terça-feira, 28 de abril de 2015

Lendas - A Mula Sem Cabeça


Lendas

A Mula Sem Cabeça

Longe, bem longe, em um vilarejo situado no interior do nada, vivia a bela Maria. Corriam os anos, e ela exalava pelos campos o seu ardor juvenil, a sua insinuante delicadeza virginal. Maria era desejada pelo mais robustos rapazes, sonhada pelo mais casadoiro dos homens. Mas a nenhum deles ela se rendia. Tanto menosprezou os pretendentes, que um dia foi por um deles amaldiçoada.

A paz da bela Maria fugiu quando, num certo domingo, surgiu na missa um padre a substituir o que morrera semanas antes. Ao contrário do seu antecessor, era jovem, belo e de sorriso sedutor. Tão logo os olhos de Maria cruzaram os do padre, a sua maldição começou. A donzela encheu-se de paixão pelo padre. Dentro dela ascendeu-se todas as luzes do desejo proibido.

Maria tornou-se a mais fiel participante de todas as missas do lugar. Cada hóstia que ingeria, diluía-lhe a sensatez da alma, aflorando-lhe o desejo. Tantas vezes voltou às missas, que não passou despercebida aos olhos e aos sentimentos do padre. No calor de Maria, o padre revelou o homem ardente que escondia debaixo da batina.

Muitas foram as noites de entrega, langor e prazer, que ambos perderam a clareza dos sentimentos, ficando cegos diante do povo do lugarejo, que a tudo assistia.

Numa noite de lua cheia, a população concentrou-se em frente à igreja. Quando Maria surgiu, foi cercada por todos. Ao seu redor foi feito um círculo de fogo. Um ovo enrolado com o seu nome foi atirado às chamas. Uma oração foi invocada. Maria ouvia os murmúrios que lhe chamavam de mulher do padre.

A noite de quinta-feira estava no fim, já chamando pela sexta-feira. No meio do círculo de fogo, quando a lua iluminou o rosto de Maria, uma terrível metamorfose debateu-se sobre ela. Sua pele foi ficando grossa, assumindo uma cor castanha. O corpo foi perdendo a forma ereta, curvando-se como uma besta. Mãos e pés transformaram-se em cascos, trazendo ferraduras de prata. A cabeça desapareceu, em seu lugar surgiu o fogo.

Completada a metamorfose, a bela Maria já não existia, era apenas uma mula sem cabeça, era a burrinha do padre.

No meio da praça, o povo assustado ouviu um relincho tão alto, que ecoou por todo o vilarejo. A mula sem cabeça soltou um soluço medonho, a lembrar a sua antiga forma humana.

Numa velocidade sem fim, a mula sem cabeça saiu em disparada. Corria desenfreadamente, despedaçando com as suas patas homens ou animais que se lhe ficassem no caminho. Somente os que se deitavam de bruços, escondendo unhas e dentes, é que não eram atacados pela besta. O trajeto da mula sem cabeça só encerrava ao terceiro cantar do galo. Exaurida, ela voltava a ter a forma da bela Maria.

Assim, toda noite de quinta para sexta-feira, quando a lua cheia despontava no céu, Maria cumpria a sua maldição. Transformava-se na mula sem cabeça. Seu trajeto só poderia ser interrompido se alguém conseguisse furar-lhe a pele, fazendo-a sangrar, voltando assim, à forma humana. Ou se o padre com quem dividira o calor do seu desejo, a amaldiçoasse sete vezes durante a missa.

O padre, envergonhado pela paixão que se deixara levar, fugira para sempre. Jamais se soube do seu paradeiro. Certamente não conseguiu amaldiçoar a bela Maria, que em noite de lua cheia, voltava a ser sempre a burrinha do padre.




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