UMA CASA EM BEIRUTE (2)
Por Sylvia Beirute
um nome. as pessoas reduzem-se a um nome. a linguagem agrava as coisas. as pessoas também se reduzem a linguagens. na realidade o nome e tudo o que ele comporta, como o chamar, o entoar, o evocar, reduz-se a uma linguagem. quando a criança me chamou, disse o meu nome: «Carlaiz», disse ela. disse-o de uma forma diferente. disse-o como se se desmoronasse a linguagem subjacente.
eu nunca pensei no meu nome com esta sensação associada, concluí. nunca o meu nome conheceu uma matéria tão informe, sem opositor chamativo, com uma redução subliminar, própria do domínio do puro. Carlaiz, perguntava a criança, aceitas jantar connosco na sexta-feira? e eu pensava. eu não parava de pensar na primeira questão. disse «porque não?» com um sorriso como se pudesse fugir sem pernas. «ainda tenho de tratar do meu contrato, acabei de chegar à cidade», acrescentei.
a questão filosófica mais importante numa pessoa sozinha no mundo, senão num espaço, maior ou menor, é a possibilidade (ou capacidade) de escolher a própria família. se for num espaço estrangeiro esse acolhimento é paradoxalmente mais efectivo. como que há um distanciamento natural entre quem recebe e quem chega, mas que aproxima pela descoberta, conquista, ou curiosidade radiográfica. mas que será isto? por que será assim?
de seguida propus-me a não responder a quaisquer perguntas que pudesse naturalmente formular. trazia muitas questões, procurava respostas. respostas daquelas que não perguntam de novo. especialmente aquelas que não perguntam o mesmo que já fora perguntado.
quando cheguei a casa rezei e chorei. tenho o hábito de fazer sempre duas coisas ao mesmo tempo. acoplá-las ainda que aparentemente de tal não sejam passíveis. rezar e chorar creio que, ao contrário de outras, são duas funções que se podem executar em conjunto. com o tempo, quando chorava instantaneamente, também rezava. era como se impusesse ao verbo um outro lado transitivo. e vivia a experiência. dir-se-ia que rezava o choro. certos contrários não fazem sentido. não podia dizer que chorava a reza, por exterior a mim.
comecei a viver em beirute uma outra dimensão. a minha casa seria decorada segundo outros padrões, podia começar relações do zero, esconder o meu passado, desarticular-me por completo no exercício do ser individual.
no meu ouvido ainda permanecia o meu nome dito pela criança: «Carlaiz».
Sylvia Beirute
Por Sylvia Beirute
um nome. as pessoas reduzem-se a um nome. a linguagem agrava as coisas. as pessoas também se reduzem a linguagens. na realidade o nome e tudo o que ele comporta, como o chamar, o entoar, o evocar, reduz-se a uma linguagem. quando a criança me chamou, disse o meu nome: «Carlaiz», disse ela. disse-o de uma forma diferente. disse-o como se se desmoronasse a linguagem subjacente.
eu nunca pensei no meu nome com esta sensação associada, concluí. nunca o meu nome conheceu uma matéria tão informe, sem opositor chamativo, com uma redução subliminar, própria do domínio do puro. Carlaiz, perguntava a criança, aceitas jantar connosco na sexta-feira? e eu pensava. eu não parava de pensar na primeira questão. disse «porque não?» com um sorriso como se pudesse fugir sem pernas. «ainda tenho de tratar do meu contrato, acabei de chegar à cidade», acrescentei.
a questão filosófica mais importante numa pessoa sozinha no mundo, senão num espaço, maior ou menor, é a possibilidade (ou capacidade) de escolher a própria família. se for num espaço estrangeiro esse acolhimento é paradoxalmente mais efectivo. como que há um distanciamento natural entre quem recebe e quem chega, mas que aproxima pela descoberta, conquista, ou curiosidade radiográfica. mas que será isto? por que será assim?
de seguida propus-me a não responder a quaisquer perguntas que pudesse naturalmente formular. trazia muitas questões, procurava respostas. respostas daquelas que não perguntam de novo. especialmente aquelas que não perguntam o mesmo que já fora perguntado.
quando cheguei a casa rezei e chorei. tenho o hábito de fazer sempre duas coisas ao mesmo tempo. acoplá-las ainda que aparentemente de tal não sejam passíveis. rezar e chorar creio que, ao contrário de outras, são duas funções que se podem executar em conjunto. com o tempo, quando chorava instantaneamente, também rezava. era como se impusesse ao verbo um outro lado transitivo. e vivia a experiência. dir-se-ia que rezava o choro. certos contrários não fazem sentido. não podia dizer que chorava a reza, por exterior a mim.
comecei a viver em beirute uma outra dimensão. a minha casa seria decorada segundo outros padrões, podia começar relações do zero, esconder o meu passado, desarticular-me por completo no exercício do ser individual.
no meu ouvido ainda permanecia o meu nome dito pela criança: «Carlaiz».
Sylvia Beirute
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