quarta-feira, 1 de abril de 2015

O livro de Ocimar - Conto por JOSE GERALDO MARTINEZ


O livro de Ocimar - Conto por JOSE GERALDO MARTINEZ 


Lá estava ele, meu amigo Ocimar lançando um livro de auto-ajuda. Nos seus setenta anos de idade, muitos deles dedicados a educação.

Professor nível três, conhecido pela seriedade e dureza com as chamadas «turminhas do fundo» (Aquelas no fundo da classe, normalmente organizando o churrasquinho ou a festinha na república das meninas). Ocimar não perdoava!

Os mais sortudos conseguiam ficar de recuperação, quando não, eram reprovados incondicionalmente! Conhecido pelo mal humor e não poderia ser diferente para um homem de setenta anos que na infância conheceu a palmatória, além de ser filho do senhor Donato, calabrês de poucos amigos!

Prestigiando o lançamento do tal livro de auto-ajuda de Ocimar e pensando na pergunta que ele havia me feito: - Martinez, você gosta de escrever, nunca pensou num livro de auto-ajuda? Cheguei a algumas conclusões: Eu deveria mesmo escrever um livro de auto-ajuda...Afinal, virou moda!

Além do que, tenho experiências terríveis de vida no meu meio século de existência: passadas de mão, quatro casamentos, idas e vindas... sociedades desarrumadas, negócios mal feitos, troca de igrejas e algumas tentativas de religião, adoção de filho, ajuntamentos, paixões tórridas, desilusões...

Mas, percebo que ainda me faltam alguns anos de experiência...Nos setenta anos a gente começa realmente a filosofar ou estou mentindo? Perdemos aos poucos a nossa condição física e começam a falhar algumas coisas: audição, olfato, intestino, estômago, libido...

Chega a tal ponto que apenas o cérebro permanece em perfeito estado! É ele que começa a comandar a nossa vida de certa forma ociosa, à sombra de grandes varandas e arbustos, no joguinho de baralho, nas pequenas caminhadas com os netos ou até a padaria. Hábito de anos a fio trazidos do velho pai. 

Começamos a filosofar e coitado dos netos! Não paramos por aí ! Inconformados começamos pelos vizinhos e depois amigos incomuns! Sem contar a pobre da esposa que convive connosco o dia inteiro! Esquecemos a poesia! Lotamos os nossos arquivos com textos filosóficos...

Pobre daquele que ficou só com o cérebro e este ainda tem problemas! Alguns voltam à infância, outros caducam completamente! Não é incomum vermos alguns desfilarem pelas ruas se dizendo a reencarnação de Cristo, Buda, Dalai Lama, Hitler...Aí meus amigos, é um Deus nos acuda! Outro dia não é que apareceu um Saddam Husseim? Como se não bastasse, gritava por Bush com todo pulmão! 

Enquanto nosso cérebro mantém a saúde e certa coerência, acho salutar filosofar! Ainda mais na cabeça dos outros! Ocupa nosso tempo e nos deixa com a sensação de poder, perdida em nossas fracassadas experiências. Compensa as nossas debilidades físicas e melhora nossa auto-estima.

Escrever um livro de auto-ajuda, estamos nos ajudando e, com sorte, ainda pegamos alguns desavisados, sugestionáveis e melhoramos a vida dele. Mal não faz! Com mais sorte ainda, conseguimos vender toda tiragem e de repente virarmos um bestseller, que o diga Paulo Coelho com « O Alquimista», pai de tantos outros ainda mais filosóficos! Nada contra «O Mago», ainda acredito que as respostas estão dentro de nós mesmos...Todas as soluções de nossos problemas! 

A nossa mente é capaz de proezas intermináveis e usamos muito pouco de nosso cérebro...Por enquanto ainda filosofamos no tempo das pedras, com um cigarrinho dependurado no canto da boca e os neurônios dormindo por algum asilo ou à sombra de nosso guarda chuva em tarde quente de verão. Após os setenta anos, o que nos resta senão seguir a moda do «filosofar», rindo de nosso libido, sem que a patroa saiba ou os amigos...

Mil mentiras ditas como verdadeiras, tornam-se verdadeiras! 
Afinal, nesta fase de filósofo e mentiroso, todo mundo tem um pouco. 
Está certo Ocimar! Logo estarei escrevendo meu livro de auto-ajuda!




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