PINIQUINHOS SEM ASAS
Texto de Antônio Carlos A. dos Santos, Acas
Dona Geralda era uma senhora dos seus sessenta anos e por todos muito querida, por ser amável com todos. Ela veio de longe, aqui para a fazenda São José, veio lá de Minas Gerais, de um lugar cujo nome me pareceu muito bonito: São Sebastião do Paraíso.
Extremamente pobre, poderia se dizer que era mesmo miserável. Não tinha nenhum bem, exceto a aliança e o bem querer da família. Mestre nas artes de quitandeira, dona Geralda era muito requisitada para ajudar em pequenas festas nas casas das comadres, tais como batizados, crismas e casamentos.
Fazia pães de queijo, pau - à - pique, mané - pelado, broa de milho, biscoitos de araruta e de mandioca, e de quebra cozinhava muito bem. A limpeza de sua casa era um primor. Suas roupas, além das de seu marido e filhos, apesar de surradas e rústicas, mostravam bem os dotes de dona Geralda: as camisas, vestidos e calças eram um remendo só, ou melhor, pareciam feitos de retalhos, tantos os remendos, uns sobre os outros, caprichosamente alinhavados (Geralda não possuía máquina de costura) porém fazia a própria roupa e da família, tudo costurado à mão!!, além da limpeza e a brancura de suas roupas, só comparável ao seu sorriso.
Pois bem, sendo eu um menino, me acostumei a comer todos os quitutes da dona Geralda, e muitas vezes consegui convencer minha mãe a convidá-la para fazer alguns pães de queijo ou broa de milho. Devido à generosidade dela, de vez em quando passava por sua casa, quando vinha da escola. Algumas vezes dava certo, e ela me oferecia bolo de fubá, pé de moleque e outras delícias.
Certa feita apareceu em casa um grupo de garotos e garotas, vestindo roupas elegantes e procurando por mim. Um amiguinho da fazenda vizinha, ao ver chegar os filhos do patrão, inventou de ir pescar, para se livrar deles, ao que os garotos e garotas de São Paulo quiseram acompanhá-lo.
Sem saber o que fazer, disse que eu é que sabia onde dava peixe bom, e agora estavam ali, ávidos para pescar. Para se ter ideia, levaram até molinete e carretilha, que eu só conhecia de revistas, para pescar num córrego de, no máximo, dois metros de largura e um metro de profundidade.
Levei-os até um trecho do córrego e os deixei lá pescando. Eu e meu amiguinho caímos fora. Como crianças de cidade não sabem brincar sozinhos no campo, logo se cansaram e passaram a correr atrás dos cavalos, além de espantar o gado que estava sendo recolhido para a ordenha.
- Leve esses diabos daqui, disse o cocheiro e tirador de leite, leve esses diabos daqui, disseram os camaradas, minha mãe e tudo o mais. Procurei pelo amiguinho da fazenda vizinha que havia trazido esses pestes, mas ele já havia ido embora. Que fazer?
Eu os reuni, e prometi que os levaria até a divisa da fazenda, de onde iriam juntos com pessoas da fazenda vizinha que os estariam esperando, conforme tratado telefonicamente pela minha mãe e a mulher do doutor patrão de outra fazenda, já desesperada sem notícias dos filhos.
Para percorrer os seis quilômetros da minha casa até o local da divisa, num trecho de cêrca de arame farpado, conhecido por «passador», (pois permitia que pessoas passassem pela cerca de arame farpado, porém os animais não), tínhamos que atravessar a colônia da minha fazenda; e ao passar pela casa da dona Geralda, ela nos convidou a todos para entrar, mais ou menos oito pessoas.
Serviu um bolo de fubá delicioso e ainda quentinho, e, praxe na minha terra, coou um cafezinho fresco. Dona Geralda pegou uma bandeja redonda e colocou uma série de canequinhas esmaltadas, na cor azul, com florezinhas brancas e passou a servir àquele grupo risonho que já, à esta altura, haviam devorado o bolo, demonstrando uma total falta de educação.
Dona Geralda foi primeiro servir a Marta, uma garota um tanto gordinha e branca como leite (embora estivesse toda vermelha por exposição ao sol demorada). Marta agradeceu, e girou a canequinha, tentando encontrar a asa da mesma, visto que não havia pires; girou a segunda, a terceira, a quarta e nada!!
