente, ajoelhei-me e ele colocou as suas mãos na minha cabeça e clamou em voz alta: -Você vai caminhar.

Eu respondi-lhe baixo: -Mas não tenho nenhum problema de locomoção.

Ele ignorou minha resposta e quase gritando, voltou a exclamar: -Irmão, você vai caminhar!

Toda a Assembleia, com as mãos ao alto, começou a chorar: -Você vai caminhar!

Mais uma vez, tentei explicar que não tinha nenhum problema com meus membros inferiores, mas foi em vão.

Cada vez mais forte e com mais energia, ele repetiu: -Você vai caminhar!!! enquanto a Assembleia em transe gritava ainda mais forte: -Irmão, você vai caminhar!!!!

Optei por me calar e não dizer mais nada.

Quando o acto acabou deixei a Assembleia e, acredite ou não, o maldito pastor tinha razão:

Tinham-me fanado o carro!!!




A importância na observação - Por Daniel Teixeira


A importância na observação

Por Daniel Teixeira

O termo voyeur é uma expressão normalmente vista numa perspectiva crítica ou depreciativa e é utilizado para definir, ou simplesmente episodicamente referir quem gosta de ver ou quem dá alguma primazia ou valor ao acto de observar outras pessoas ou coisas, entendendo-se aqui que essa observação do outro ou da coisa deverá ter implícita pelo menos alguma ligação com o observado.

Eu explico melhor esta última parte que pode aparecer como sujeita a confusão: em princípio não se observa apenas para observar; um astrónomo amador observa as estrelas, por exemplo, porque pretende compor a sua ideia sobre aquilo que é uma estrela, a sua forma, o seu brilho, a constelação onde se encontra, etc. Isto quer dizer que o observador deve ter um fim em vista e mesmo quando o faz por mera curiosidade diletante tal acto acaba por fazer suscitar em si um desejo por uma ou mais particularidades do ou dos objectos observados.

Claro que aqui interessa referir que deve haver alguma constância no acto de observar, até porque através da ocasionalidade será impossível detectar-se uma qualquer simpatia ou empatia para com o outro ou com a coisa observada. Jean Paul Sartre, nalguns desenvolvimentos que faz para definição do grupo pode dar-nos aqui uma pista comparativa até porque mais à frente voltaremos a falar dele.

Resumidamente, um conjunto de pessoas que apanha um autocarro no mesmo local com o mesmo destino não constitui um grupo, mas um conjunto de pessoas que participa numa deslocação programada, de autocarro, por exemplo, com partida e chegada ao mesmo local, embora se disperse de novo depois, antes durante e logo depois do decorrer da viagem é um grupo. Ora uma observação para o ser tem de equivaler a esta ideia acima referida: ser constante ou continuada.

As conotações dadas ao termo «observar» parecem esquecer o platonismo, ou o vulgarmente chamado amor platónico presente no diálogo Simpósio (Banquete). Embora a temática desenvolvida neste diálogo possa ser entendida como menos própria, trata este velho filósofo de destrinçar entre amor e (um pouco forçado) amor sem amor, sem apego, sem afeição.

Platão parece simpatizar com a segunda fórmula, até porque esta não distrai o observador dos verdadeiros interesses do saber e do conhecimento aos quais dá a primazia, que são do domínio do cérebro (pensamento) e não do domínio do corpo ou da paixão amputadora da racionalidade, como o primeiro. No seu entender é claro.

Assim, e voltando a Sartre acima, teremos que de forma grosseira Platão tenderia para a ocasionalidade e não para o grupo (ou agrupamento) definido acima. Assim, platonicamente, sem querermos ser muito rigorosos, observar (de forma correta, para ele) seria não se envolver com o observado. Refiro que se trata de analogias lógicas e não propriamente de análises consubstanciadas caso a caso.

Ora, observar, todos gostamos, penso eu. Aliás penso até que é uma das actividades à qual nos dedicamos por uma maior fracção do nosso tempo de vida. Na verdade, com excepção dos invisuais, somos dotados de visão e seria pouco compreensível que não exercêssemos essa actividade. O mundo à nossa volta está pleno de movimento, de seres e não-seres, de cores, de luz e sombra, breve, acho que é impossível escapar ao acto de observar.

