Sexo - crônica de costumes, na música sertaneja...
Por: Se Gyn
A música sertaneja, ao contrário da música nordestina, por exemplo, nunca recebeu um tratamento adequado, criterioso e, desarmado da crítica musical, formada majoritariamente por gente que ouve MPB e, música estrangeira. A má vontade, começa na tentativa de separação entre a música do passado e, das décadas mais recentes, criando dois rótulos diferentes: música caipira, para a primeira e, música sertaneja, para a segunda.
No primeiro caso, o rótulo pode ser perfeitamente associado às imagens pintadas por Almeida Jr, onde o crítico enxerga o mundo do campo idílico de gente muito assemelhada ao Jeca Tatú, de Monteiro Lobato.
No segundo caso, uma música cheia de influências estrógenas, das raízes corrompidas, feita para o mercado, feita para o grande consumo - quando não está longe da verdade, pois o que era outrora o homem do campo, agora está morando nas periferias das grandes cidades, o que não significa que rompeu inteiramente com suas raízes. Nem uma coisa nem outra, mas o tema do meu texto não é este.
Quero demonstrar rapidamente aqui, as possibilidades que podem decorrer de uma boa pesquisa desarmada, sobre o acervo gravado de música sertaneja, desde os seus primórdios. Peguemos os costumes e práticas sexuais, como exemplo. Para os cultuadores da idéia de que a verdadeira música do homem do campo é a tal da «música caipira», esse assunto parece provocação, mas vamos lá.
Lá pelos anos cinqüenta - época em que ainda estava cristalizado o machismo e as músicas falavam de relações sexuais ditas normais, Raul Torres fez com pacífico uma música que se transformou num clássico, Cavalo Zaino. A letra é bucólica e, fala da paixão de um homem do meio rural por um cavalo de primeira linha. Mas, no meio da letra, há um verso misterioso, que diz: «...O macho que eu quero bem!». Isso passou desapercebido e, foi tomado de uma forma simbólica, pelos ouvintes de música sertaneja, fixados majoritariamente na zona rural.
No começo dos anos 70, quando os músicos da MPB exploravam a imagem andrógina e letras com vagas sugestões de experiências sexuais alternativas e, começava um impressionante êxodo da população do campo para as cidades, Tião Carreiro e Pardinho - em cujo repertório surgiram as primeiras manifestações sobre preconceito e diferenças raciais no Brasil, gravaram uma música em que um personagem oculto e, moribundo (situação diante da qual, seriam permitidas a ele certas liberdades ou arroubos) narra sua espantosa paixão por duas mulheres, dizendo exatamente o seguinte: «Oh, meu Deus, que mãe bonita/ oh, meu Deus que filha linda/ mulheres iguais a elas/ no mundo não vi ainda»... e, a certa altura, vão mais além, «Se eu me casasse com as duas/ oh, meu Deus, que maravilha/ Vivia num mar de rosas/ nos braços de mãe e filha!»
Já nos anos 80, enquanto no mundo do Rock nacional e da MPB já se fala direta ou indiretamente de relações homossexuais, Chitãozinho e Chororó gravaram uma música que, à parte a melodia modorrenta, fala da surpresa daquele que foi o homem do campo com a rápida mudança dos costumes e práticas sexuais, em «Amor a Três». O estribilho da canção começa meio indeciso: «Não querida, não!/ amor a três/ assim não consigo/ já estou sabendo/ que pensa em outro, estando comigo/ uma mulher e dois homens - é impossível/ adeus, querida...» mas, arremata com firmeza: «...eu vou partir nesta hora fique com ele agora/ viver em três não é vida!».
Dias atrás, ouvi uma música em que Daniel canta, de passagem, sobre gostos sexuais diferentes (se me recordo bem, tem uma parte assim: «...Se você gosta de homem e/ eu gosto de mulher - o que é que tem? O que é que tem?» ), mas, não vale muito a pena escrever sobre ela, porque, convenhamos, depois do atrevimento de Tião Carreiro e Pardinho, que invocaram o amor concomitante de mãe e filha - que envolve o crime da bigamia e, o conseqüente tabu do incesto, isto sob a invocação complacente de Deus, não há muito mais o que falar, há?
O goiano Odair José, com a sua «Pare de tomar a pílula» não passou nem perto em termos de provocação. Os sertanejos escaparam da censura, é claro, justamente por causa daquela visão preconceituosa do censor, o tipo urbano que, igual aos outros, achavam que música sertaneja era coisa de gente atrasada. Algo assim: «- o que podem fazer de mal esses capiaus, que vivem por aí, picando fumo e cantando musiquinha que fala de roça?»...
