Poesia de Jorge Vicente
Cadernos de Gethsemani
1.
desceram das montanhas os primeiros animais, as primeiras aves, as mães que, nas casas
dos filhos, casam e cozem o pão;
desceram das montanhas a flauta e a voz humana,
essa imensa cosmologia
mais breve que o voo de uma libélula
e infinitamente mais silenciosa [ou triste]
que a humana escritura dos deuses.
Jorge Vicente
2.
o meu pequeno deus doméstico
ininterruptamente escrevendo na argila:
constrói uma pequena linguagem que
possa alimentar os pássaros.
jorge vicente
3.
tenho, perante mim, uma grande escolha:
ser humano,
o produto de uma linhagem específica
- animal bípede, ser pensante, com um
sentido de existência muito próprio,
construtor, criador, filósofo nas horas vagas
e com um sentido estético para a poesia
tenho, perante mim, essa escolha:
ser humano e ser presa de um destino
de pequenos nadas
não posso mudar o que se passa em gaza
nem fazer prognósticos para o meu próprio
futuro
não posso escrever "um verso a mais foi escrito
e tudo o que já foi dito antes será repetido mais
uma vez no meu próprio caderno"
tenho essa escolha
que é um cavalo que passa devagar
e que me desabriga de mim mesmo
[uma ferida aberta com todas as possibilidades
de tempo
e com pequenos nadas no lugar
das palavras].
Jorge Vicente
4.
começa por escrever um poema verdadeiro
daqueles leves bem leves
daquela leveza bem justa e boa
daquela leveza bem dentro bem fora da língua
começa por escrever um poema sem vícios de forma
sem domínio claro e preciso da linguagem
não precisas voltar nem deslizar sorrateiramente
pela história da literatura
ela não te pertence
nem tu a ela
começa por dizer vou jantar com o coração apertado
não tenho espaço para mergulhar
sem pé, nem tenho medo de escrever
vou mergulhar de bruços em todo o teu poder
[violo e esta é a minha verdade,
a língua vivida sem escafandro].
Jorge Vicente
Cadernos de Gethsemani
1.
desceram das montanhas os primeiros animais, as primeiras aves, as mães que, nas casas
dos filhos, casam e cozem o pão;
desceram das montanhas a flauta e a voz humana,
essa imensa cosmologia
mais breve que o voo de uma libélula
e infinitamente mais silenciosa [ou triste]
que a humana escritura dos deuses.
Jorge Vicente
2.
o meu pequeno deus doméstico
ininterruptamente escrevendo na argila:
constrói uma pequena linguagem que
possa alimentar os pássaros.
jorge vicente
3.
tenho, perante mim, uma grande escolha:
ser humano,
o produto de uma linhagem específica
- animal bípede, ser pensante, com um
sentido de existência muito próprio,
construtor, criador, filósofo nas horas vagas
e com um sentido estético para a poesia
tenho, perante mim, essa escolha:
ser humano e ser presa de um destino
de pequenos nadas
não posso mudar o que se passa em gaza
nem fazer prognósticos para o meu próprio
futuro
não posso escrever "um verso a mais foi escrito
e tudo o que já foi dito antes será repetido mais
uma vez no meu próprio caderno"
tenho essa escolha
que é um cavalo que passa devagar
e que me desabriga de mim mesmo
[uma ferida aberta com todas as possibilidades
de tempo
e com pequenos nadas no lugar
das palavras].
Jorge Vicente
4.
começa por escrever um poema verdadeiro
daqueles leves bem leves
daquela leveza bem justa e boa
daquela leveza bem dentro bem fora da língua
começa por escrever um poema sem vícios de forma
sem domínio claro e preciso da linguagem
não precisas voltar nem deslizar sorrateiramente
pela história da literatura
ela não te pertence
nem tu a ela
começa por dizer vou jantar com o coração apertado
não tenho espaço para mergulhar
sem pé, nem tenho medo de escrever
vou mergulhar de bruços em todo o teu poder
[violo e esta é a minha verdade,
a língua vivida sem escafandro].
Jorge Vicente
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