Observar é um fenómeno que tem sido referido ao longo da literatura e mesmo na filosofia: Jean Paul Sartre por exemplo utilizou o termo para dizer que não se pode ser espectador e actor ao mesmo tempo, questão que eu acho discutível mas que não vou aqui discutir, porque na realidade o actor observa ainda que o faça de acordo com o interesse que tem na pessoa ou nos objectos com os quais interage.

Na verdade, Sartre distingue quase o mesmo que Platão acima: o envolvimento torna-nos actores e não podemos observar, pelo menos de forma «limpa / imparcial» aquilo em que estamos envolvidos. Vamos passar à frente a questão da subjectividade empregue ou não no envolvimento para lembrar o ditado de que não se pode ser juiz / julgar em causa própria.

Por sua vez e num outro paradigma de pensamento, um escritor americano (salvo erro Erskine Caldwell) relata num dos seus romances a luta entre dois indivíduos pela «posse» de um buraco na parede de um armazém naqueles ambientes um pouco surrealistas do campesinato americano dos anos 20 ou 30, com homens de calças de presilhas à jardineiro e ausência de banho anual.

Pois o dito buraco dava para a apreciação não de qualquer coisa extremamente escandalosa, não para a visão intromissora em algo de íntimo e pessoal, para algo em movimento que despertasse um desejo de seguir a sua continuidade, mas sim para uma extensa pradaria, vazia e sem qualquer significado se fosse vista da porta do dito armazém.

O importante era, pois, o buraco, a visão que era proporcionada pelo filtro do buraco, o facto de haver algo a separar o espectador da paisagem, a sensação diferente que era ter de mexer o corpo, e o olho, para olhar para a esquerda ou para a direita, enfim...se seguíssemos o raciocínio tratava-se de ver através daquele buraco na parede do armazém ... nada diferente, em sentido rigoroso. Mas o que interessou ao escritor foi descrever que é possível ver diferente vendo a mesma coisa de duas maneiras: através da porta e através do buraco na parede.

Quando se trata de obras, sobretudo as públicas, é frequente ver-se nos taipais pequenos furos, apenas suficientemente largos para que uma ou mais pessoas possam espreitar e não sei se por piada se por filosofia empresarial aparecem por vezes os dizeres, acompanhados de seta a feltro :«Espreite por aqui.»

Ora, estes elementos todos e mais alguns que fui recolhendo ao longo dos anos, de forma desinteressada e sem objectivo desde logo definido, levam-me hoje a fazer a reflexão que se impõe sobre a «magia» do buraco.
 
Há de facto algo de solene espreitar pelo buraco mesmo que aquilo que se vê seja precisamente aquilo que se pode ver de forma «livre» e aberta.
 
O buraco soleniza as coisas, faz aquela separação que Nietzsche chama de separação entre actor e público, nas suas Origens da Tragédia. Aquela sensação de não estar por dentro soleniza aquilo que está por fora e a prova está nas referências literárias que fiz acima.

Mas, mais que isso, o pessoal que trabalha numa obra, e isto é importante, mesmo muito importante, não é objecto de crítica se por acaso estiver encostado à bananeira a deixar passar o tempo até ao apito de saída. Se perguntarmos a um «espreitante» usual ou não o que acha disso ele dirá que não tem nada com isso, está ali para espreitar e nada mais, o andamento da obra não lhe interessa: basta que do outro lado haja gente em movimento, máquinas, paredes e valas abertas.

Ora, e como vimos isso acontece a quem ou à coisa que está para além do buraco. Acontece com aquele que tem uma separação nítida e impeditiva de marchar à sua frente, aquele que não se pode fundir com o observado, aquele que não faz parte do mesmo «ambiente» funcional. Opta então essa pessoa pela ausência da crítica.

Não sendo esta uma questão transcendente é quanto a mim no entanto significativa sobretudo porque se aplica em diversos domínios da nossa forma de pensar e ver as coisas embora nem sempre lhe demos a devida importância, nomeadamente e como exemplo quando frequentamos redes sociais.





sábado, 25 de abril de 2015

GRANDES FEITOS-UMA ODISSEIA


GRANDES FEITOS - UMA ODISSEIA


Impelidos pelo espírito aventureiro que os caracteriza, os pescadores olhanenses lançam-se no comércio marítimo pelos portos do Norte África e do Mediterrâneo, a comerciar os produtos da sua safra, com relevância para o peixe e seus derivados. 

