segunda-feira, 13 de julho de 2015

Prosa poética de Ilona Bastos


Prosa poética de Ilona Bastos

 

 A escrita em mim; Pinturas fotográficas; Escrever ou não escrever; A Observação dos Pássaros




A escrita em mim


 

 Poderia não ter dito o que disse, nem escrito o que escrevi. Mas como discernir, em cada momento, o que deve ser dito ou escrito, quando é esta voz (pelos outros inaudível) que se expressa, que inicia, sem avisos, o seu discurso interior?
 Também eu sou apanhada de surpresa, por vezes. Também eu me espanto com estas afirmações equívocas, ou dúvidas descabidas.
 Mas, que fazer? E é assim mesmo que a escrita surge em mim - inesperada, imperativa, incompreensível quiçá...
 Tanto tempo emudecida, vou deixar agora que se exprima. Não vou censurá-la, nem dizer-lhe: hoje, fala do assunto do dia, não me venhas com esses monólogos desvairados, que nem eu mesma entendo.
 Não, hoje vou deixá-la expressar-se como melhor entender, e vou simplesmente anotar as suas ideias.

 

 Pinturas fotográficas

 

 Estas pinturas fotográficas não me deixam. Obsessivamente me atraem com novos tons, novas texturas, novas formas.
 Pela rua caminhando, cada folha descida de uma árvore, cada flor silvestre acenando da borda de um canteiro ou nascida nos interstícios da muralha de pedra, me atraem. Sinto serem muito mais que a minúscula mancha esverdeada, que a acenante corola recortada. Diante da lente investigadora e provocatória da câmara, ganham dimensão monumental, complexidade fabulosa, detalhes extraordinários, textura belíssima, cor arrojada. Que mistérios, que tesouros descubro através desta visão inconveniente da câmara fotográfica!
 No ecrã, as imagens deixam-me muitas vezes sem fôlego. Que beleza, que espantosa perfeição!
 E sucedem-se estas pinturas fotográficas que me apaixonam.

 

 Escrever ou não escrever

 

 Ontem à noite, já muito tarde, pouco antes de me deitar, decidi: amanhã vou recomeçar a escrever.
 Uma voz mais fraca, ainda que gentil, sussurrou: mas é precisa inspiração, ou escreverás textos sem qualquer valor.
 E fui para a cama a ponderar, a discorrer sobre o valor de escrever textos desinspirados.
 Pouco antes de adormecer, confiadamente, lembrei-me de que o acto da escrita precede, muitas vezes, o do pensamento. E senti-me encorajada pela decisão que me consentira tomar.

 

 A Observação dos Pássaros

 

 Na imobilidade que impõe, a observação dos pássaros é uma actividade surpreendentemente viva. Os pássaros são espertos, desenvoltos, ladinos, simultaneamente nervosos e precisos nos súbitos movimentos de cabeça, no saltitar astuto, no debicar rápido e sagaz!

Seguia eu de automóvel, numa dessas manhãs modorrentas em que o céu nublado condiz com o nosso cérebro confuso, e, diante de um semáforo cuja luz vermelha parecia ter parado no tempo, pousei o meu olhar apático sobre o branco acinzentado da calçada.
 Movimentos breves, ligeiros, múltiplos, chamaram a minha atenção: pardalitos encantadores saltitavam pelo passeio.

Do canteiro, onde se encontravam, avançavam para o empedrado em pequenos saltos e graciosos meneios de cabeça, ora para vigiar em redor, ora para debicar algo no chão. Saltitando, espalhavam-se, corajosos. E logo atrás, superior, majestoso, um melro seguia o mesmo percurso. Plumagem preta, bico amarelo, pose distinta, não ameaçava nem protegia os pardais, mínimas e perfeitas criaturas de cor parda, pompons de penas, que pela manhã se moviam.

E, enquanto observava os pássaros, na imobilidade que tal tarefa implica, senti-me subitamente desperta, lúcida, viva, contagiada pelo vigor dos pardais!




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