JORNADA CREPUSCULAR - Por Mário Matta e Silva
Crónica a Bocage
Só nas memórias te encontro Bocage
Vem de veludo vestido o crepúsculo que desce sobre nós em traços de ouro fino, em ondas de volúpia, e vai escurecendo tão lentamente que o sol se apressa a esconder atrás de uma nuvem mais aveludada ainda e mais macia.
Parado, à porta de um café conhecido de Lisboa, imobilizo ali comigo a memória, que arrasta tempos, datas, pessoas, que o passado devorou, sem comiseração dos nossos semblantes pesados e das rugas insistentes, que se cruzam na pele que o tempo crestou.
Tinha acabado de ver de novo a estátua imponente de Bocage, ali dentro do Nicola, e este imortal poeta de Lisboa desventrada e crua, traça-me caminhos percorridos, com a gravação a ouro velho do seu nome, que em tertúlias poéticas, lança o brilho dos seus cristalinos desabafos, em poesia, e sempre, sempre aquele murro no estômago feito de polémicas, que em sua memória sabem a liberdade.
O vento sopra fino e áspero nas minhas faces enquanto se dá a jornada crepuscular que me leva até a esse poeta de olhos doces, gingão mas altamente arrojado. Muitos dizem que o conhecem, mas vão-lhe buscar apenas a primeira faceta, a de gingão, esquecendo-se que foi dos primeiros, que, arrojadamente, em pleno Despotismo (Absolutismo) arrancou gritos de apelo à liberdade, à igualdade, à fraternidade.
O nosso Vate Sadino, como não se esquece de lembrar a amiga Maria América Miranda, trás em uníssono aqueles que conhecem bem o Bocage dessa estirpe de homens que antes quebrar que torcer…
Ouve-se um trovão, aclara-se o fim de tarde com um relâmpago breve mas respeitável, e chove miudinho, em pleno tombar da bruma crepuscular… então ocorre-me a tertúlia no átrio do Teatro D. Maria II, as discussões que dela saiam, os poemas que se diziam a meio das tardes, sempre na euforia dos enaltecidos rompantes bocageanos.
Rio-me ao puxar pela memória, pois nela registei também os espectáculos, em nome e homenagem a Bocage, e organizados por essa mesma tertúlia, no padrão dos descobrimentos, que traziam o Vate Sadino pelos caminhos da decência, enquanto, pelas livrarias e bibliotecas continuava a ver coisas horrorosas sobre pouco mais do que as anedota do mesmo Poeta (diga-se até que algumas lhe foram convenientemente atribuídas).
Velhacarias, penso eu, de quem só sabe ver o lado escuro dos sobejados dias que caem, que nem morfeus, nos braços tépidos das diáfanas crepusculares de Setembro (mês em que Barbosa du Bocage nasceu).
Passaram anos, tempos que nos separam ou aproximam, em grupos de debate, tertúlias de poesia, várias e animadas, e voltamos de quando em vez a esse romântico, arremessado à devassa pela maldade, dos que fazem dessa figura delgada e pálida, exaltado e corajoso, metido a ferros, por apelo às liberdades, as piores acusações.
Ainda não há muitos meses uma série televisiva dava, sobre a vida de Bocage, o golpe de misericórdia, não só nesse exemplar poeta, mas até numa sociedade inteira, dos finais do Século XVIII, mostrando só depravação, imoralidade, ruelas de entulho, de bêbados, de prostitutas, de devassos etc… como se fossemos crivados por um certo fado feito de «orgulho» balofo, enfiado na imundice de Lisboa.
Que foi dos primeiros arautos do romantismo e das liberdades não se falou, e nem se enalteceu o motivo mais próximo que esteve na base das acusações que lhe foram feitas por Pina Manique, até o encarcerarem no Limoeiro.
Só nestas memórias te encontro Bocage, num abraço fraterno, orgulhoso de ti! O crepúsculo, esse, visto também pelo seu lado menos risonho, é um manto aveludado mas escuro que nos engole…e a maldição dos homens também!