Esse comércio trouxe a fortuna a várias famílias que fizeram engrandecer física e historicamente a sua querida Olhão. Poucas memórias encontramos desse período de aventura, em que o caíque de vela latina foi figura principal, juntamente com o pescador pertinaz da Terra, protagonistas de feitos, que, se passados a obra escrita, configuraria uma GRANDE ODISSEIA ou uma GRANDE EPOPEIA MARÍTIMA. 


A colonização olhanense no Sul de Angola abrangendo o séc. XIX e princípios do séc. XX foi outra glória histórica deste povo audaz. Infelizmente desconhecemos qualquerdiário de viagem que comprove sequer uma dessas aventuras cheias de peripécias e perigos. Quais os mares mais rebeldes que poderiam pôr à prova a intrepidez, a audácia desses intérpretes de aventuras, intemeratos e audaciosos? Quantos sonhos e vidas soçobraram nos mares da Serra Leoa onde as águas e os ventos estão em constante revolta? Como puderam contornar as rochas que quase despontam à superfície do mar no arquipélago de Bijagós, Guiné? Como contornaram essa armadilha sob as águas que só uma sonda poderia avaliar? Quantos medos no alto das vagas gigantescas de tempestades medonhas ou nos abismos côncavos dessas vagas? Quanta fome, quanta sede suportaram nossos avós nessas viagens intermináveis? Esse desconhecimento remete-nos irremediavelmente para a história incompleta e esquecida na sua vertente essencial: a Humana.


Cento e quinze anos após o início desses feitos épicos, a história quis devolver à Mãe Pátria Portuguesa os descendentes daqueles valentes pescadores de XIX e XX e todos aqueles que apostaram o seu futuro na emigração e naquele destino no Sul de Angola tomando, alguns, após chegada, outros destinos no território. A guerra civil chegou no decurso do ano de 1975. 

Nada mais havia a fazer senão a saída intempestiva ou organizada quanto possível de uma terra onde a ação do homem europeu e africano, lado a lado, tornou próspera e progressiva. As traineiras procuraram sair, no maior segredo, dos portos de pesca para a viagem da salvação de pessoas e bens. 

Uma nova Odisseia ía-se iniciar, a "ODISSEIA do REGRESSO", não em caíques do séc XIX à vela, que fora passado, mas em prósperas traineiras do séc. XX, na conquista do futuro, odisseia documentada "vaga a vaga", à escala de um diário, por quem a viveu. 

Baldomiro Soares natural da Ilha da Culatra, frente a Olhão, e emigrado em Luanda, depois de ter vivido alguns anos no Bairro da Torre do Tombo em Moçâmedes, hoje Namibe, era bancário e viveu-a, com o seu pai, mestre Sabino, homem de muito saber acumulado ao longo de 50 anos na pesca e com muita navegação costeira, mas sem o conhecimento de navegação de longo curso, seu irmão Sabino, delegado de propaganda médica e sua cunhada Rosa Maria, bancária. O Bala e o Teco os cães da família os acompanhavam. 

Pareciam sentir as angústias dos seus donos nos momentos em que o perigo de soçobrar superava a esperança de sobreviver. Um deles era da raça "Baía dos Tigres" adaptado à convivência humana e por isso manso. (A raça "Baía dos Tigres" é uma raça de cães existente naquele local do sul de Angola em estado selvagem e que se julga terem ido ali parar em consequência de um naufrágio).

Para quem acredita em milagres, foi um milagre de sobrevivência esta aventura iniciada em Luanda até Olhão. Rodeada de vagas gigantescas e a navegar só, sem qualquer apoio à vista, a pequena traineira Sabino I de 14,40 metros, construída em Luanda em 1971, ía resistindo àquele mar sempre furioso, qual Adamastor a assoprar ventos e agitar vagas, apostado em sepultar para sempre aquele minúsculo barco e seus quatro tripulantes nas entranhas do seu mar. Instrumento de bordo para localizar no mapa o "ponto" do mar em que se encontravam não existia. 

