Crónicas da Minha Terra
Por Arlete Piedade
Festa na Aldeia
(Nota: Este texto foi escrito recordando as festas populares da minha aldeia, que animaram a minha infância e adolescência, e que recordo como os momentos mais felizes e animados, que durante todo o ano esperava ansiosamente).
Pouco passava das sete horas da manhã e já estalavam foguetes no ar, uns a seguir aos outros, fazendo um barulho infernal que deixava todos os habitantes da aldeia em alvoroço.
São as tradições da terra, amigos! – Temos que saudar o dia que chega com muitos foguetes para os vizinhos das outras aldeias virem todos para a festa e trazerem muitas ofertas para o Santo! – Esclarecia o dono da casa, sorridente, para os seus espantados convidados que tinham acordado assustados.
- Ofertas para o Santo? Para quê? – Perguntaram os dois convidados que tinham chegado na véspera de Lisboa e queriam saber todas as tradições da aldeia, para poderem comparar com as da sua terra.
- O Santo da aldeia é o S. Silvestre! – Respondeu o anfitrião, que acrescentou:
- O santo protege os animais contra as doenças e os donos dos rebanhos vêm com as cabras, ovelhas e vacas dar umas voltas á capela, para agradecer a protecção do santo!
- Que engraçado isso! E que música é esta que estamos a ouvir a aproximar-se? – Perguntaram os dois amigos, que adoravam musica.
- Ai meu Deus! – Deve ser a banda que já aí vem, com os festeiros para levantarem a oferta! – Exclamou o amigo, com um ar de aflição que fez rir os convidados.
- Não riam! – Tenho que ir ver se está tudo em ordem! – Até já amigos! Sentem-se á mesa e comam. Não esperem por mim!
Mas os hóspedes queriam ver e acompanhar tudo e seguiram o amigo até á entrada da moradia, onde ele tinha disposto as ofertas para o Santo. Já se via ao longe na rua, o cortejo que se aproximava, com os festeiros á frente.
Vestiam fatos tradicionais com um colete de flanela vermelha por cima. Na mão esquerda traziam estandartes, com uma bandeira com a imagem do santo, na mão direita traziam sacos de veludo preto com que recolhiam as ofertas e dinheiro.
Outros traziam recipientes metálicos, onde levariam o azeite oferecido – foi explicando o anfitrião, aos dois amigos!
Mas á frente do cortejo, vinham os lançadores dos foguetes que iam deitando alguns para o ar mesmo em frente á casa , enquanto paravam e a banda tocava alegremente.
Mas a pedido do dono da casa, cessaram de lançar os foguetes para o ar, a banda calou-se e os festeiros que eram os habitantes da aldeia, encarregues da festa, aproximaram-se para recolherem a oferta já preparada.
Depois de dar uma quantia substancial em notas, que os amigos não viram bem, mas calcularam que seria cerca de 100 contos (100.000$00 escudos ou 500 euros pela moeda actual), o amigo ofereceu também 10 garrafões de azeite que seriam depois vendidos, e cujo valor revertia para a comissão de festas.
Os dois amigos, não querendo fazer má figura, perguntaram se aceitavam cheques, e foram buscar cada um, um cheque no valor de 50.000$00 (250 euros), que ofereceram aos festeiros para colaborarem conforme podiam.
Depois do cortejo se afastar, voltaram para a cozinha onde a mesa estava posta para o pequeno almoço, mas mal tinham acabado de sentar-se, ouviram lá fora o tropel dos rebanhos que se aproximava para irem dar a volta á capela do santo, e os primos quiserem ir ver a capela e a festa.
Entretanto no enorme fogão a lenha, coziam já as galinhas mortas de véspera, para fazer a canja. Também tinham abatido um porco e um borrego, e as mulheres descascavam batatas para disporem nos enormes tabuleiros de barro, onde já se encontravam pedaços de carne temperada com banha e massa vermelha feita de pimentos esmagados.
Depois de tudo regado com azeite e vinho, colocaram os tabuleiros nos fornos do fogão, onde ficariam a assar.
Enquanto isso, os convidados de Lisboa, acompanhados do amigo aldeão, estavam a entrar na pequena capela da aldeia. Ao fundo no altar, a imagem de S. Silvestre, que segundo lhes explicou o festeiro encarregado da capela, tinha sido um papa natural de França.
Mas antes de ser religioso, fora soldado ao serviço do imperador romano e como tal era afeiçoado aos cavalos e outros animais que protegia e curava de doenças.
