sexta-feira, 1 de maio de 2015

Poesia de Sylvia Beirute


Poesia de Sylvia Beirute

 

Desejo infinitesimal ; Exercícios para os olhos ; Correspondência



 
 Desejo infinitesimal



 {que horas eram quando o tempo acabou?}
{que horas eram quando deixaste de
 poder reproduzir clandestinamente a explicação
 da conclusão do desejo infinitesimal?}
 {que horas eram quando a razão de espírito
 substituiu a de ciência na ocupação do abraço?}
{que horas eram quando te adiantaste à felicidade
 no dia que dilui
 na percepção multiforme da multidão?}
{que horas eram quando a boca simulou
 o silêncio com princípios aleatórios?}
 {que horas eram quando deixaste que a alma
 somasse corpos e subtraísse outros?}
 {que horas eram quando viver era deixar morrer
 e a solidão incomunicável?}
 {que horas eram quando o tempo acabou?
 que horas eram?}

 Sylvia Beirute

 

 Exercícios para os olhos



 quem manda aqui é a biologia,
mas o sentimento incontrolável é aquele que se masturba.
 eu apenas comecei o palco, síntese da arte, um
 contra}actor contra o corpo.
 cada corpo tem um deus, a sua estrutura de exibição
 não encontra muita importância no texto inevitável.
 {quem escreveu este texto? quem escreveu este texto
sem seios, ânus ou um pudor que os cubra?}
 a estética de tal esconderijo, vejamos, é, eu diria, circunstancial,
 circunstancial, aliás, como o esconderijo dos
 olhos circuncidados do público atento aos
 actores que tapam os espaços mas sobretudo aos
 que tapam os tempos com os es}paços de partes
 inexibidas e por isso, imaginadamente, universais.
 {a lágrima final é uma morte fetal}, poderia {eu} per-
feitamente dizer nesta fala depois de uma deixa redundante,
mas fugiria ao texto e nunca devemos fugir ao texto, a menos
 que tenhamos um outro. { } mas, de repente penso: {se tivesse
 um bisturi e me matasse, quem duvidaria
 de que tal não viesse no texto?}

 Sylvia Beirute

 

 Correspondência

{aos poetas contemporâneos do algarve}

 

 para dizer {intemporal} digo {o infinito do tempo} ,
 para dizer que {existe espaço} digo {vazio} ,
 para dizer {passado} digo {o esqueleto do presente} ou
 uso a sinédoque, estranhamente
 mais exacta e rigorosa, {os seus ossos frágeis} ,
 para dizer {cegueira} digo {a mera visão interior
 com passos de tigre ao escuro} ,
 para dizer {sacar verdades} digo {emitir um
 certificado de existência poética}
para dizer que {sou} digo que {estou, ou estou por vezes},
 para sentir {o anonimato contemporâneo dos outros poetas
 que no jardim da alagoa passeiam os cães e fingem
 não me ver} faço {assim com os ombros}.
 para permanecer preciso de {usar as mãos}
 e {estender todo o corpo nos lábios, ou entre sinónimos
 e correspondências}.

 Sylvia Beirute




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