Um mapa, uma sonda e uma bússola eram os instrumentos disponíveis mais o saber do velho lobo do mar, mestre Sabino. Este livro é um compacto de 269 páginas, esmiuçado dia a dia no fervor da contenda com o Mar. Cabe-me aqui alertar para esta obra que transcende qualquer ficção por ser real, verdadeira e talvez única naquele cenário atlântico. "ODISSEIA MARÍTIMA-Luanda-Olhão-35 Dias no Regresso em Traineira".


Em Luanda e nos preparativos para a viagem, Baldomiro Soares e seus companheiros jamais pensaram que precisariam de todas as suas forças, toda a fé num Deus todo poderoso e omnisciente para superarem uma natureza hostil e superior. Segundo os cálculos, com o combustível reunido, poderiam atingir as Canárias contando com a solidariedade dos navios que encontrassem ou no acolhimento de um porto de mar amigo. 

Escreve Baldomiro: «Eram duas e meia da manhã do dia 24 de Agosto de 1975, com luar aberto, nada propício a uma fuga, junto ao anúncio da Cuca, na Ilha de Luanda, com o motor a meia força que iniciámos a viagem. A embarcação levava as redes de pesca à vista e a chata a reboque para dar a entender que íamos para a pesca, caso fôssemos detetados por autoridades dos partidos políticos, já que andavam em cima dos pescadores, proibindo a saída de barcos para Portugal». 

«Os dois primeiros dias de navegação foram calmos e pacíficos, o que nos deu a oportunidade de nos organizarmos. Começámos por determinar o tempo de leme que era distribuído entre mim e meu irmão, fazíamos leme de quatro em quatro horas, ficando o nosso pai, com o cuidado de verificar o motor de hora a hora e fazer leme e cozinhar sempre que possível. 

Nas primeiras horas de leme deu para recordar os últimos dias em Luanda, cidade que se encontrava sob o recolher obrigatório devido ao desentendimento entre os partidos políticos que, fortemente armados, se guerreavam constantemente, provocando o caos e a desordem, jamais vistos em território ainda dito nacional». 

A situação em Luanda era caótica com prisões arbitrárias sob a indiferença dos militares portugueses que deveriam reagir e repor a ordem. O fim trágico de uns e o desaparecimento de outros (portugueses e angolanos) determinou a decisão de fuga não só em Luanda mas em todo o território de Angola, de norte a sul. 


Aquelas horas ao leme com mar manso muitos pensamentos fluíram. Aquela traineira fora conseguida com a venda de bens em Portugal. Tudo fariam para chegarem a Olhão e reatarem uma nova vida. Estavam imbuídos da coragem necessária, da vontade indómita dos homens do mar que tanto labutaram no Mar Mediterrâneo, no Mar de Larache em Marrocos, na costa de África (Angola, Gabão, S. Tomé, Congo Francês). 

Mestre Sabino conhecera algumas dessas viagens. Fizera ao Mar de Larache antes de ir para África e ao Gabão quando estava em Luanda. Foi nessas viagens ao Gabão que fizera o cálculo do combustível para chegar a Olhão, mas não foi possível reunir tal quantidade, ficando em falta 3000 litros, para além da insuficiência de óleo e de alimentos na quantidade desejável, que em Luanda já eram escassos. 

Pensavam na sorte que acompanha os audazes e na fé dos navegadores. Baldomiro fizera uma promessa à Senhora dos Navegantes: quando chegasse a Olhão compraria uma imagem para colocar na capela da Ilha da Culatra, promessa que foi cumprida integralmente depois de vender a chata. Levavam 300 litros de água potável para beber e cozinhar.

 TERCEIRO DIA-O INÍCIO DAS TEMPESTADES


Escreve Baldomiro: «No terceiro dia fomos surpreendidos por forte tempestade que nos desviou da rota arrastando a embarcação para dentro do Golfo da Guiné, o Golfão da Guiné, como era conhecido pelos antigos navegadores. Segundo os nossos cálculos, atravessámos a linha do Equador que passa a norte do Gabão. 