Se Gyn
Por: Se Gyn
A música sertaneja, ao contrário da música nordestina, por exemplo, nunca recebeu um tratamento adequado, criterioso e, desarmado da crítica musical, formada majoritariamente por gente que ouve MPB e, música estrangeira. A má vontade, começa na tentativa de separação entre a música do passado e, das décadas mais recentes, criando dois rótulos diferentes: música caipira, para a primeira e, música sertaneja, para a segunda.
No primeiro caso, o rótulo pode ser perfeitamente associado às imagens pintadas por Almeida Jr, onde o crítico enxerga o mundo do campo idílico de gente muito assemelhada ao Jeca Tatú, de Monteiro Lobato.
No segundo caso, uma música cheia de influências estrógenas, das raízes corrompidas, feita para o mercado, feita para o grande consumo - quando não está longe da verdade, pois o que era outrora o homem do campo, agora está morando nas periferias das grandes cidades, o que não significa que rompeu inteiramente com suas raízes. Nem uma coisa nem outra, mas o tema do meu texto não é este.
Quero demonstrar rapidamente aqui, as possibilidades que podem decorrer de uma boa pesquisa desarmada, sobre o acervo gravado de música sertaneja, desde os seus primórdios. Peguemos os costumes e práticas sexuais, como exemplo. Para os cultuadores da idéia de que a verdadeira música do homem do campo é a tal da «música caipira», esse assunto parece provocação, mas vamos lá.
Lá pelos anos cinqüenta - época em que ainda estava cristalizado o machismo e as músicas falavam de relações sexuais ditas normais, Raul Torres fez com pacífico uma música que se transformou num clássico, Cavalo Zaino. A letra é bucólica e, fala da paixão de um homem do meio rural por um cavalo de primeira linha. Mas, no meio da letra, há um verso misterioso, que diz: «...O macho que eu quero bem!». Isso passou desapercebido e, foi tomado de uma forma simbólica, pelos ouvintes de música sertaneja, fixados majoritariamente na zona rural.
No começo dos anos 70, quando os músicos da MPB exploravam a imagem andrógina e letras com vagas sugestões de experiências sexuais alternativas e, começava um impressionante êxodo da população do campo para as cidades, Tião Carreiro e Pardinho - em cujo repertório surgiram as primeiras manifestações sobre preconceito e diferenças raciais no Brasil, gravaram uma música em que um personagem oculto e, moribundo (situação diante da qual, seriam permitidas a ele certas liberdades ou arroubos) narra sua espantosa paixão por duas mulheres, dizendo exatamente o seguinte: «Oh, meu Deus, que mãe bonita/ oh, meu Deus que filha linda/ mulheres iguais a elas/ no mundo não vi ainda»... e, a certa altura, vão mais além, «Se eu me casasse com as duas/ oh, meu Deus, que maravilha/ Vivia num mar de rosas/ nos braços de mãe e filha!»
Já nos anos 80, enquanto no mundo do Rock nacional e da MPB já se fala direta ou indiretamente de relações homossexuais, Chitãozinho e Chororó gravaram uma música que, à parte a melodia modorrenta, fala da surpresa daquele que foi o homem do campo com a rápida mudança dos costumes e práticas sexuais, em «Amor a Três». O estribilho da canção começa meio indeciso: «Não querida, não!/ amor a três/ assim não consigo/ já estou sabendo/ que pensa em outro, estando comigo/ uma mulher e dois homens - é impossível/ adeus, querida...» mas, arremata com firmeza: «...eu vou partir nesta hora fique com ele agora/ viver em três não é vida!».
Dias atrás, ouvi uma música em que Daniel canta, de passagem, sobre gostos sexuais diferentes (se me recordo bem, tem uma parte assim: «...Se você gosta de homem e/ eu gosto de mulher - o que é que tem? O que é que tem?» ), mas, não vale muito a pena escrever sobre ela, porque, convenhamos, depois do atrevimento de Tião Carreiro e Pardinho, que invocaram o amor concomitante de mãe e filha - que envolve o crime da bigamia e, o conseqüente tabu do incesto, isto sob a invocação complacente de Deus, não há muito mais o que falar, há?
O goiano Odair José, com a sua «Pare de tomar a pílula» não passou nem perto em termos de provocação. Os sertanejos escaparam da censura, é claro, justamente por causa daquela visão preconceituosa do censor, o tipo urbano que, igual aos outros, achavam que música sertaneja era coisa de gente atrasada. Algo assim: «- o que podem fazer de mal esses capiaus, que vivem por aí, picando fumo e cantando musiquinha que fala de roça?»...
Se Gyn
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