Os donos dos animais, quando tinham algum animal doente, faziam promessas a S. Silvestre pedindo a cura do animal doente.
Assim no dia da festa, compravam uma pequena estatueta do animal que se tinha curado, a qual era colocada no altar, para atestar o poder do Santo.
Admirados os dois amigos, primos viram o altar cheio das pequenas estatuetas, e na sacristia ao lado, filas de prateleiras com mais figurinhas, representando vários animais em miniatura.
Depois de darem uma volta pelo arraial, voltaram a casa, onde os esperava o almoço juntamente com dezenas de convidados, que iam enchendo o jardim e o pátio fronteiro á casa.
Depois de devorarem a suculenta canja, e esvaziarem as travessas de carne assada com batatinhas e salada de alface, foi a vez dos doces e sobremesas.
Arroz-doce, pudim de ovos, salada de frutas e leite-creme foram servidos e devorados por aquelas pessoas que aparentavam não comer há uma semana tal a gula com que devoraram tudo que lhe era colocado á frente.
Foi a vez dos bolos confeccionados nos últimos dias pela dona de casa, serem cortados em fatias e colocados em pratos de vidro na mesa, bem como as filhoses cobertas com açúcar e canela e dispostas em enormes travessas intercaladas com os pratos de bolos.
O dono da casa, tinha ido buscar bebidas finas, tais como vinho do Porto, licor de amêndoa amarga e uísque para acompanharem os bolos. As senhoras de Lisboa, preferiram fazer café na máquina expresso que tinham trazido, o qual começaram a servir aos convidados que faziam fila esperando a sua vez.
Findo o almoço todos se dirigiram ao largo da aldeia, onde centenas de pessoas estavam aglomeradas, conversando em grupos, os mais novos dançando ao som da banda que tocava num palco improvisado ao fundo, os homens em grupos cumprimentando os amigos das aldeias vizinhas, as mulheres olhando os vestidos umas das outras para ver qual era a mais bem vestida, as crianças brincado e comendo pinhões em cordões.
Os namorados dançavam, outros jovens e pessoas de todas as idades, acotovelavam-se ao balcão da quermesse para comprarem rifas e verem se tinham sorte em serem premiados com bugigangas diversas que as fábricas e lojas tinham oferecido para serem sorteadas e leiloadas e o dinheiro arrecadado reverter a favor do Santo e da comissão de festas, o que era quase a mesma coisa.
Ao fim da tarde, todos se dirigiam para casa, os convidados para casa dos anfitriões que os tinham recebido, outros de regresso ás suas aldeias, enquanto os habitantes da aldeia se apressavam para irem servir o jantar, porque depois haveria baile e ninguém queria perder a actuação do famoso conjunto musical que tinha sido contratado para a noite de passagem de ano, a noite de S. Silvestre.
Por isso depois do jantar foram de novo para o largo da festa, os miúdos felizes com os brindes que tinham conseguido ganhar na quermesse e que eram uma bola de futebol branca e azul, um carro de bombeiros telecomandado que apitava e buzinava, e uma estatueta de barro que representava um casal de crianças que brincavam.
Agora era a vez de lançarem um balão de ar quente, que já estava pendurado no alto, por cima de uma enorme fogueira destinada a enchê-lo de ar aquecido.
Curiosos, todos se aproximaram, mas ainda iria demorar, só perto da meia-noite seria o lançamento programado. Então dirigiram-se para o salão de baile de onde chegava o som do conjunto musical a afinar os instrumentos.
Daí a pouco começaria o baile, ponto alto das festividades pelo qual todos os jovens esperavam ansiosamente para dançarem com as namoradas os que já namoravam, para arranjarem ou tentarem conquistar uma namorada, os que ainda não tinham.
Em volta do recinto de dança, em duas filas de cadeiras e algumas mesas, as mães vigiavam, enquanto os pais no bar ou no café conversavam de assuntos de homens.
A meia-noite o baile foi interrompido para irem ver subir o balão que se perdeu no céu escuro, e em seguida o baile prosseguiu até de madrugada.
No dia seguinte todos se levantaram tarde depois dos festejos da véspera. Era dia de Ano Novo, mas a seguir ao almoço, enquanto a festa continuava o grupo preferiu regressar a Lisboa.
A chuva tinha recomeçado a cair, anoitecia cedo e o trânsito devia estar caótico na auto-estrada, depois do fim - de - semana de festas.