 

O mar, verdadeiramente encrespado, com chuva e vento soprando fortemente de sudoeste, estragou parte da comida fresca que trazíamos dentro de caixotes em cima do convés, ficando, apenas alguns produtos enlatados. Verduras e frutas foram arrastadas pelas águas da chuva e das vagas que entravam pela proa do barco. 

Aproveitámos um queijo açoreano que levámos para dentro da cabine, para secar naturalmente... Por volta das dezasseis horas o vento amainou e o pai verificou que havia muita água dentro da cabine do motor, o que não era normal, e providenciou que a bomba elétrica funcionasse em pleno, voltando tudo à normalidade, admitindo que se tratava de água da chuva que tinha entrado pela porta da cabine».

Assi dizendo, os ventos, que lutavam
Como touros indómitos, bramando,
Mais e mais a tormenta acrescentavam,
Pela miúda enxárcia assoviando.
Relampados medonhos não cessavam,
Feros trovões, que vem representando
Cair o Céu dos eixos sobre a Terra,
Consigo os elementos terem guerra.

(Lusíadas, canto VI-84)

Com o mar calmo e já no quinto dia de navegação avistaram os contornos de terra e cruzaram-se com um arrastão japonês. O comandante do arrastão era um indivíduo simpático, falava inglês e deu a indicação da posição no mapa. Cedeu-lhes sessenta litros de óleo. Aceitaram um balde cheio de peixe fresco que durou dois dias. Cometeram um erro gravíssimo, habituados a não "pedinchar", não pediram gasóleo. Essa falta fez-se sentir dias depois levando a que o barco ficasse no meio do Oceano parado, sem combustível, e longe da costa. Sem rádio não tinham como pedir ajuda nessa emergência.

Foi no décimo-oitavo dia de navegação que o motor parou sem gasóleo, diz-nos Baldomiro. Era uma quarta-feira do dia 10 de Setembro daquele ano fatídico de 1975. A sorte tinha sido madrasta no antigo porto do Congo Francês, hoje Mauritânia, Port-Etienne, hoje Nouadhibou e não puderam arranjar o almejado gasóleo que os fizesse chegar a um porto amigo no Sahára Espanhol. 

Escreve Baldomiro: «Antes de saltar para terra afim de prender as cordas aos cabeços de amarração que ali se encontravam para esse efeito, fomos logo visitados por dois homens fardados, e um indivíduo que parecia ser polícia se dirigiu a nós, falando em francês. Ficámos sem pinga de sangue. Tínhamo-nos enganado. Não estávamos em território espanhol. Aquilo que mais temíamos aconteceu. 

Como não entendíamos o seu falar o polícia foi chamar um espanhol para servir de intérprete. Depois de nos identificarem fomos imediatamente presos e os documentos do barco apreendidos. Presos pelo motivo de não termos hasteado a bandeira do país e por não haver relações diplomáticas com Portugal». «Quando entramos num porto estrangeiro devemos hastear a bandeira desse país».

 
 «Prometemos comprar uma bandeira, no dia seguinte, se nos devolvessem o dinheiro, o que não veio a acontecer». «Depois de muitas explicações, alegando que estávamos desorientados naquela entrada, levaram-nos presos para a Capitania do porto. Como já passava das cinco horas da tarde, por sorte nossa, já estava fechado». 

«O funcionário de serviço devolveu-nos os documentos e mandou-nos para o barco, debaixo de prisão, com um polícia de serviço, exigindo a nossa presença no dia seguinte às 8 horas da manhã». «Acompanhados do cidadão espanhol e a nosso pedido, levou-nos a um escrítório de uma companhia italiana de assistência às pescas, que se encontrava localizada no cais, e à qual solicitámos ajuda com gasóleo e comida até chegarmos a Portugal, que depois mandaríamos o dinheiro...

Fomos bem recebidos mas a resposta foi negativa. Pediram-nos 103 contos na nossa moeda por 6000 litros de gasóleo. O pouco dinheiro que tínhamos ficou na posse do guarda marítimo. Voltámos para o barco desanimados». O espanhol era comandante de um barco espanhol de pesca com contrato para pescar na Mauritânea e não poude dispensar gasóleo porque este era fornecido pelo estado, o que seria preso caso fosse descoberto e denunciado. 

