Jornal Raizonline Nº 268 de 3 de Maio de 2015 - Coluna Um - Daniel Teixeira
A maldição da idade e a sua evolução
Hoje em dia vivemos - como sempre temos vivido só que com outras configurações - numa sociedade, por isso mesmo, hoje e sempre, paradoxal no plano das idades. Lembro-me dos tormentos passados para ver por exemplo um filme para maiores de 12 anos quando tinha 10/11 anos, da sensação de frustração ao ser barrado à entrada, de fazer esforços para revender o bilhete tornando-me candongueiro involuntário...enfim, eu queria ser mais crescido, ter mais idade, queria ver um dado filme (que na sua maior parte eram 150% mais inocentes do que os que se vêem hoje para idades menores ) ... mas enfim, isso passou e não estou aqui para saudosismos.
Ora quem me barrava a entrada para entrar no cinema, pedindo-me o B.I. eram pessoas com alguma idade já: eram todos senhores com alguma idade já que faziam de porteiros naquela velha esplanada de Cinema com bancadas em pedra para os pobrezinhos e com cadeiras e algumas mesas de metal para os «ricos» (ou menos pobres, simplesmente) que só funcionava nos 3/4 meses de Verão. No restante do ano era um outro cinema igualmente com os mesmos senhores a fazerem de porteiros e o mesmo drama dependente da maior ou menor atenção (ou disposição) dos «guardas» das idades.
Um destes senhores que referi em grupo acima, o meu certeiro barrador de entrada no cinema, nunca mais me esqueci dele, cheguei a ter-lhe raiva, daquela raiva que resulta da frustração de não poder ver uma caboiada ou mesmo o mais marcante filme de capa e espada do Conde de Monte Cristo e um outro qualquer da centena que o Jean Marais protagonizou.
Hoje encontro-o com alguma frequência e embora tenha mandado embora a raiva continuo a olhá-lo de soslaio apesar da sua seguramente já longa e respeitosa idade. Com os outros, lembro-me bem que era raro a barragem acontecer e por vezes tinha lugar porque estava alguém a supervisiona-los. Este sempre o achei impiedoso. Enfim, chegava a ir-me buscar no meio dos grupos por onde me enfiava para ser atendido por outro porteiro: o homem sumariamente topou-me para todas as vezes que eu ia ao cinema.
Cresci e embora não me fosse indiferente (não tinha família - irmã com idade sujeita à barragem porteiral) acabei por começar a achar normal ou rotineiro este tipo de selecção...breve, esqueci-me de que já fora daquela idade, que já fora barrado à entrada do cinema e até sentia algum prazer em exibir o BI quando solicitado. Puxava lesto da carteira «Ora toma!!» e depois ficava até ofendido pela dúvida...do ou dos velhos porteiros. Reparem que eu escrevi «velhos»...
Naquele tempo não se desrespeitavam as pessoas: eu ficava ressentido, achava talvez que aqueles outros «velhos» do cinema não sabiam ver as evidências mas tudo se passava nas calmas: aqueles velhos porteiros entre os 12 e os 15 / 16 anos meus receberam alguns murmúrios da minha revolta...nada mais. Aí quis ter mais de 17 anos...
Depois recomeçaram a sua função desagradável e dolorosa barrando-me a entrada nos filmes para maiores de 17 anos. Só aquele, este que encontro hoje ainda me persegue porque o encontro com uma frequência inusitada e por vezes imagino-o de farda e boné cinzentos, tipo marinha, a tentar agarrar-me um braço. Esta coisa de ter memória por vezes é inconveniente.
Resumindo, até cerca dos 20 / 25 quis sempre ser mais velho...andar à frente do meu tempo de vida, não olhar para trás. Posteriormente, também e ao mesmo tempo quase, ser muito novo,com vinte ou vinte e cinco anos, em determinados empregos dava pouca credibilidade: o pessoal preferia alguém maduro, casado e com um rancho de filhos, com alguns salpicos de cabelo branco ou um apontar de calvície, mas nessa altura já era tarde para sentir essas exigências com alma: as minhas pretensões estavam já próximas da estabilização.
Estabilizei nas exigências por um período que situo talvez até aos 30/35 anos e comecei a não querer ser mais velho, ou melhor, deveria ter começado a não querer ser mais velho se a minha filosofia de vida não tivesse encontrado a grande desculpa (a mãe de todas as desculpas) de que ser maduro é bom, óptimo mesmo: o maduro é ponderado, é sabido ou julgam-no como tal.
Agora tenho por vezes a glória das glórias da maturidade: de quando em vez pedem-lhe conselhos (que normalmente pouca gente ou ninguém segue) mas neste caso o gesto (o pedido) acaba por ser tudo.
Breve, estou satisfeito e as potenciais pressões sofridas durante anos entram-me por um ouvido e saem pelo outro...desconto dado ao rebobinado incómodo que sinto quando vejo o tal ex-porteiro do cinema...
