quinta-feira, 16 de abril de 2015

O último voo do Flamingo - Por Arlete Deretti Fernandes


O último voo do Flamingo

Por Arlete Deretti Fernandes

Antônio Emílio Leite Couto, mais conhecido por Mia Couto, nasceu na Beira, Moçambique, em 1955. Foi diretor da Agência de Informação de Moçambique, da Revista Tempo e do Jornal de Notícias de Maputo.

Tornou-se nestes últimos anos um dos ficcionistas mais conhecidos das literaturas de Língua portuguesa. O seu trabalho sobre a língua permite-lhe obter uma grande expressividade, por meio da qual comunica aos leitores todo o drama da vida em Moçambique após a independência. Os seus livros estão traduzidos para o francês, inglês, alemão, italiano e espanhol. Publicou: Poesia, Contos, Crônicas e Romances.

Sobre o Texto de «O Ultimo Vôo do Flamingo»

Tizagara, nos primeiros anos após guerra. Nesta vila parece que tudo corre bem.

Os capacetes azuis chegaram para vigiar o processo de paz, e a vida da população transcorre numa aparente normalidade. Porém, devido a razões que todos desconhecem, os capacetes azuis começaram subitamente a explodir.

Massimo Risi, o soldado italiano das Nações Unidas destinado para investigar as estranhas explosões, chega em Tizangara. É-lhe colocado um tradutor à disposição, e através do relato deste tomamos conhecimento dos fatos.

Entra-se num mundo de vivos e mortos, de realidade e de ficção, de feitiçarias e de sobrenatural, que passam por nós em personagens densamente construídos, do qual o feiticeiro Andorinho, a prostituta Ana Deusqueira, o padre Munhando, o administrador Estevão Jonas e a sua mulher Ermelinda, a velha - moça Temporina, o velho Sulplício, são apenas alguns exemplos...

O mistério torna-se maior. Os soldados da paz, morreram ou foram mortos? Com toda a sabedoria da Velha ??frica, Mia Couto mostra-nos, uma vez mais na ironia, no humor, no espírito crítico, na palavra cáustica, no recurso à metáfora e no simbolismo das frases, o seu absoluto domínio da escrita e da língua portuguesa, o conhecimento e o amor profundo que tem e dedica a esse belíssimo e atormentado continente, no magnífico romance, O Último Vôo do Flamingo.

PERSONAGENS:

Massimo Risi – Funcionário das Nações Unidas, italiano que veio a Tizagara investigar por qual razão os soldados da ONU estavam explodindo, ficando-lhes intatos somente o pênis.

Estevão Jonas - Administrador da vila de Tizangara, suas ações corruptas o levaram ao enriquecimento.

Narrador de Tizangara - tradutor de Massimo Risi e filho do velho Sulplício a serviço da administração de Estevão Jonas.

Chupanga – o adjunto do administrador.

Sulplício – velho pai do narrador de Tizangara.

Andorinho – o feiticeiro da Vila.

Ana Deusqueira – a prostituta da vila, que tinha uma sabedoria invejável.

Munhando – O padre de Tizangara.

Ermelinda – A mulher do administrador da Vila, amante do supérfluo, gostava de exibir suas jóias.

Temporina – era uma mulher de corpo belíssimo, mas com o rosto de velha. Ela tenta passar para Massimo as crenças africanas, segundo as quais os antepassados continuam vivos após a morte e interferem no mundo dos vivos.

Mãe do Narrador – A mulher que criou o mito do vôo do flamingo.

Momento histórico do Romance

O romance acontece no período pós guerra civil em Moçambique. Os soldados da ONU vão até lá para investigar o processo de paz e desmontar os dois milhões de minas terrestres colocadas em Moçambique durante a guerra civil de 1977 a 1992. Nesta época, que chega até o momento presente, antigos ativistas de esquerda que estão a comandar o governo, empreendem um jogo de poder, na maior parte baseado no favorecimento e na indiferença à cultura e ao povo de Moçambique.

A Linguagem do romance

Mia Couto apresenta um estilo de escrita que procura trazer as diferentes línguas do povo de Moçambique. O autor hibridiza ao máximo a língua portuguesa de Moçambique, pelo uso das palavras das múltiplas etnias do povo de Moçambique, (chanfuta, árvore – kufa mbalame, mata o pássaro; machamba, terreno agrícola, etc.)

O autor também cria vários neologismos.

Ao hibridizar, Mia Couto realiza o movimento de não desconectar as políticas lingüísticas das culturas que constituem as identidades de um país e rompe com a visão moderna em que o saber e a razão pressupõem a pureza e a gramática de uma língua.

O Foco Narrativo

O narrador de Tizangara diz: «Fui eu que transcrevi, em português visível, as falas que daqui se seguem. Hoje são vozes que não escuto senão no sangue, como se a suja lembrança me surgisse não na memória, mas no fundo do corpo. [...] Assisti a tudo o que aqui se divulga, ouvi confissões, li depoimentos. [...] Agora vos conto tudo por ordem de minha única vontade.» (p.9)

O romance aborda questões políticas, culturais, questões de raça e identidade, questões de colonialismo, questões lingüísticas, questões de ironia e questões feministas.


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