O cidadão espanhol aconselhou sairem de madrugada do porto porque ali não havia maneira de obterem ajuda e porque poderiam ficar retidos meses, e isso se o assunto se resolvesse, pois os mauritanos costumavam ficar com os barcos apreendidos. «O susto foi tão grande que começámos a planear a fuga». 

«O espanhol José, assim como alguns tripulantes espanhóis daquele barco, oferecem-nos, às escondidas dos nativos/tripulantes do seu barco, alguma comida para aquela noite». «Mais tarde, já de madrugada, aparece-nos na nossa traineira com um saco cheio de pão e comida que bem nos valeu para as surpresas que ainda iríamos encontrar, dando preciosas indicações para sair de noite daquele porto de pesca. 

Os espanhóis diziam que tínhamos tido muita sorte em chegar àquele porto, devido aos baixios perigosos no meio da baía o que dificultava muito quem por ali passasse e esta era somente para pessoas muito experientes naquela área marítima». «Seja o que Deus quiser». «Encontrar um bom samaritano no meio do mar que nos desse algum gasóleo para chegar pelo menos a Vila Cisneiros!»

«Por volta das duas horas da manhã, o polícia de vigia ao nosso barco encostou-se a alguns caixotes e deixou-se dormir...Como estávamos alerta para este momento, libertámos a amarração e a embarcação foi arrastada pela correnteza e a leve briza de vento, afastou-nos do cais, durante longos e ansiosos minutos. Quando nos encontrávamos já bem afastados, verificámos que bem perto de nós um arrastão tinha saído do porto e dirigia-se ao alto mar para a faina de pesca. Não perdemos tempo em segui-lo. 

O pai pôs o motor a trabalhar e, imediatamente à força toda, fomos atrás daquele barco, até avistarmos ao longe boias de sinalização. Por razões que desconhecemos o arrastão voltou atrás, regressando ao cais, mas nós seguimos em frente até passarmos bem pertinho das primeiras boias de sinalização... Ainda vimos o polícia acordar de sobressalto e começar a correr até o perdermos de vista...».

«São sete horas da manhã, os primeiros raios de sol surgem no horizonte e as nuvens teimosamente não se querem desvanecer e, já bem afastados de terra, encontrámo-nos no mar alto, direcionando a bússola com rumo ao norte». «Navegámos mais um dia quando encontrámos um enorme barco de pesca chinês "Five Oceans 125". Aproximámo-nos e, por gestos pedimos gasóleo. Tínhamos combustível apenas para mais algumas horas! 

Aquele que nos pareceu ser o comandante veio ao convés com gestos pouco amigáveis para nos afastarmos. Ainda conseguimos navegar ao lado do barco cerca de uma hora, pedindo insistentemente ajuda. Um dos marinheiros ou comandante, ameaçando-nos, pareceu-nos exibir uma arma, pelo que desistimos e acabámos por seguir a nossa viagem, tristes e desanimados».

«Aproximámo-nos mais de terra, que nos pareceu ser um lugar deserto, pois não vimos sinal de vida, quando por volta das oito horas o barco parou por falta de gasóleo.»...«Fundeámos a cerca de dez braças de profundidade e calculámos estar distanciados três ou quatro milhas de terra, esperando que algum bom samaritano nos veja»...«Verificámos que estávamos fundeados em cima de rochedos e que os cabos de amarração não iriam aguentar muito tempo». 

A sonda tinha deixado de funcionar e não existia maneira de saber a altura de mar que poderia pôr em causa a segurança do barco na maré vazia. A solução foi encontrada por mestre Sabino e pelo processo antigo: com uma corda e uma chumbada. O resultado foi tranquilizador: estavam a cinco braças das rochas. Escreve Baldomiro: «Ao longe um navio passa por nós e lançamos um pedido de socorro com sinal luminoso (o único que tínhamos a bordo) mas não deu resultado. 

Nas noites seguintes, mal o sol se punha, começávamos por acender archotes, com roupa embebida em gasóleo que se encontrava no cavername da casa do motor, para chamar a atenção dos barcos que navegavam ao largo da nossa posição. Todo esse esforço foi em vão e acabámos por queimar toda a roupa que tínhamos, ficando apenas com a roupa do corpo. Mais uma noite à nossa frente com o frio incomodativo do deserto do Sahara, esperando por nós. A alimentação estava já muito reduzida e quase no fim, e a água racionada». 