Texto de Antônio Carlos A. dos Santos, Acas
Dona Geralda era uma senhora dos seus sessenta anos e por todos muito querida, por ser amável com todos. Ela veio de longe, aqui para a fazenda São José, veio lá de Minas Gerais, de um lugar cujo nome me pareceu muito bonito: São Sebastião do Paraíso.
Extremamente pobre, poderia se dizer que era mesmo miserável. Não tinha nenhum bem, exceto a aliança e o bem querer da família. Mestre nas artes de quitandeira, dona Geralda era muito requisitada para ajudar em pequenas festas nas casas das comadres, tais como batizados, crismas e casamentos.
Fazia pães de queijo, pau - à - pique, mané - pelado, broa de milho, biscoitos de araruta e de mandioca, e de quebra cozinhava muito bem. A limpeza de sua casa era um primor. Suas roupas, além das de seu marido e filhos, apesar de surradas e rústicas, mostravam bem os dotes de dona Geralda: as camisas, vestidos e calças eram um remendo só, ou melhor, pareciam feitos de retalhos, tantos os remendos, uns sobre os outros, caprichosamente alinhavados (Geralda não possuía máquina de costura) porém fazia a própria roupa e da família, tudo costurado à mão!!, além da limpeza e a brancura de suas roupas, só comparável ao seu sorriso.
Pois bem, sendo eu um menino, me acostumei a comer todos os quitutes da dona Geralda, e muitas vezes consegui convencer minha mãe a convidá-la para fazer alguns pães de queijo ou broa de milho. Devido à generosidade dela, de vez em quando passava por sua casa, quando vinha da escola. Algumas vezes dava certo, e ela me oferecia bolo de fubá, pé de moleque e outras delícias.
Certa feita apareceu em casa um grupo de garotos e garotas, vestindo roupas elegantes e procurando por mim. Um amiguinho da fazenda vizinha, ao ver chegar os filhos do patrão, inventou de ir pescar, para se livrar deles, ao que os garotos e garotas de São Paulo quiseram acompanhá-lo.
Sem saber o que fazer, disse que eu é que sabia onde dava peixe bom, e agora estavam ali, ávidos para pescar. Para se ter ideia, levaram até molinete e carretilha, que eu só conhecia de revistas, para pescar num córrego de, no máximo, dois metros de largura e um metro de profundidade.
Levei-os até um trecho do córrego e os deixei lá pescando. Eu e meu amiguinho caímos fora. Como crianças de cidade não sabem brincar sozinhos no campo, logo se cansaram e passaram a correr atrás dos cavalos, além de espantar o gado que estava sendo recolhido para a ordenha.
- Leve esses diabos daqui, disse o cocheiro e tirador de leite, leve esses diabos daqui, disseram os camaradas, minha mãe e tudo o mais. Procurei pelo amiguinho da fazenda vizinha que havia trazido esses pestes, mas ele já havia ido embora. Que fazer?
Eu os reuni, e prometi que os levaria até a divisa da fazenda, de onde iriam juntos com pessoas da fazenda vizinha que os estariam esperando, conforme tratado telefonicamente pela minha mãe e a mulher do doutor patrão de outra fazenda, já desesperada sem notícias dos filhos.
Para percorrer os seis quilômetros da minha casa até o local da divisa, num trecho de cêrca de arame farpado, conhecido por «passador», (pois permitia que pessoas passassem pela cerca de arame farpado, porém os animais não), tínhamos que atravessar a colônia da minha fazenda; e ao passar pela casa da dona Geralda, ela nos convidou a todos para entrar, mais ou menos oito pessoas.
Serviu um bolo de fubá delicioso e ainda quentinho, e, praxe na minha terra, coou um cafezinho fresco. Dona Geralda pegou uma bandeja redonda e colocou uma série de canequinhas esmaltadas, na cor azul, com florezinhas brancas e passou a servir àquele grupo risonho que já, à esta altura, haviam devorado o bolo, demonstrando uma total falta de educação.
Dona Geralda foi primeiro servir a Marta, uma garota um tanto gordinha e branca como leite (embora estivesse toda vermelha por exposição ao sol demorada). Marta agradeceu, e girou a canequinha, tentando encontrar a asa da mesma, visto que não havia pires; girou a segunda, a terceira, a quarta e nada!!
Penico ou pinico (piniquinho=piniquim)
Muito sem jeito, olhou para Dona Geralda que calmamente lhe disse:
- Pega na caneca, fia. «Us piniquim tá tudo sem asa, uai».
Canecas de café (aqui com asa)
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