sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

A NOITE CAIRÁ de André Singer, Reino Unido, 2014


A NOITE CAIRÁ

de André Singer, Reino Unido, 2014, 75’, M/14

Recolhido em Cineclube de Faro



FICHA TÉCNICA
Realização: André Singer
Argumento: Lynette Singer
Fotografia: Richard Blanshard
Montagem: Arik Lahav, Steve Miller
Som: Aviv Aldema
Compositor: Nicholas Singer
Origem: Reino Unido
Ano: 2014
Duração: 75’



A 15 de Abril de 1945, as tropas britânicas libertaram o campo de concentração de Bergen-Belsen. Uma equipa de filmagens filmou as pilhas de cadáveres e os sobreviventes, provas irrefutáveis dos crimes cometidos pelo regime Nazi. O produtor Sidney Bernstein planeava usá-las num filme e convidou Alfred Hitchcock para o montar. Mas, depois do fim da Guerra, as forças de ocupação mudaram a sua política e em vez de confrontar a Alemanha com a culpa, preferiram instalar a confiança para tornar possível a reconstrução do pós-Guerra. E estas imagens de horror indizível foram confinadas aos arquivos. A Noite Cairá segue as pisadas deste filme inacabado conhecido como o “Hitchcock perdido”.

CRÍTICA
 
O documentário de Singer coloca o cerne da questão no projecto do produtor Sidney Bernstein, que devido a um conjunto de circunstâncias relacionadas com a instabilidade política do pós-guerra nunca chegou a ser completado. Até hoje: no final de 2014 o Imperial War Museum regressou às imagens recolhidas pelos soldados, num importantíssimo trabalho de digitalização e restauração. Um dos aspectos mais determinantes no projecto concebido por Bernstein, e que nunca chegou a ser verdadeiramente concretizado, está relacionado com o envolvimento de Alfred Hitchcock.

As imagens recolhidas pela equipa de Bernstein seriam o ponto de partida para aquele que seria o único documentário da carreira de Hitchcock. Uma das razões avançadas para a inviabilidade do projecto prende-se com a recusa em acolher o elevado número de refugiados judeus, tanto da parte dos Estados Unidos como do Reino Unido. Perante a intensidade visceral das imagens, temia-se que o documentário não cumprisse o seu propósito fundamental - que passava em larga medida pela demonstração da dimensão dos crimes cometidos pelo regime Nazi -, tornando-se antes numa ferramenta de pressão política; sensibilizada pela injustiça atroz cometida contra o povo judeu, havia a hipótese da população manifestar forte apoio ao acolhimento dos refugiados em território aliado. 


 
Por outro lado, e esta era uma questão primordialmente referente ao contexto do Reino Unido, haveria também o receio que a divulgação do documentário contribuísse para a desmoralização do povo alemão, frequentemente responsabilizado pelas ações do seu regime; com os primeiros sinais de uma guerra fria a poluir o horizonte político, a prioridade passavam também por evitar alienar um potencial aliado contra a então União Soviética. Em ambos os casos, é esta uma das dimensões da difícil relação entre o sentido último da história e a "imagem", e que parece fazer eco de algumas das reservas avançadas por Lanzamnn. Singer nunca entra em diálogo explicito com o debate lançado por Lanzmann, tão pouco nos moldes em que o realizador de Shoah colocou a questão, mas o que aqui importa sublinhar é a importância de uma reflexão sobre a relação entre imagem e a (re)construção da História.

Um dos motivos de maior interesse do documentário de Singer passa pela aproximação às sugestões e instruções dadas por Hitchcock à equipa de Bernstein. Para evitar suspeitas sobre a credibilidade das imagens, Hitchcock recomendou que se utilizassem planos e sequências longas – daí a insistência nos momentos em que é possível ver as campas a céu aberto com os corpos dos judeus, com soldados nazis junto das suas vítimas. Outra sugestão foi a de demonstrar a proximidade entre os campos de concentração e povoações civis, de uma maneira ou de outra implicadas naquela tragédia.


 
Algumas das imagens restauradas pelo Imperial War Museum vão sendo intercaladas ao longo de toda a exposição factual de A Noite Cairá, e o que é aqui também impressionante é a "nitidez" ou "realismo" que o digital vem trazer a este imprescindível documento histórico. É que a degradação das imagens de arquivo tendem a distanciar-nos do momento histórico em que foram recolhidas: é oposto da impressão provocada pela alta definição digital e da sua relação afetiva com o espetador.
 
A obra não nos apresenta uma leitura do sentido último do Holocausto, mas relembra-nos da nossa proximidade histórica com o horror do Nazismo.

O melhor: A contextualização da dimensão política do documentário.
O pior: Nada a apontar.

José Raposo, www.c7nema.net



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