A maldição da idade e a sua evolução
Hoje em dia vivemos - como sempre temos vivido só que com outras configurações - numa sociedade, por isso mesmo, hoje e sempre, paradoxal no plano das idades. Lembro-me dos tormentos passados para ver por exemplo um filme para maiores de 12 anos quando tinha 10/11 anos, da sensação de frustração ao ser barrado à entrada, de fazer esforços para revender o bilhete tornando-me candongueiro involuntário...enfim, eu queria ser mais crescido, ter mais idade, queria ver um dado filme (que na sua maior parte eram 150% mais inocentes do que os que se vêem hoje para idades menores ) ... mas enfim, isso passou e não estou aqui para saudosismos.
Ora quem me barrava a entrada para entrar no cinema, pedindo-me o B.I. eram pessoas com alguma idade já: eram todos senhores com alguma idade já que faziam de porteiros naquela velha esplanada de Cinema com bancadas em pedra para os pobrezinhos e com cadeiras e algumas mesas de metal para os «ricos» (ou menos pobres, simplesmente) que só funcionava nos 3/4 meses de Verão. No restante do ano era um outro cinema igualmente com os mesmos senhores a fazerem de porteiros e o mesmo drama dependente da maior ou menor atenção (ou disposição) dos «guardas» das idades.
Um destes senhores que referi em grupo acima, o meu certeiro barrador de entrada no cinema, nunca mais me esqueci dele, cheguei a ter-lhe raiva, daquela raiva que resulta da frustração de não poder ver uma caboiada ou mesmo o mais marcante filme de capa e espada do Conde de Monte Cristo e um outro qualquer da centena que o Jean Marais protagonizou.
Hoje encontro-o com alguma frequência e embora tenha mandado embora a raiva continuo a olhá-lo de soslaio apesar da sua seguramente já longa e respeitosa idade. Com os outros, lembro-me bem que era raro a barragem acontecer e por vezes tinha lugar porque estava alguém a supervisiona-los. Este sempre o achei impiedoso. Enfim, chegava a ir-me buscar no meio dos grupos por onde me enfiava para ser atendido por outro porteiro: o homem sumariamente topou-me para todas as vezes que eu ia ao cinema.
Cresci e embora não me fosse indiferente (não tinha família - irmã com idade sujeita à barragem porteiral) acabei por começar a achar normal ou rotineiro este tipo de selecção...breve, esqueci-me de que já fora daquela idade, que já fora barrado à entrada do cinema e até sentia algum prazer em exibir o BI quando solicitado. Puxava lesto da carteira «Ora toma!!» e depois ficava até ofendido pela dúvida...do ou dos velhos porteiros. Reparem que eu escrevi «velhos»...
Naquele tempo não se desrespeitavam as pessoas: eu ficava ressentido, achava talvez que aqueles outros «velhos» do cinema não sabiam ver as evidências mas tudo se passava nas calmas: aqueles velhos porteiros entre os 12 e os 15 / 16 anos meus receberam alguns murmúrios da minha revolta...nada mais. Aí quis ter mais de 17 anos...
Depois recomeçaram a sua função desagradável e dolorosa barrando-me a entrada nos filmes para maiores de 17 anos. Só aquele, este que encontro hoje ainda me persegue porque o encontro com uma frequência inusitada e por vezes imagino-o de farda e boné cinzentos, tipo marinha, a tentar agarrar-me um braço. Esta coisa de ter memória por vezes é inconveniente.
Resumindo, até cerca dos 20 / 25 quis sempre ser mais velho...andar à frente do meu tempo de vida, não olhar para trás. Posteriormente, também e ao mesmo tempo quase, ser muito novo,com vinte ou vinte e cinco anos, em determinados empregos dava pouca credibilidade: o pessoal preferia alguém maduro, casado e com um rancho de filhos, com alguns salpicos de cabelo branco ou um apontar de calvície, mas nessa altura já era tarde para sentir essas exigências com alma: as minhas pretensões estavam já próximas da estabilização.
Estabilizei nas exigências por um período que situo talvez até aos 30/35 anos e comecei a não querer ser mais velho, ou melhor, deveria ter começado a não querer ser mais velho se a minha filosofia de vida não tivesse encontrado a grande desculpa (a mãe de todas as desculpas) de que ser maduro é bom, óptimo mesmo: o maduro é ponderado, é sabido ou julgam-no como tal.
Agora tenho por vezes a glória das glórias da maturidade: de quando em vez pedem-lhe conselhos (que normalmente pouca gente ou ninguém segue) mas neste caso o gesto (o pedido) acaba por ser tudo.
Breve, estou satisfeito e as potenciais pressões sofridas durante anos entram-me por um ouvido e saem pelo outro...desconto dado ao rebobinado incómodo que sinto quando vejo o tal ex-porteiro do cinema...
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