Crónica a Bocage
Só nas memórias te encontro Bocage
Vem de veludo vestido o crepúsculo que desce sobre nós em traços de ouro fino, em ondas de volúpia, e vai escurecendo tão lentamente que o sol se apressa a esconder atrás de uma nuvem mais aveludada ainda e mais macia.
Parado, à porta de um café conhecido de Lisboa, imobilizo ali comigo a memória, que arrasta tempos, datas, pessoas, que o passado devorou, sem comiseração dos nossos semblantes pesados e das rugas insistentes, que se cruzam na pele que o tempo crestou.
Tinha acabado de ver de novo a estátua imponente de Bocage, ali dentro do Nicola, e este imortal poeta de Lisboa desventrada e crua, traça-me caminhos percorridos, com a gravação a ouro velho do seu nome, que em tertúlias poéticas, lança o brilho dos seus cristalinos desabafos, em poesia, e sempre, sempre aquele murro no estômago feito de polémicas, que em sua memória sabem a liberdade.
O vento sopra fino e áspero nas minhas faces enquanto se dá a jornada crepuscular que me leva até a esse poeta de olhos doces, gingão mas altamente arrojado. Muitos dizem que o conhecem, mas vão-lhe buscar apenas a primeira faceta, a de gingão, esquecendo-se que foi dos primeiros, que, arrojadamente, em pleno Despotismo (Absolutismo) arrancou gritos de apelo à liberdade, à igualdade, à fraternidade.
O nosso Vate Sadino, como não se esquece de lembrar a amiga Maria América Miranda, trás em uníssono aqueles que conhecem bem o Bocage dessa estirpe de homens que antes quebrar que torcer…
Ouve-se um trovão, aclara-se o fim de tarde com um relâmpago breve mas respeitável, e chove miudinho, em pleno tombar da bruma crepuscular… então ocorre-me a tertúlia no átrio do Teatro D. Maria II, as discussões que dela saiam, os poemas que se diziam a meio das tardes, sempre na euforia dos enaltecidos rompantes bocageanos.
Rio-me ao puxar pela memória, pois nela registei também os espectáculos, em nome e homenagem a Bocage, e organizados por essa mesma tertúlia, no padrão dos descobrimentos, que traziam o Vate Sadino pelos caminhos da decência, enquanto, pelas livrarias e bibliotecas continuava a ver coisas horrorosas sobre pouco mais do que as anedota do mesmo Poeta (diga-se até que algumas lhe foram convenientemente atribuídas).
Velhacarias, penso eu, de quem só sabe ver o lado escuro dos sobejados dias que caem, que nem morfeus, nos braços tépidos das diáfanas crepusculares de Setembro (mês em que Barbosa du Bocage nasceu).
Passaram anos, tempos que nos separam ou aproximam, em grupos de debate, tertúlias de poesia, várias e animadas, e voltamos de quando em vez a esse romântico, arremessado à devassa pela maldade, dos que fazem dessa figura delgada e pálida, exaltado e corajoso, metido a ferros, por apelo às liberdades, as piores acusações.
Ainda não há muitos meses uma série televisiva dava, sobre a vida de Bocage, o golpe de misericórdia, não só nesse exemplar poeta, mas até numa sociedade inteira, dos finais do Século XVIII, mostrando só depravação, imoralidade, ruelas de entulho, de bêbados, de prostitutas, de devassos etc… como se fossemos crivados por um certo fado feito de «orgulho» balofo, enfiado na imundice de Lisboa.
Que foi dos primeiros arautos do romantismo e das liberdades não se falou, e nem se enalteceu o motivo mais próximo que esteve na base das acusações que lhe foram feitas por Pina Manique, até o encarcerarem no Limoeiro.
Só nestas memórias te encontro Bocage, num abraço fraterno, orgulhoso de ti! O crepúsculo, esse, visto também pelo seu lado menos risonho, é um manto aveludado mas escuro que nos engole…e a maldição dos homens também!
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