À DERIVA ATÉ AO SALVAMENTO

A manhã do vigésimo terceiro dia (15 de Setembro-2ª. feira) o dia amanheceu límpido, mas o vento soprava fortemente. Baldomiro pressentia que algo de transcendente ia acontecer. Mestre Sabino deu mais folga à amarração para evitar o roçar nos rochedos. Se os cabos rebentassem andariam à deriva e seriam arrastados sem possibilidade de comandar o barco. 

Naquele momento estavam somente fundeados com uma âncora pois as outras os cabos tinham rebentado por roçarem nas rochas. «Tomámos a decisão de apetrechar a chata com o motor de popa, um pequeno mastro com uma vela e dois remos. A intenção era   ir ao encontro dos barcos que diariamente avistava e pedir auxílio. Vamos aguardar pelas três horas da tarde e ver se os barcos de pesca aparecem, como habitualmente». ... «Não sei se terei forças para remar na chata em caso de necessidade». 

 

Uma extrema fraqueza tinha-se apoderado daqueles corpos que mal se alimentavam, e de água só tinham meio galão. «Quinze horas e lá estão eles, os dois barcos navegando para terra. Na mesma direção que diariamente temos registado. Não perdemos mais tempo. Estão a mais de cinco milhas de distância. Embarcámos na chata sob ondulação muito forte e com o motor de borda a funcionar, soltámos a amarra que prendia ao barco. 

O motor apenas funcionou alguns minutos, acabando por se avariar. Estamos a alguns metros do barco e tentamos apanhá-lo novamente, mas não conseguimos lá chegar. A corrente é muito forte e a chata afasta-se rapidamente da embarcação». Um dos remos partiu-se tal o esforço despendido. 

Mestre Sabino que tinha ficado na traineira com Rosa Maria, tentou lançar uma corda, em vão. Fez um gesto para se atirar ao mar o que foi impedido por Rosa Maria. Teria sido um suicídio dado as condições do mar e a extrema fraqueza de todos. Com a chata à deriva viram desaparecer rapidamente a Sabino I de vista. 

«Devido à grande ondulação, tão pouco víamos os barcos de pesca que tanto ansiosamente procurámos descortinar no horizonte e que possivelmente estariam mais a sul. O meu irmão perdeu as forças e não mais conseguiu levantar-se. Eu ia manobrando a chata à vela procurando não atravessar nas ondas, evitando que se voltasse. Quando caíamos na cova da onda, víamos ao lado, acima da chata, na crista da onda, vários tubarões, que gulosamente nos rodeavam». 

«A chata começou a meter água e num esforço inacreditável consegui esgotar a água e manobrar a vela ao mesmo tempo. Não sei como Deus me deu tanta força e coragem». «Tristes e desanimados e com o sol prestes a nos deixar qual monstro sagrado, repentinamente, vimos à nossa frente, o primeiro barco de pesca que já tínhamos identificado enquanto estávamos a bordo do nosso barco. 

Passou bem perto de nós. A alegria que sentimos depressa se desvaneceu. Navegando lentamente cortando a forte ondulação que se fazia sentir, foi passando por nós sem parar. Ficámos desesperados, acenando e gritando para que nos vissem ou ouvissem, mas não vimos marinheiros em cima do convés. 

O contra-mestre ao leme, não deu pela nossa presença. O mar encrespado e o vento forte não permitia uma visualização clara para o homem que vai ao leme. Quase que fomos abalroados....O arrastão passou e com ele a esperança do salvamento foi-se desvanecendo...».

«...Minutos depois, à nossa frente, o segundo barco de pesca quase nos afundou. O meu irmão gritava loucamente. Ninguém ouvia os nossos gritos. Os marinheiros iam todos recolhidos nos camarotes e o homem do leme não prestou atenção à chata. Certamente, como nos disse mais tarde, nunca iria imaginar encontrar aquela "casca de noz" no meio do mar tão revolto. 

