quarta-feira, 1 de abril de 2015

A poesia de Cornélio Pires em “Musa Caipira” - por Cecílio Elias Netto


A poesia de Cornélio Pires em “Musa Caipira”

A poética de Cornélio Pires é reveladora da simplicidade do universo caipira




As obras de Cornélio Pires, um dos ícones da chamada literatura caipira, têm sido recuperadas por estudiosos e editoras brasileiras. São parte de  um tesouro linguístico e folclórico de uma cultura que, entre os paulistas e mineiros, começa a ser valorizada. Jornais, revistas,  livros, teses acadêmicas abrem espaços e cuidados para um estilo de vida, o caipira, que continua vivo em muitas das pequenas cidades interioranas, e nos subúrbios de cidades médias, conhecidos como “rurbanos”, comunhão do rural e do urbano.

Cornélio Pires foi um mestre no recolhimento, em prosa e verso e também através da música – em recolher a simplicidade das conversas caipiras, as tais patacoadas, misto de anedotas, tiradas maliciosas,  simplicidades e astúcias, contos e “causos”. 

Poucos conhecidas, no entanto, são algumas de suas poesias, tidas, hoje, como documentos imprescindíveis para se conhecer essa “alma caipira”. Aliás, o primeiro livro de Cornélio Pires intitulou-se exatamente “Musa Caipira”, dedicado a outro mestre do folclore brasileiro, Amadeu Amaral. 



A turma caipira de Cornélio Pires.Foto histórica de 1929, vendo-se da esquerda para a direita, em pé: Ferrinho, empunhando a “puíta”, Sebastião Ortiz de Camargo (Sebastiãozinho), Caçula, Arlindo Santana; sentados: Mariano, Cornélio Pires e Zico Dias.

A seguir, alguns de seus versos.

“A origem do homem” 

Esse soneto foi publicado, pela primeira vez, no jornal “O Tietê”, na cidade do mesmo homem, em 1909:

O senhor por acaso não descende
 Dos bugres que moravam por aqui?
 – Homéu num sei dizê, vancê compreende
 Que essa gente inté hoje nunca vi.

Mais porém o Bernardo diz que intende
 Que os moradô antigo do Brasi
 Gerava de macaco!… Inté me ofende
 Vê um véio cumo ele, ansim, minti.

D´outra feita um cabrocro – ai um caiçara –
 Diz que nasci um de dois e inté de trêis,
 Quando estralava um gomo de taquara!

Nóis num temo parente portuguêis,
 Nem mico, nem quati, nem capivara…
 Semo fio de Deus cumo vanceis

“Ideal do Caboclo”

Tido como um soneto clássico da literatura regionalista, “Ideal Caboclo” foi publicado em 1910, no livro “Musa Caipira”:

Ai, seu moço, eu só quiria
 Pra minha filicidade,
 Um bão fandango por dia,
 E um pala de qualidade
 Pórva, espingarda e cutia,
 Um facão fala-verdade
 E uma viola de harmonia
 Pra chorá minha sódade
 Um rancho na bêra d´água,
 Vará de anzó, pôca mágoa,
 Pinga boa e bão café…
 Fumo forte de sobejo…
 Pra compretá meu desejo,
 Cavalo bão – e muié!

 Poesia do final de vida 

No final de sua vida, Cornélio Pires tornou-se homem religioso, espírita convicto, dedicando-se à caridade. Em sua cidade natal, Tietê, onde quis morrer, manteve um orfanato infantil. Sobre essa sua fé religiosa, deixou a seguinte quadrinha:

“Mas caridade sem ação
 é qual a fumaça no forno,
 que espalha mais fome em torno,
 em vez de espalhar pão.”

Doente, sabendo estar próximo de morrer, cantou a sua “Terra amada” neste poema:

Tietê!Querida terra e muito amada
 De ti distante, esplêndida cidade,
 Sinto invadir minh´alma hoje sozinha
 Uma profunda e acríssima saudade.

Terra dos meus amores! Não definha
 O amor que te dedico; que me invade…
 E foi-se tudo que sonhado eu tinha,
 Tão ridente e feliz, na mocidade.

No mar grosso da luta pela vida,
 Eu não te esqueço, não, terra querida,
 E o teu nome defendo em toda parte.

Tu me viste perder as ilusões
 Porém nunca verás nos repelões,
 Da peleja sem fim, deixar de amar-te.

As espertezas de Joaquim Bentinho, personagem que caracteriza o caipira típico, superam as tolices e malandragens com que o personagem de Monteiro Lobato, “Jeca Tatu”, marcou, por tanto tempo, a imagem do caipira paulista. Mas não só Joaquim Bentinho. 

Em todos os seus escritos, como que em retalhos,  Cornélio Pires registrou essa alma caipira, tão rica em sua simplicidade que é universal.




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