Poesia de Sylvia Beirute
Desejo infinitesimal ; Exercícios para os olhos ; Correspondência
Desejo infinitesimal
{que horas eram quando o tempo acabou?}
{que horas eram quando deixaste de
poder reproduzir clandestinamente a explicação
da conclusão do desejo infinitesimal?}
{que horas eram quando a razão de espírito
substituiu a de ciência na ocupação do abraço?}
{que horas eram quando te adiantaste à felicidade
no dia que dilui
na percepção multiforme da multidão?}
{que horas eram quando a boca simulou
o silêncio com princípios aleatórios?}
{que horas eram quando deixaste que a alma
somasse corpos e subtraísse outros?}
{que horas eram quando viver era deixar morrer
e a solidão incomunicável?}
{que horas eram quando o tempo acabou?
que horas eram?}
Sylvia Beirute
Exercícios para os olhos
quem manda aqui é a biologia,
mas o sentimento incontrolável é aquele que se masturba.
eu apenas comecei o palco, síntese da arte, um
contra}actor contra o corpo.
cada corpo tem um deus, a sua estrutura de exibição
não encontra muita importância no texto inevitável.
{quem escreveu este texto? quem escreveu este texto
sem seios, ânus ou um pudor que os cubra?}
a estética de tal esconderijo, vejamos, é, eu diria, circunstancial,
circunstancial, aliás, como o esconderijo dos
olhos circuncidados do público atento aos
actores que tapam os espaços mas sobretudo aos
que tapam os tempos com os es}paços de partes
inexibidas e por isso, imaginadamente, universais.
{a lágrima final é uma morte fetal}, poderia {eu} per-
feitamente dizer nesta fala depois de uma deixa redundante,
mas fugiria ao texto e nunca devemos fugir ao texto, a menos
que tenhamos um outro. { } mas, de repente penso: {se tivesse
um bisturi e me matasse, quem duvidaria
de que tal não viesse no texto?}
Sylvia Beirute
Correspondência
{aos poetas contemporâneos do algarve}
para dizer {intemporal} digo {o infinito do tempo} ,
para dizer que {existe espaço} digo {vazio} ,
para dizer {passado} digo {o esqueleto do presente} ou
uso a sinédoque, estranhamente
mais exacta e rigorosa, {os seus ossos frágeis} ,
para dizer {cegueira} digo {a mera visão interior
com passos de tigre ao escuro} ,
para dizer {sacar verdades} digo {emitir um
certificado de existência poética}
para dizer que {sou} digo que {estou, ou estou por vezes},
para sentir {o anonimato contemporâneo dos outros poetas
que no jardim da alagoa passeiam os cães e fingem
não me ver} faço {assim com os ombros}.
para permanecer preciso de {usar as mãos}
e {estender todo o corpo nos lábios, ou entre sinónimos
e correspondências}.
Sylvia Beirute
Desejo infinitesimal ; Exercícios para os olhos ; Correspondência
Desejo infinitesimal
{que horas eram quando o tempo acabou?}
{que horas eram quando deixaste de
poder reproduzir clandestinamente a explicação
da conclusão do desejo infinitesimal?}
{que horas eram quando a razão de espírito
substituiu a de ciência na ocupação do abraço?}
{que horas eram quando te adiantaste à felicidade
no dia que dilui
na percepção multiforme da multidão?}
{que horas eram quando a boca simulou
o silêncio com princípios aleatórios?}
{que horas eram quando deixaste que a alma
somasse corpos e subtraísse outros?}
{que horas eram quando viver era deixar morrer
e a solidão incomunicável?}
{que horas eram quando o tempo acabou?
que horas eram?}
Sylvia Beirute
Exercícios para os olhos
quem manda aqui é a biologia,
mas o sentimento incontrolável é aquele que se masturba.
eu apenas comecei o palco, síntese da arte, um
contra}actor contra o corpo.
cada corpo tem um deus, a sua estrutura de exibição
não encontra muita importância no texto inevitável.
{quem escreveu este texto? quem escreveu este texto
sem seios, ânus ou um pudor que os cubra?}
a estética de tal esconderijo, vejamos, é, eu diria, circunstancial,
circunstancial, aliás, como o esconderijo dos
olhos circuncidados do público atento aos
actores que tapam os espaços mas sobretudo aos
que tapam os tempos com os es}paços de partes
inexibidas e por isso, imaginadamente, universais.
{a lágrima final é uma morte fetal}, poderia {eu} per-
feitamente dizer nesta fala depois de uma deixa redundante,
mas fugiria ao texto e nunca devemos fugir ao texto, a menos
que tenhamos um outro. { } mas, de repente penso: {se tivesse
um bisturi e me matasse, quem duvidaria
de que tal não viesse no texto?}
Sylvia Beirute
Correspondência
{aos poetas contemporâneos do algarve}
para dizer {intemporal} digo {o infinito do tempo} ,
para dizer que {existe espaço} digo {vazio} ,
para dizer {passado} digo {o esqueleto do presente} ou
uso a sinédoque, estranhamente
mais exacta e rigorosa, {os seus ossos frágeis} ,
para dizer {cegueira} digo {a mera visão interior
com passos de tigre ao escuro} ,
para dizer {sacar verdades} digo {emitir um
certificado de existência poética}
para dizer que {sou} digo que {estou, ou estou por vezes},
para sentir {o anonimato contemporâneo dos outros poetas
que no jardim da alagoa passeiam os cães e fingem
não me ver} faço {assim com os ombros}.
para permanecer preciso de {usar as mãos}
e {estender todo o corpo nos lábios, ou entre sinónimos
e correspondências}.
Sylvia Beirute
Sem comentários:
Enviar um comentário