O meu irmão caiu de joelhos até encostar a cabeça à amurada da chata, com o rosto sulcado de lágrimas que não procurou ocultar, sem forças de tanto gritar»...«Navegando lentamente o navio vai-se afastando cada vez mais, quando a cerca de 10 metros de distância, de repente, em cima do convés, na popa do barco, estava um marinheiro africano com os olhos esbugalhados pela surpresa, olhando para o nosso desespero. 

O homem perdeu a fala. Não compreendia o que se estava a passar. Em pleno mar alto, uma pequena chata com dois homens a bordo prestes a afundar-se!». «O marinheiro atónito reagiu aos nossos gritos angustiantes, quando, repentinamente, apercebendo-se do perigo que corríamos, correu apressadamente até à cabine do comando, dando o alarme do seu achado em cima da água...Estamos salvos...»

 


«...Em 26 de Setembro chegámos ao farol de Santa Maria».

Escreve Baldomiro: «Por incrível que pareça a nossa odisseia foi recheada de tempestades, desde o terceiro dia até poucas horas antes da chegada a Olhão, parece-nos que Deus dos Oceanos, Neptuno, mais uma vez se sentiu profanado, pelo atrevimento e coragem das gentes olhanenses».

Agora sob as nuvens os subiam
As ondas de Neptuno furibundo;
Agora a ver parece que deciam
As íntimas entranhas do Profundo.
Noto, Austro,Bóreas, Áquilo queriam
Arruinar a máquina do Mundo;
A noite negra e feia se alumia
Cos os raios em que Pólo todo ardia.                                                                                                     

(Lusíadas, canto VI-76)

                                                             
«Hoje com os pés em terra, olhando para trás e para todas as adversidades por que passámos, humildemente só temos uma palavra. Deus. Obrigado meu Deus».

 

Entre trombas de água andamos navegando
Com o irado céu a água já sugando,
E o mar, apavorando, todo enfurecido
A engolir-nos parecia decidido

E o Bala e o Teco porfiados,
Na proa cortadora vigiando,
Eram pilotos a isso elevados
No oceano perigoso navegando.

Por isso foi que Sabino, o Capitão,
Os promoveu a marinheiros,
Por ver tão clara aptidão
Animando os próprios companheiros.

(Autor: Baldomiro Soares)

Em Olhão esperava-o a sua muito dedicada esposa Cristina Estrela, filha de mestre Estrela, e seus filhos. Cristina e Baldomiro conheceram-se em S. Martinho da Baía dos Tigres onde mestre Estrela fixou residência e permaneceu durante vinte anos. Era natural de Santiago de Tavira mas foi para Olhão com oito meses. Considerava-se, por isso, um olhanense de gema.

AGRADECIMENTO E HOMENAGEM

Baldomiro Soares quis com esta obra homenagear e agradecer os seus salvadores. São bem sentidas as suas palavras:

«Esta obra é uma homenagem de eterna gratidão ao nosso salvador, o jovem marinheiro do barco de pesca espanhol "Tela I", bem como ao seu comandante e marinheiros, num dos momentos mais dramáticos da nossa viagem.

Um profundo agradecimento à Marinha de Guerra Espanhola, instalada em Vila Cisneiros, Sahara Espanhol (1975), aos seus Oficiais, Sargento mecânico e Marinheiros da corveta "Centinela W-33"

Um profundo agradecimento ao Patrão de Costa D. Tomaz Suarez Santana e sua ilustríssima esposa, pela recepção que nos dispensaram.

Ao povo de Vila Cisneiros pela calorosa recepção como jamais tive em minha vida.

Os Homens de grandeza Moral é que fazem as grandes nações.

Muito ... e muito Obrigado...»

«Dedico este livro à minha esposa, filhos e netos por todo o apoio e carinho que sempre me dedicaram e ainda ..................ao meu saudoso Pai, meu querido Herói...............»

O produto da venda desta obra é canalizado para instituições de caráter humanitário. Baldomiro Soares divide-se, hoje, pelo País que o acolheu, os Estados Unidos da América e a sua querida e eterna Olhão, Ilha da Culatra, onde nasceu, e Santa Luzia, onde moravam os seus avós.

Os olhanenses da diáspora teem uma forte ligação à sua Terra. Por mais que andem por este mundo jamais se esquecem do lugar onde nasceram, onde formaram o seu caráter aguerrido, patriota e profundamente humano.