QUANDO AS FOLHAS CAEM
Texto de Liliana Josué
O velho Manuel era um homem alto e pesado; olhos pequenos, ligeiramente rasgados e brilhantes, de tom pardo e vivos como os de uma criança.
Os cabelos brancos ainda se mostravam um tanto vaidosos do seu vigor, emoldurando graciosamente as aquelas faces bordadas de rugas.
Suas mãos eram mapas de gelhas, salpicadas de largas sardas acastanhadas mas ainda com alguma destreza. As pernas é que já não tinham a agilidade de antigamente e os pés arrastavam ligeiramente pelo chão.
No entanto, o seu porte era ainda contornado de certa virilidade.
Cansado de olhar as grandes vespas do jornal, pois a vista para pouco mais dava, levantou-se do puído sofá, outrora verde, adornado de outonais folhas castanhas, saindo em direcção ao jardim perto de sua casa.
Enquanto caminhava lentamente, nesse fim de tarde, ouvia os pássaros num cântico murmurado de saudade pelos apetecidos dias de verão.
Manuel sentou-se num banco de madeira pintado de verde, debaixo de uma grande amoreira. As folhas fustigadas por ligeira aragem, cantarolavam nostálgicas melodias de despedida, e num recato de fim de tempo caíam uma a uma, no seu amarelo envelhecer, enquanto se ofereciam dóceis , em tapetes macios, aos pés daquele homem.
Na relva verdejante, bandos de crianças corriam e gritavam, como pássaros acabados de aprender a voar, no seu entusiasmo de brincadeiras que só a elas diziam respeito.
Havia ainda cães brincando com seus donos em corridas e saltinhos, de rabito espetado, numa felicidade sem limites. Enquanto outros, de pelo frouxo e olhar triste, fugiam de cauda encolhida na certeza de não serem desejados.
Manuel tudo via e entendia. Inclinou um pouco a cabeça para trás, observando o céu acinzentado, e um leve sorriso marcou-lhe a boca de lábios finos. «Os eternos contrastes e desigualdades».
Um vento mais forte soprou num uivo de lobo, e o tapete de folhas mexeu-se num seco rostilhar, chamando a atenção daquele homem. Este olhou-as, agora atentamente, vergando lentamente o corpo.
Os seu pés mal se viam submersos naquele acolhedor tapete matizado. Numa admiração de velho que pensara já nada o perturbar, reparou serem elas também velhas mas belas.
Esticou os braços e segurou algumas nas suas mãos. Chegou-as ao rosto inalando emocionado seu cheiro a terra, enquanto duas lágrimas traiçoeiras lhe rolaram pelas faces molhando as folhas quase mortas.
Em atitude de abandono, ali permaneceu num abraço de cumplicidade, esperando serenamente algo de que sempre tanto medo tivera. Afinal a outra parte escura da vida também podia ser bela e repousante.
Eis que uma nuvem de lindas folhas castanhas, amarelas e encarniçadas desceram suavemente pela árvore envolvendo totalmente o ancião, adormecendo este em doce serenidade.
Texto de Liliana Josué
O velho Manuel era um homem alto e pesado; olhos pequenos, ligeiramente rasgados e brilhantes, de tom pardo e vivos como os de uma criança.
Os cabelos brancos ainda se mostravam um tanto vaidosos do seu vigor, emoldurando graciosamente as aquelas faces bordadas de rugas.
Suas mãos eram mapas de gelhas, salpicadas de largas sardas acastanhadas mas ainda com alguma destreza. As pernas é que já não tinham a agilidade de antigamente e os pés arrastavam ligeiramente pelo chão.
No entanto, o seu porte era ainda contornado de certa virilidade.
Cansado de olhar as grandes vespas do jornal, pois a vista para pouco mais dava, levantou-se do puído sofá, outrora verde, adornado de outonais folhas castanhas, saindo em direcção ao jardim perto de sua casa.
Enquanto caminhava lentamente, nesse fim de tarde, ouvia os pássaros num cântico murmurado de saudade pelos apetecidos dias de verão.
Manuel sentou-se num banco de madeira pintado de verde, debaixo de uma grande amoreira. As folhas fustigadas por ligeira aragem, cantarolavam nostálgicas melodias de despedida, e num recato de fim de tempo caíam uma a uma, no seu amarelo envelhecer, enquanto se ofereciam dóceis , em tapetes macios, aos pés daquele homem.
Na relva verdejante, bandos de crianças corriam e gritavam, como pássaros acabados de aprender a voar, no seu entusiasmo de brincadeiras que só a elas diziam respeito.
Havia ainda cães brincando com seus donos em corridas e saltinhos, de rabito espetado, numa felicidade sem limites. Enquanto outros, de pelo frouxo e olhar triste, fugiam de cauda encolhida na certeza de não serem desejados.
Manuel tudo via e entendia. Inclinou um pouco a cabeça para trás, observando o céu acinzentado, e um leve sorriso marcou-lhe a boca de lábios finos. «Os eternos contrastes e desigualdades».
Um vento mais forte soprou num uivo de lobo, e o tapete de folhas mexeu-se num seco rostilhar, chamando a atenção daquele homem. Este olhou-as, agora atentamente, vergando lentamente o corpo.
Os seu pés mal se viam submersos naquele acolhedor tapete matizado. Numa admiração de velho que pensara já nada o perturbar, reparou serem elas também velhas mas belas.
Esticou os braços e segurou algumas nas suas mãos. Chegou-as ao rosto inalando emocionado seu cheiro a terra, enquanto duas lágrimas traiçoeiras lhe rolaram pelas faces molhando as folhas quase mortas.
Em atitude de abandono, ali permaneceu num abraço de cumplicidade, esperando serenamente algo de que sempre tanto medo tivera. Afinal a outra parte escura da vida também podia ser bela e repousante.
Eis que uma nuvem de lindas folhas castanhas, amarelas e encarniçadas desceram suavemente pela árvore envolvendo totalmente o ancião, adormecendo este em doce serenidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário