Jornal Raizonline Nº 273 de 30 de Julho de 2015 - Coluna Um - Daniel Teixeira - Os anos da miséria
Os anos da miséria
Viver em Portugal nunca foi fácil: basta ler alguns dos nossos clássicos, descontando aqueles que fizeram apologias em curtos períodos da nossa história, para ficarmos certos que umas vezes com razão outras sem muita razão, rara é a perspectiva positiva sobre o ser-se português em Portugal.
Camilo Castelo Branco, numa resenha crítica que faz sobre Camões, diz com o sentido de humor corrosivo que se lhe reconhece, que não se quer, na nossa literatura, um Camões sorridente, feliz, quer-se um Camões torturado pela desgraça, um sofredor. A ilha dos amores, esse milagre camoneano vive algures num canto recôndito do longo poema: não tem quase direito a referência.Mas já a morte da pobre Inês enche referências e ensaios aos milhares.
Em certo sentido, com mais humor ou menos humor, uma parte substancial - bem substancial frise-se - da nossa história retém, preferentemente, as partes «choramingas» e com raras excepções o português pela-se por uma boa angústia que venha antes ou após o jantar.
Em rigor pode dizer-se que o português médio (de uma média transversal numérica e de classe) fica feliz apenas quando refere uma forma da desgraça do seu ser português em Portugal. António Gedeão diz num dos seus poemas que «não é impunemente que se nasce em Portugal». Ou seja, tem de se pagar um preço e para os mais pessimistas o total a pagar nunca se acaba.
Por isso continuamos pagando: os jornais mais lidos em Portugal são aqueles que colectam as desgraças do dia a dia e mesmo a chamada leitura cor de rosa tem de ter, por exemplo, a desgraça de se engordar ou de se emagrecer, uns quilitos, nada de mais, esquecendo oportunamente que por este país (e pelo mundo fora) existem pessoas que gostariam de ter semelhantes preocupações.
Eu, por exemplo, não admito sequer a possibilidade de não estar sempre extremamente triste, não forçosamente porque vivo em Portugal mas porque se o não estiver (triste, extremamente triste) sinto-me estrangeiro, emigrado, refugiado.
E quando se diz que se está triste, por estes lados do planeta, é mesmo para valer. Dentro desta alarvidade de tristeza não há gota de alegria que entre, mesmo que ela esteja a chover. Os corpos e as mentes fecham-se, encarquilham-se - é o termo - curvam-se sobre si mesmos e servem de ricochete a toda a possibilidade de alegria que ronde pelas proximidades.
Para finalizar, e para dar uma alegria triste aos portugueses que se prezam da nossa tristeza, afirmo que tenho uma suspeita de que em Portugal e para Portugal e para os portugueses não existe um horizonte de alegria previsto para os próximos anos.
Viver em Portugal nunca foi fácil: basta ler alguns dos nossos clássicos, descontando aqueles que fizeram apologias em curtos períodos da nossa história, para ficarmos certos que umas vezes com razão outras sem muita razão, rara é a perspectiva positiva sobre o ser-se português em Portugal.
Camilo Castelo Branco, numa resenha crítica que faz sobre Camões, diz com o sentido de humor corrosivo que se lhe reconhece, que não se quer, na nossa literatura, um Camões sorridente, feliz, quer-se um Camões torturado pela desgraça, um sofredor. A ilha dos amores, esse milagre camoneano vive algures num canto recôndito do longo poema: não tem quase direito a referência.Mas já a morte da pobre Inês enche referências e ensaios aos milhares.
Em certo sentido, com mais humor ou menos humor, uma parte substancial - bem substancial frise-se - da nossa história retém, preferentemente, as partes «choramingas» e com raras excepções o português pela-se por uma boa angústia que venha antes ou após o jantar.
Em rigor pode dizer-se que o português médio (de uma média transversal numérica e de classe) fica feliz apenas quando refere uma forma da desgraça do seu ser português em Portugal. António Gedeão diz num dos seus poemas que «não é impunemente que se nasce em Portugal». Ou seja, tem de se pagar um preço e para os mais pessimistas o total a pagar nunca se acaba.
Por isso continuamos pagando: os jornais mais lidos em Portugal são aqueles que colectam as desgraças do dia a dia e mesmo a chamada leitura cor de rosa tem de ter, por exemplo, a desgraça de se engordar ou de se emagrecer, uns quilitos, nada de mais, esquecendo oportunamente que por este país (e pelo mundo fora) existem pessoas que gostariam de ter semelhantes preocupações.
Eu, por exemplo, não admito sequer a possibilidade de não estar sempre extremamente triste, não forçosamente porque vivo em Portugal mas porque se o não estiver (triste, extremamente triste) sinto-me estrangeiro, emigrado, refugiado.
E quando se diz que se está triste, por estes lados do planeta, é mesmo para valer. Dentro desta alarvidade de tristeza não há gota de alegria que entre, mesmo que ela esteja a chover. Os corpos e as mentes fecham-se, encarquilham-se - é o termo - curvam-se sobre si mesmos e servem de ricochete a toda a possibilidade de alegria que ronde pelas proximidades.
Para finalizar, e para dar uma alegria triste aos portugueses que se prezam da nossa tristeza, afirmo que tenho uma suspeita de que em Portugal e para Portugal e para os portugueses não existe um horizonte de alegria previsto para os próximos anos.
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