sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O papel da escola como fonte de afirmação da cultura e da identidade: Currículo Escolar em questão.- Mirian Cristina Ubaldo


O papel da escola como fonte de afirmação da cultura e da identidade: Currículo Escolar em questão.

Mirian Cristina Ubaldo

Todo educador reconhece a grande dificuldade e o desafio que é desenvolver e aplicar nas escolas espaços pedagógicos que trabalhem atividades voltadas à valorização da multiplicidade de identidades que formam o povo brasileiro.

Para Moura (2001), este espaço deve ser criado por meio de um currículo reflexivo, que leve o aluno a conhecer suas origens, saber quem são e desta forma reconhecer-se como brasileiro. Este currículo deve levar o aluno a valorizar sua cultura orgulhando-se de sua história sem nunca negar sua identidade como muitos brasileiros fazem.

O esquecimento premeditado e consciente da própria cultura acontece muitas vezes em razão da escola não oferecer meios para que o aluno conheça sua história percebendo o papel dela na formação cultural e social do país. Repensar o papel da escola como bem sua função e sua importância na afirmação cultural dos diferentes povos do nosso país, é uma atitude urgente a ser tomada não só por educadores, mas por todos os seguimentos políticos. Para reconhecer isto basta observar a realidade social e educacional em que o Brasil se encontra.

De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apesar de 45% a população brasileira ser mestiça compondo a maioria do povo trabalhador e contribuindo para o desenvolvimento econômico do país, através de sua história, como afirma Moura (2001), ainda se encontra na classe dos menos favorecidos e discriminados socialmente.

A cultura dos povos brasileiros principalmente das comunidades negras rurais vem sendo banalizada ao longo do tempo e nós educadores somos grandes responsáveis não passando aos nossos alunos a importância das tradições. Estamos matando o passado de um povo e um povo sem passado é um povo sem identidade que se deixa marginalizar continuando a sombra da sociedade constituindo esta aceitada minoria de menos favorecida.

Moura (2001), em pesquisa realizada nas comunidades quilombolas de Minas Gerais, Maranhão, e Rio Grande do Sul constatou a existência de uma vivência de identidade baseada na «cultura do contraste» onde a cultura das festas é o objeto usado para sua elaboração e aquisição. É com estas festas que os quilombolas afirmam de maneira vigorosa sua diferença e é através desta afirmação da identidade que eles reivindicam o direito de viverem de seu trabalho quase sempre do campo e artesanato, vivenciando sua fé com danças, cantos e práticas de devoções.

Em sua pesquisa Moura (2001), buscou analisar a importância das festas quilombolas na transmissão e internalização dos valores culturais e sociais que possibilitam a afirmação e a expressão da diferença permitindo desta forma a inserção das comunidades negras na sociedade de maneira significante.

Desde o planejamento à execução e avaliação das atividades e tarefas comunitárias as crianças permanecem ao redor dos adultos numa interação natural e descontraída. As festas ao fazerem parte do contexto cotidiano, tornam-se um veículo informal de transmissão do saber que é assimilado aos poucos ao mesmo tempo em que possibilita uma reflexão sobre as necessidades de mudanças e adequação às condições dos novos tempos sem romper com sua essência.

Desta forma constitui-se a existência de um currículo invisível segundo Moura, por meio do qual são repassadas através das gerações as normas de convívio comunitário. O currículo invisível ao ser desenvolvido sem uma intenção explicita oferece às crianças o conhecimento que elas precisam sobre suas origens, o valor de seus antepassados, o contexto presente e as expectativas para o futuro, fazendo com que elas valorizem a cultura de seu povo não deixando a sua identidade perder-se no tempo.

É notória a seriedade das festas nas comunidades quilombolas que lutam segundo Moura (2001), com alegria, mas de maneira contextualizada e compromissada para viver o momento presente sem esquecer o passado, alegria esta duramente conquistada.

As festas nas comunidades negras estudadas por Moura passaram a ser ao longo da história uma educação informal extremamente importante na formação das identidades no processo de ensino aprendizagem. Esta maneira de trabalhar a educação informal, currículo invisível, possibilita que o aluno conheça a história de seu país, a importância de sua cultura e sua formação étnica, o que raramente acontece nas escolas tradicionais e que poderia ser mais bem aceita na educação formal.

A grande diferença destacada por Moura (2001) entre a transmissão do saber das comunidades negras rurais pesquisadas e das escolas tradicionais é que enquanto, no primeiro caso o processo de aprendizagem como fruto da socialização procede de maneira informal e espontânea, na escola tradicional o saber não esta pautado na experiência do aluno como também não é levado em conta os diferentes valores culturais presentes na sala de aula.

O ensino neste caso é sistematizado, imposto como único e as historicidades que formam o contexto de origem destes alunos não servem de referência na formação do currículo. Desta forma a educação formal pode criar um sentido de exclusão para o aluno ao invés de facilitar a sua construção de identidade e a afirmação de sua cultura por não conseguir estabelecer uma relação lógica entre os conteúdos que lhe são ensinados e sua experiência pessoal e familiar de vida.

Nas comunidades quilombolas como afirma G. Moura (2001-pag.64), [... as crianças se identificam positivamente com tudo que esta acontecendo a sua volta, como condição de um saber que os forma para a vida].

A importância da vivência do aluno fora da escola, esse saber que lhe é transmitido pelas gerações, ou seja, a educação não formal e sua importância como papel educativo vem sendo enfatizada à várias décadas por diferentes correntes pedagógicas, mas este discurso cai por terra quando posto em pratica.

O que encontramos na realidade, no lugar de currículo invisível como o dos quilombolas é a existência de uma didática estritamente formal onde o conhecimento válido é aquele construído especificamente para ser «transferido», um conhecimento de igualamento, ou seja, ao entrar na escola as vivencias, experiências e cultura de cada criança deixam de existir e todos aprenderão à mesma coisa da mesma forma, aprendizado este que já esta pronto não foi construída com a participação da parte mais interessada – o educando.

Não pretendo aqui afirmar que a forma ideal de transmissão do saber é a das comunidades negras rurais criticando os demais currículos sem nada oferecer em troca para reflexão, mas que certamente existe nelas um forte aprendizado para nós educadores, isto é inegável.

Se buscarmos com atenção as lembranças que trazemos de nossa infância como as brincadeiras de roda, as conversas de comadre, os contos e causos que nos ensinaram muito sobre regras, valores, condutas e muito mais, entenderemos como as crianças aprendem com mais alegria e de forma prazerosa se associarmos o que elas já sabem ao entrarem na escola com o que temos a oferecer.

O que precisamos para tal parece ser simples se dermos um salto da teoria para a prática: Uma didática com a proposta de enaltecer a cultura dos diferentes povos e comunidades que formam o nosso país possibilitando desta forma a criança aprenda desde cedo à importância de afirmar sua própria cultura e sua identidade valorizando os saberes que o passado lhe deixou como herança.

Ensinar é aprender. Ensinar não é transmitir conhecimentos. O educador não tem o vírus da sabedoria. Ele orienta a aprendizagem, ajuda a formular conceitos, a despertar as potencialidades inatas dos indivíduos para que se forme um consenso em torno de verdades e eles próprios encontrem as suas opções.


Bibliografia:

MOURA, M. G. V. . Direito à diferença. In: Kabengele Munanga(org). (Org.). Superando o racismo na escola. : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 2001, v. , p. -.



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