Arlete Piedade
Por Arlete Piedade
Festa na Aldeia
(Nota: Este texto foi escrito recordando as festas populares da minha aldeia, que animaram a minha infância e adolescência, e que recordo como os momentos mais felizes e animados, que durante todo o ano esperava ansiosamente).
Pouco passava das sete horas da manhã e já estalavam foguetes no ar, uns a seguir aos outros, fazendo um barulho infernal que deixava todos os habitantes da aldeia em alvoroço.
São as tradições da terra, amigos! – Temos que saudar o dia que chega com muitos foguetes para os vizinhos das outras aldeias virem todos para a festa e trazerem muitas ofertas para o Santo! – Esclarecia o dono da casa, sorridente, para os seus espantados convidados que tinham acordado assustados.
- Ofertas para o Santo? Para quê? – Perguntaram os dois convidados que tinham chegado na véspera de Lisboa e queriam saber todas as tradições da aldeia, para poderem comparar com as da sua terra.
- O Santo da aldeia é o S. Silvestre! – Respondeu o anfitrião, que acrescentou:
- O santo protege os animais contra as doenças e os donos dos rebanhos vêm com as cabras, ovelhas e vacas dar umas voltas á capela, para agradecer a protecção do santo!
- Que engraçado isso! E que música é esta que estamos a ouvir a aproximar-se? – Perguntaram os dois amigos, que adoravam musica.
- Ai meu Deus! – Deve ser a banda que já aí vem, com os festeiros para levantarem a oferta! – Exclamou o amigo, com um ar de aflição que fez rir os convidados.
- Não riam! – Tenho que ir ver se está tudo em ordem! – Até já amigos! Sentem-se á mesa e comam. Não esperem por mim!
Mas os hóspedes queriam ver e acompanhar tudo e seguiram o amigo até á entrada da moradia, onde ele tinha disposto as ofertas para o Santo. Já se via ao longe na rua, o cortejo que se aproximava, com os festeiros á frente.
Vestiam fatos tradicionais com um colete de flanela vermelha por cima. Na mão esquerda traziam estandartes, com uma bandeira com a imagem do santo, na mão direita traziam sacos de veludo preto com que recolhiam as ofertas e dinheiro.
Outros traziam recipientes metálicos, onde levariam o azeite oferecido – foi explicando o anfitrião, aos dois amigos!
Mas á frente do cortejo, vinham os lançadores dos foguetes que iam deitando alguns para o ar mesmo em frente á casa , enquanto paravam e a banda tocava alegremente.
Mas a pedido do dono da casa, cessaram de lançar os foguetes para o ar, a banda calou-se e os festeiros que eram os habitantes da aldeia, encarregues da festa, aproximaram-se para recolherem a oferta já preparada.
Depois de dar uma quantia substancial em notas, que os amigos não viram bem, mas calcularam que seria cerca de 100 contos (100.000$00 escudos ou 500 euros pela moeda actual), o amigo ofereceu também 10 garrafões de azeite que seriam depois vendidos, e cujo valor revertia para a comissão de festas.
Os dois amigos, não querendo fazer má figura, perguntaram se aceitavam cheques, e foram buscar cada um, um cheque no valor de 50.000$00 (250 euros), que ofereceram aos festeiros para colaborarem conforme podiam.
Depois do cortejo se afastar, voltaram para a cozinha onde a mesa estava posta para o pequeno almoço, mas mal tinham acabado de sentar-se, ouviram lá fora o tropel dos rebanhos que se aproximava para irem dar a volta á capela do santo, e os primos quiserem ir ver a capela e a festa.
Entretanto no enorme fogão a lenha, coziam já as galinhas mortas de véspera, para fazer a canja. Também tinham abatido um porco e um borrego, e as mulheres descascavam batatas para disporem nos enormes tabuleiros de barro, onde já se encontravam pedaços de carne temperada com banha e massa vermelha feita de pimentos esmagados.
Depois de tudo regado com azeite e vinho, colocaram os tabuleiros nos fornos do fogão, onde ficariam a assar.
Enquanto isso, os convidados de Lisboa, acompanhados do amigo aldeão, estavam a entrar na pequena capela da aldeia. Ao fundo no altar, a imagem de S. Silvestre, que segundo lhes explicou o festeiro encarregado da capela, tinha sido um papa natural de França.
Mas antes de ser religioso, fora soldado ao serviço do imperador romano e como tal era afeiçoado aos cavalos e outros animais que protegia e curava de doenças.
