quarta-feira, 29 de abril de 2015

Poesia de Florbela Espanca


Poesia de Florbela Espanca

TÉDIO


Passo pálida e triste. Oiço dizer:
"Que branca que ela é! Parece morta!"
E eu que vou sonhando, vaga, absorta,
Não tenho um gesto, ou um olhar sequer...

Que diga o mundo e a gente o que quiser!
- O que é que isso me faz? O que me importa?...
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!

O que é que me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!

E é tudo sempre o mesmo, eternamente...
O mesmo lago plácido, dormente...
E os dias, sempre os mesmos, a correr...


MAIS TRISTE


É triste, diz a gente, a vastidão
Do mar imenso! E aquela voz fatal
Com que ele fala, agita o nosso mal!
E a Noite é triste como a Extrema-Unção!

É triste e dilacera o coração
Um poente do nosso Portugal!
E não vêem que eu sou...eu...afinal,
A coisa mais magoada das que o são?!...

Poentes de agonia trago-os eu
Dentro de mim e tudo quanto é meu
É um triste poente de amargura!

E a vastidão do Mar, toda essa água
Trago-a dentro de mim num mar de Mágoa!
E a noite sou eu própria! A Noite escura!!


NOCTURNO


Amor! Anda o luar,todo bondade,
 Beijando a Terra, a desfazer-se em luz...
 Amor! São os pés brancos de Jesus
 Que anda pisando as ruas da cidade!

 E eu ponho-me a pensar... Quanta saudade
 Das ilusões e risos que em ti pus!
 Traças em mim os braços duma cruz,
 Neles pregaste a minha mocidade!

 Minh'alma que eu te dei, cheia de mágoas,
 É nesta noite o nenúfar de um lago
 Estendendo as asas brancas sobre as águas!

 Poisa as mãos nos meus olhos, com carinho,
 Fecha-os num beijo dolorido e vago...
 E deixa-me chorar devagarinho...




 

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