Os donos dos animais, quando tinham algum animal doente, faziam promessas a S. Silvestre pedindo a cura do animal doente.
Assim no dia da festa, compravam uma pequena estatueta do animal que se tinha curado, a qual era colocada no altar, para atestar o poder do Santo.
Admirados os dois amigos, primos viram o altar cheio das pequenas estatuetas, e na sacristia ao lado, filas de prateleiras com mais figurinhas, representando vários animais em miniatura.
Depois de darem uma volta pelo arraial, voltaram a casa, onde os esperava o almoço juntamente com dezenas de convidados, que iam enchendo o jardim e o pátio fronteiro á casa.
Depois de devorarem a suculenta canja, e esvaziarem as travessas de carne assada com batatinhas e salada de alface, foi a vez dos doces e sobremesas.
Arroz-doce, pudim de ovos, salada de frutas e leite-creme foram servidos e devorados por aquelas pessoas que aparentavam não comer há uma semana tal a gula com que devoraram tudo que lhe era colocado á frente.
Foi a vez dos bolos confeccionados nos últimos dias pela dona de casa, serem cortados em fatias e colocados em pratos de vidro na mesa, bem como as filhoses cobertas com açúcar e canela e dispostas em enormes travessas intercaladas com os pratos de bolos.
O dono da casa, tinha ido buscar bebidas finas, tais como vinho do Porto, licor de amêndoa amarga e uísque para acompanharem os bolos. As senhoras de Lisboa, preferiram fazer café na máquina expresso que tinham trazido, o qual começaram a servir aos convidados que faziam fila esperando a sua vez.
Findo o almoço todos se dirigiram ao largo da aldeia, onde centenas de pessoas estavam aglomeradas, conversando em grupos, os mais novos dançando ao som da banda que tocava num palco improvisado ao fundo, os homens em grupos cumprimentando os amigos das aldeias vizinhas, as mulheres olhando os vestidos umas das outras para ver qual era a mais bem vestida, as crianças brincado e comendo pinhões em cordões.
Os namorados dançavam, outros jovens e pessoas de todas as idades, acotovelavam-se ao balcão da quermesse para comprarem rifas e verem se tinham sorte em serem premiados com bugigangas diversas que as fábricas e lojas tinham oferecido para serem sorteadas e leiloadas e o dinheiro arrecadado reverter a favor do Santo e da comissão de festas, o que era quase a mesma coisa.
Ao fim da tarde, todos se dirigiam para casa, os convidados para casa dos anfitriões que os tinham recebido, outros de regresso ás suas aldeias, enquanto os habitantes da aldeia se apressavam para irem servir o jantar, porque depois haveria baile e ninguém queria perder a actuação do famoso conjunto musical que tinha sido contratado para a noite de passagem de ano, a noite de S. Silvestre.
Por isso depois do jantar foram de novo para o largo da festa, os miúdos felizes com os brindes que tinham conseguido ganhar na quermesse e que eram uma bola de futebol branca e azul, um carro de bombeiros telecomandado que apitava e buzinava, e uma estatueta de barro que representava um casal de crianças que brincavam.
Agora era a vez de lançarem um balão de ar quente, que já estava pendurado no alto, por cima de uma enorme fogueira destinada a enchê-lo de ar aquecido.
Curiosos, todos se aproximaram, mas ainda iria demorar, só perto da meia-noite seria o lançamento programado. Então dirigiram-se para o salão de baile de onde chegava o som do conjunto musical a afinar os instrumentos.
Daí a pouco começaria o baile, ponto alto das festividades pelo qual todos os jovens esperavam ansiosamente para dançarem com as namoradas os que já namoravam, para arranjarem ou tentarem conquistar uma namorada, os que ainda não tinham.
Em volta do recinto de dança, em duas filas de cadeiras e algumas mesas, as mães vigiavam, enquanto os pais no bar ou no café conversavam de assuntos de homens.
A meia-noite o baile foi interrompido para irem ver subir o balão que se perdeu no céu escuro, e em seguida o baile prosseguiu até de madrugada.
No dia seguinte todos se levantaram tarde depois dos festejos da véspera. Era dia de Ano Novo, mas a seguir ao almoço, enquanto a festa continuava o grupo preferiu regressar a Lisboa.
A chuva tinha recomeçado a cair, anoitecia cedo e o trânsito devia estar caótico na auto-estrada, depois do fim - de - semana de festas.
Arlete Piedade